Nos últimos 11 anos, o número de médicos com registro profissional emitido no Ceará quase dobrou, chegando a 17,1 mil em 2022. É o que aponta nova edição da pesquisa Demografia Médica, realizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). No início da série histórica, em 2011, havia 9,3 mil médicos em atividade no Estado. Entre o primeiro e o último levantamento, no ano passado, o crescimento foi de 83,63%.
A pesquisa, feita a cada dois anos, traça um “raio x” sobre a evolução do contingente de médicos no Brasil. Os dados estão disponíveis em uma ferramenta online que apresenta informações detalhadas sobre gênero, idade e perfil profissional dos médicos. Também há indicadores sobre a distribuição regional e o fluxo de entrada e saída dos profissionais no mercado de trabalho.
De acordo com o estudo, o Ceará passou a ter aumento acentuado no número de novos profissionais da medicina a partir de 2020, quando o quantitativo de registros emitidos no Estado aumentou 2,4 mil em relação a 2018. Entre 2020 e 2022, o total de ingressantes foi um pouco menor, cerca de 2 mil. Ainda assim, o índice ficou acima do patamar registrado nos primeiros anos da série histórica.
De 2011 a 2013, foram 591 novos médicos registrados no território cearense, número que chegou a 1 mil entre 2013 e 2015 e subiu para 1,6 mil de 2015 a 2018. Neste último intervalo, o interstício da pesquisa, excepcionalmente, foi de três anos. Ao todo, o mercado da medicina cearense ganhou 7,8 mil profissionais desde quando o levantamento começou a ser feito, perfazendo média anual de 711 médicos.
Apesar do crescimento contínuo, o Ceará está entre os estados do Brasil com menor cobertura médica por 1 mil habitantes, sendo o 18º da lista entre as 27 unidades da federação, com taxa de 1,86. O maior nível de assistência no País é no Distrito Federal, onde o índice alcançou 4,72.
No Nordeste, o Ceará tem cobertura inferior à Paraíba (2,17), Sergipe (2,09), Pernambuco (1,96) e Rio Grande do Norte (1,91), ficando à frente de Alagoas (1,76), Piauí (1,76), Bahia (1,72) e Maranhão (0,97). Este último, inclusive, amarga a pior taxa do Brasil no estudo mais recente.
O boom de novos médicos no Ceará ocorreu entre 2018 e 2022, período no qual 4,5 mil profissionais ingressaram no mercado. O número de registros emitidos em quatro anos representa quase 60% do total observado em 11 anos. O crescimento recente coincide com a abertura de escolas de medicina no Estado.
De acordo com a Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará (Secitece), de 2020 a 2022 cinco cursos para formação médica passaram a funcionar no Estado, todos no Interior. Os cursos foram autorizados na Faculdade de Medicina Estácio, em Quixadá; Universidade Regional do Cariri (Urca), no Crato; Centro Universitário Uninta, em Sobral; e na Faculdade de Medicina Estácio, em Iguatu.
No total, o Ceará tem 15 cursos de medicina em funcionamento, quatro na Capital e 11 no Interior. De acordo com a Secitece, as graduações são ofertadas em oito instituições privadas e sete públicas. O curso mais antigo foi instalado em 1948, na Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza.
O último a receber o aval do Ministério da Educação (MEC), por sua vez, foi o curso da Universidade Estadual do Ceará (Uece), em Crateús. A previsão é que a primeira turma inicie as atividades em agosto deste ano.
O presidente do CFM, José Hiran Gallo, afirma que embora a entrada de novos médicos no mercado deva ser comemorada, há uma preocupação cada vez mais imperiosa com a qualidade profissional dos recém-formados.
“Vivemos hoje, no Brasil, uma exacerbação de cursos médicos, muitos sem a menor qualidade para ofertar aos jovens um ensino adequado. Isso é preocupante, uma vez que tem muitos médicos saindo da faculdade com a qualidade profissional aquém do desejado”, ponderou Gallo.
No Ceará, o curso de medicina da Urca é o mais recente em atividade. A primeira turma, com 30 alunos, começou a graduação em março de 2022. De acordo com o reitor da instituição, Francisco do O' de Lima Júnior, as instalações físicas do curso não deixam a desejar no aspecto qualidade.
“Nosso curso já começou com uma infraestrutura boa, com salas de aula equipadas, e houve a aquisição de um hospital próprio, que foi transformado na nossa unidade de ensino e pesquisa”, destaca. O Governo do Estado investiu cerca de R$ 38,6 milhões na compra do Hospital São Francisco, transformado em clínica-escola. A unidade fica localizada a menos de 100 metros da sede Urca.
Segundo o reitor, o equipamento disponibiliza estrutura completa para atividades de práticas clínicas e residência médica. Além da formação na clínica, os estudantes realizam atividades extracurriculares em unidades de atenção primária da região logo nos primeiros meses da graduação. A estratégia, conforme Lima Júnior, contempla a premissa central do curso: o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
Os dados apresentados pelo CFM mostram um quadro de desigualdade territorial na distribuição de médicos no Ceará. Fortaleza, que concentra cerca de 30% da população do Estado, tem 72% dos médicos. No Interior, onde estão os outros 70% dos cearenses, há apenas 28% da mão de obra médica disponível.
Dos 17,1 mil médicos com registro ativo, 12,5 mil exercem a profissão em Fortaleza, ante 4,6 mil nos municípios interioranos. Na Capital, a taxa de cobertura médica por 1 mil habitantes fica em 4,63, consideravelmente acima do Interior, cujo índice é de 0,71.
Para o presidente do CFM, o vazio assistencial fora dos grandes centros urbanos reflete a ausência de condições de trabalho adequadas em áreas distantes das capitais. “Tem que ter leitos, laboratórios, exames, precisa de condições mínimas para que esse profissional possa ficar nesses locais e ofereçam um serviço de qualidade à população”, comentou Gallo.
O reitor da Urca discorda dessa avaliação. Para Lima Júnior, a permanência ou não dos profissionais no Interior tem a ver com o perfil de formação adotado pela instituição. “Na Urca, por exemplo, o nosso foco é a atenção primária e essa é justamente a maior carência da nossa região”.
O sistema de ingresso na instituição de ensino, na avaliação do reitor, também influencia no movimento de profissionais no mercado. Ele ressalta que a Urca adota seleção por vestibular próprio e não via Sistema de Seleção Unificado (Sisu), como ocorre na maioria das universidades públicas.
“Com o vestibular, a grande maioria dos candidatos são das cidades da região. Isso aumenta as chances de permanência quando eles [os estudantes] se formam. Pelo Sisu, provavelmente receberíamos pessoas de todo o Brasil, que voltariam para seus lugares após a conclusão do curso”, frisou Lima Júnior.
Além do recorte territorial, a demografia médica de 2022 no Ceará aponta que os homens são maioria entre os profissionais registrados. Conforme a pesquisa, são cerca de 9,2 mil médicos, ou 53% do total, e 7,9 mil médicas mulheres, correspondente a 43%. A faixa etária predominante é entre 29 e 39 anos (56%). Já o grupo com menos profissionais em atividade tem idade de 50 a 55 anos (4,6%).