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Profetas da Chuva acertaram mais da metade das previsões
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Profetas da Chuva acertaram mais da metade das previsões

Segundo levantamento feito pelo O POVO, sábios acertaram seis de dez das previsões nos últimos dez anos
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Profeta José Erismar analisa a vinda das chuvas por meio de folhagens (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Profeta José Erismar analisa a vinda das chuvas por meio de folhagens

José Erismar, 70, segura um ramo de juazeiro — árvore típica da caatinga, e com uma análise cautelosa sob as folhas dispara: "Vai chover em março". O cearense é um dos "Profetas da Chuva", grupo que permeia o imaginário nordestino por usar da observação da natureza para fazer um prognóstico do clima no Ceará, utilizando a terra como canal entre o divino e o homem. Segundo levantamento feito pelo O POVO, sábios acertaram seis de dez (60%) das previsões que fizeram nos últimos dez anos. 

Os prognósticos são compartilhados durante encontros realizados anualmente. Na ocasião, todos os profetas se reúnem e dividem suas previsões, que são feitas com base na análise de elementos como o monitoramento dos astros, de formigas, do cupim, de plantas e até mesmo do som emitido em meio às árvores. Uma sabedoria que requer paciência e entrega, praticada com fé e esperada com devoção por um povo que enxerga a água caindo do céu como sinônimo de fartura e, muitas vezes, de recomeço.

Nem sempre a análise de todos os profetas apontam o mesmo resultado, mas geralmente grande parte do que é profetizado coincide com previsões e balanços divulgados oficialmente pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). Na última década, por exemplo, cruzando as previsões, divulgadas em matérias do O POVO, com dados desse órgão é possível perceber que os sábios acertaram mais da metade do que profetizaram para o período da quadra chuvosa.

FORTALEZA, CEARÁ, 14-01-2023: 27º Encontro dos Profetas da Chuva, no campus do IFCE Quixadá. Na foto o profeta Erasmo Barreira, que analisa a vinda das chuvas através de cupins. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, 14-01-2023: 27º Encontro dos Profetas da Chuva, no campus do IFCE Quixadá. Na foto o profeta Erasmo Barreira, que analisa a vinda das chuvas através de cupins. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Em 2022, a profecia era de "muita chuva" no primeiro semestre. Conforme estatísticas da Fundação de Meteorologia, o Ceará teve um acumulado positivo naquele ano. Só em junho, primeiro mês da pós-estação no Estado, choveu mais do que o dobro previsto para o período.

Já no início de 2021, os sábios disseram que o Ceará viveria um inverno bom, com uma boa recarga dos açudes. Dados da Funceme, contudo, mostram que o volume de chuvas registrado naquele ano ficou 12,7% abaixo da normal climatológica prevista. O nível de armazenamento dos reservatórios encerrou o mês de dezembro em estado de alerta.

Em 2020, profetas apontaram que aquele seria um período de chuvas "acima da média". Profecia coincidiu com balanço da Funceme, que indicou que as precipitações no primeiro trimestre atingiram resultados positivos. Aquele ano, inclusive, registrou o segundo mês de março mais chuvoso em três décadas. 

Nos anos anteriores, de 2019, de 2018 e de 2017, os profetas acertaram nos prognósticos. Em 2016 erraram, acertando em 2015. Já nos anos de 2014 e de 2013 as previsões dos sábios populares não coincidiram com o balanço oficial da Funceme. Ou seja, nos últimos dez anos, os sertanejos acertaram seis (60%) das previsões de chuva que fizeram para o Ceará, errando apenas quatro delas. 

Previsão para 2023 é de "bom inverno"

Esses homens e mulheres que usam a si mesmos como instrumentos de medição do tempo estiveram reunidos no sábado, 14, em Quixadá (a 163 km de Fortaleza), no 27° Encontro dos Profetas da Chuva. A maioria dos sábios presentes no evento compartilhou o mesmo prognóstico para 2023: Ceará vai ter um inverno bom, com chuvas mais intensas a partir de março, um mês após o início da quadra chuvosa.

Erasmo Barreira, de 75 anos, fez a previsão com base na observação do cupim. De acordo com o profeta, de Quixadá, se o inseto estiver com a asa "pronta para voar" é sinal de que as chuvas estão próximas. "(O cupim) Não deu promessa de chuva agora em janeiro (...) Mas eu tô convicto que a partir de fevereiro em diante nós vamos ter um inverno muito bom", conta o sábio, que pratica o saber desde menino.

FORTALEZA, CEARÁ, 14-01-2023: 27º Encontro dos Profetas da Chuva, no campus do IFCE Quixadá. Na foto o profeta Erasmo Barreira, que analisa a vinda das chuvas através de cupins. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, 14-01-2023: 27º Encontro dos Profetas da Chuva, no campus do IFCE Quixadá. Na foto o profeta Erasmo Barreira, que analisa a vinda das chuvas através de cupins. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

A previsão é a mesma de José Erismar, 70, de Quixadá, que diz que deve "chover bem" no próximo trimestre. O contador de olhos claros e rosto enrugado de vida "recebeu" esse aviso da natureza com base na observação de alguns de seus elementos, como a folha do juazeiro — árvore típica da caatinga.

Com um ramo em mãos, ele aponta para os frutos que se formam no juazeiro e explica que eles ainda não estão "desabrochados", o que significa que a chuva não vem de forma intensa neste mês, mas que deve chegar assim no próximo. É como se a árvore, nativa do nordeste brasileiro, confidenciasse o segredo apenas para o homem, que assim como ela também pertence aquele pedaço de chão.

FORTALEZA, CEARÁ, 14-01-2023: 27º Encontro dos Profetas da Chuva, no campus do IFCE Quixadá. Na foto o profeta José Erismar, que analisa a vinda das chuvas através de folhagens da planta juazeiro, cupins, entre outros. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, 14-01-2023: 27º Encontro dos Profetas da Chuva, no campus do IFCE Quixadá. Na foto o profeta José Erismar, que analisa a vinda das chuvas através de folhagens da planta juazeiro, cupins, entre outros. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Já o prognóstico para Maria Genésia, 69, de Quixadá, vem com base na observação dos astros. A profetiza, que também é rezadeira, transita entre a ciência do oculto e a espiritualidade. Para se conectar de forma profunda com o outro, ela cumprimenta beijando as mãos e fala olhando dentro dos olhos.

A sertaneja recebe e "cuida" de pessoas diariamente, ficando sem tempo para observar os astros. Contudo, sempre arruma um jeito de fazer as profecias, saber que afirma "trazer do berço". Para este ano, ela afirma que "vai ter chuva boa", com precipitações mais intensas em alguns lugares do Estado 

FORTALEZA, CEARÁ, 14-01-2023: 27º Encontro dos Profetas da Chuva, no campus do IFCE Quixadá. Na foto a profeta Maria Genésia, que analisa a vinda das chuvas através da observação dos astros. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, 14-01-2023: 27º Encontro dos Profetas da Chuva, no campus do IFCE Quixadá. Na foto a profeta Maria Genésia, que analisa a vinda das chuvas através da observação dos astros. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

José Célio, de Limoeiro do Norte, recebe o "segredo" da terra de forma direta, pelo som. Com 95 anos de idade, o profeta tem o dom de entender a propagação sonora emitida em meio as árvores. Embora quase centenário, o agricultor tem fala firme e ouvido apurado, como se a natureza o revitalizasse. 

"Quando quer chover, a propagação do som, dois, três dias antes já dá sinal (...) Estamos confiando em um bom inverno (...) Vamos ter um super inverno", crava o sábio, carregando na mãos um papel com o apurado de chuvas dos meses, o que mostra que pratica a sabedoria de forma devota e dedicada.

FORTALEZA, CEARÁ, 14-01-2023: 27º Encontro dos Profetas da Chuva, no campus do IFCE Quixadá. Na foto o profeta José Célio, que analisa a vinda das chuvas através da propagação do som. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, 14-01-2023: 27º Encontro dos Profetas da Chuva, no campus do IFCE Quixadá. Na foto o profeta José Célio, que analisa a vinda das chuvas através da propagação do som. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

O prognóstico desses profetas e de grande parte dos cerca de 30 sábios presentes no encontro é de que haverá boas chuvas já em fevereiro. No entanto, as mais intensas vão começar em março e devem durar até o meio do ano. Cerca de três dos sábios presentes, contudo, não se mostraram otimistas com o que leram da natureza. Segundo eles, deve chover no Estado, mas em uma intensidade "média" ou baixa.

Dom passado por gerações 

Estudar a natureza e aprender a entender os sinais dela foi uma forma encontrada pelos sertanejos que dependem da chuva para prosperarem e que trazem no peito a ansiedade de ver os açudes enchendo, o que significa fartura. Contudo, prática é vista por eles como "um dom" e uma "benção" passada por gerações. São, acima de tudo, guardadores de experiências que receberam dos pais e dos avós.

Erasmo Barreira, por exemplo, começou a ler o sinais ainda criança. "Eu acompanhei meu pai, ainda menino. Quando ele fazia essas coisas (previsões). Todos os anos ele prestava atenção no que é que podia acontecer no próximo inverno", conta o profeta, que é ainda poeta.

Foi com o pai que aprendeu que "o inverno só fica firmado quando passa a chover durante manhã e tarde e por três dias seguidos". Com os olhos atentos de criança e guardando o sertão dentro de si, o menino desenvolveu o aprendizado e hoje se tornou um homem que consegue adivinhar o clima por meio de elementos da terra como o feijão, a formiga de roça, as abelhas e o cupim, dentre outros.

Para José Erismar, o aprendizado também chegou muito cedo, visto que tanto a mãe quanto o avô faziam profecias. Obedecendo a tradição familiar, ele passou a herança do saber para a filha, Meyrismar Nobre, que agora o acompanha e sozinha faz também os seus prognósticos, analisando árvores.

FORTALEZA, CEARÁ, 14-01-2023: 27º Encontro dos Profetas da Chuva, no campus do IFCE Quixadá. Na foto a profeta Meyrismar Nobre, que analisa a vinda das chuvas através de folhagens da planta juazeiro e bougainville. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, 14-01-2023: 27º Encontro dos Profetas da Chuva, no campus do IFCE Quixadá. Na foto a profeta Meyrismar Nobre, que analisa a vinda das chuvas através de folhagens da planta juazeiro e bougainville. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

O profeta José Célio, em seus quase cem anos de vida, carrega pelo menos três décadas de saber da natureza. A filha não se interessou pela prática das profecias. Contudo, o dom de ouvir e sentir a terra não deve se perder na família. Isso porque o neto do profeta, Lucca, de apenas três anos, as vezes é flagrado pela mãe observando o céu e deixando escapar, convicto: "Mamãe, acho que vai chover".

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