O interior da Igreja Nossa Senhora dos Remédios guarda, há mais de oito décadas, uma obra de arte envelhecida pelo tempo. As paredes da cripta da paróquia, situada no bairro Benfica, em Fortaleza, são cobertas pelos grandes murais do artista plástico Gerson Faria, que retratam acontecimentos alusivos a Jesus Cristo, incluindo representações livres da Via-Sacra. Pintada em 1940, a obra passa pela primeira vez pela restauração, cujos responsáveis são os alunos da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS).
Após a finalização do restauro da cripta, o objetivo da igreja é finalmente poder reabri-la. É o que revela o padre Silvio Mitozo. “O grande intuito desta reforma no espaço é poder reabrir para os fiéis poderem voltar a fazer suas orações, mas também é um desejo de todos nós poder transformá-lo em um centro cultural, aberto para visitações, pois isso aqui é arte e precisa ser apreciada”, destaca.
Antonio Vieira, professor do curso de Conservação e Restauração de Bens Patrimoniais Móveis e Integrados na modalidade de Pinturas Parietais explica que a EAOTPS escolhe um bem que está em degradação e precisa de restauração para fazer essa intervenção junto com os alunos.
“Vi uma reportagem sobre a cripta da igreja e percebi a importância que é a obra de Gerson Faria, um dos primeiros artistas a montar um movimento de arte aqui no Ceará. Visitei a igreja e percebi o estado em que a cripta se encontrava. O padre já estava começando a fazer campanhas para reavivar esse espaço. Então, nada mais justo que nos sensibilizarmos e fazer esse restauro”, conta.
Segundo ele, os estudantes participantes da restauração da cripta participaram de um processo seletivo previsto no edital da instituição, publicado em setembro. “São 13 alunos que compõem essa turma, sendo eles pessoas entre 18 e 29 anos que participam do curso. Foi feita uma seleção por meio de provas de habilidades técnicas, nas quais sabemos se eles têm aptidão para desenvolver o trabalho”, pontua o professor.
A cripta da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, conhecida como Horto da Agonia, tem paredes e teto ilustrados por Gerson Farias, artista plástico e cenógrafo autodidata, natural de Fortaleza. A igreja foi construída em 1910, enquanto as imagens que remetem à Via-Sacra foram produzidas em 1940.
Entre as cenas registradas nas paredes da cripta estão a Santa Ceia, o Horto da Agonia, o beijo de Judas, a Crucificação, a descida da cruz e as mulheres desoladas após a morte de Cristo.
A princípio, o espaço era destinado à reflexão e persistência, mas foi fechado na década de 1970, por razões hoje incertas. Conforme o padre Silvio Mitozo, no entanto, o desejo de reabrir o local vem desde 2019, ainda que, na época, não houvesse parceria com a Escola de Artes e Ofícios.
Com a sensibilização da EAOTPS diante da situação das obras na cripta, a restauração teve início em 6 de outubro. De acordo com o pároco, o apoio dos fiéis, que colaboraram financeiramente para que a reforma na estrutura do espaço fosse realizada também foi fundamental no processo.
“Todo reparo na infraestrutura envolve custos e o apoio dos fiéis nas campanhas de arrecadação para a reforma foi muito importante. Sou grato à Escola de Artes e Ofícios por ter concedido à Igreja essa oportunidade de revitalizar a cripta e ceder os materiais para o restauro das pinturas e, principalmente, pelo trabalho dos alunos que estão se dedicando bastante para tornar tudo isso possível. A sensação é de um sonho sendo realizado”, declarou o padre.
Por ser uma obra única e ainda pouco conhecida pelo público que frequenta a igreja, para o restauro ter início foi preciso um intenso trabalho de pesquisa dos estudantes para entender os processos artísticos do autor.
O professor Antonio Vieira aponta que “o curso foi dividido em partes, sendo a primeira delas teórica, o que exigiu estudos sobre educação patrimonial e ocorreu entre os dias 3 a 5 de outubro. Já a segunda parte foi prática, na cripta”, cuja previsão é de ser concluída em 17 de novembro.
Durante o trabalho, todas as partes da ilustração foram higienizadas em um procedimento envolvendo produtos químicos. A partir de testes, foi possível entender o nível de sensibilidade em que a obra estava, com o intuito de não danificá-la. Desta forma, os alunos puderam dar início à etapa artística da obra e começar a intervir nela, ainda mantendo seus aspectos originais.
Apesar de atuar na área desde 2017, o restaurador, Merlin Alves, destaca que esta tem sido uma experiência única. Por ter participado da primeira turma desta modalidade do curso e já ter participado de outros da EAOTPS, Merlin diz ainda que se sente honrado em, pela primeira vez, atuar como monitor.
“Por ser um mural que estava praticamente escondido e o local estar desativado há décadas, deixa uma atmosfera de mistério que torna tudo maior e mais significativo”, conta.
A artista visual e estudante do Curso de Conservação e Restauração de Bens Patrimoniais Móveis e Integrados na modalidade de Pinturas Parietais, Michelle Batista, de 29 anos, conta que soube do curso por meio das redes sociais e logo se interessou pela história por trás da cripta.
“A arte surgiu como uma válvula de escape para eu me expressar e conseguir colocar para fora o que eu sinto. Depois, tornei isso o meu trabalho e comecei a emocionar outras pessoas, o que é muito significativo. Já nessa parte de restauro, a gente consegue preservar a história do artista, da obra dele, da igreja e das pessoas que puderam presenciar a cripta antes mesmo de estar fechada”, afirma Michelle.
Para ela, contribuir com a restauração do espaço faz com que se sinta realizada. “Antes de começarmos o trabalho, passamos por um estudo das técnicas que o pintor usou, suas referências, as cores e tipos de tintas. Acho que dessa forma conseguimos preservar o que ele fez. Me sinto muito feliz por saber que, de certa forma, agora faço parte da história disso tudo”, conclui.