O número de novas armas de fogo registradas por cidadãos comuns no Ceará teve aumento de 44,3% em janeiro deste ano na comparação com o mesmo mês de 2022. A informação foi confirmada ao O POVO pela Polícia Federal (PF), com base nos dados registrados no Sistema Nacional de Armas (Sinarm).
Conforme as estatísticas oficiais, o primeiro mês de 2023 foi encerrado com 114 novos cadastros de armamentos no Ceará, ante a 79 em igual período do ano passado. O crescimento ocorre mesmo diante do novo decreto federal que limita o acesso a armas e munições no Brasil, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro dia de governo.
Os números da PF apontam que o cenário do Ceará não acompanha o movimento nacional. De acordo com a corporação, os cadastros de armas no País despencaram 71,5% em janeiro. Foram 2,5 mil registros em 2023 contra 8,7 mil no mesmo mês de 2022, no último ano de governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL), que ao longo do seu mandato editou regras para facilitar a posse e o porte de armas no Brasil.
Na contramão, Lula impôs um conjunto de restrições à compra do armamento pelos cidadãos. O decreto em vigência suspende novos registros de armas por caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) e por particulares, limita a três o número de armas de fogo que cada cidadão pode comprar, além de suspender emissão de registros para CACs e escolas e clubes de tiro.
O Governo também estuda apresentar uma proposta de regulamentação do Estatuto do Desarmamento no começo de março, com expectativa de que o acesso às armas no Brasil seja ainda mais dificultado.
Para a gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Natália Pollachi, as novas regras colocam um freio no armamento indiscriminado da população. “Até o fim do ano passado, os CACs podiam comprar dezenas de armas, hoje não. Os requisitos para a compra são mais exigentes, a documentação, mais específica… isso tudo, inevitavelmente, limita o acesso”.
Sobre o aumento no número de novos cadastros em janeiro no Ceará, em direção contrária ao Brasil, Pollachi aponta que o Estado pode apresentar variáveis específicas e lembra que as restrições impostas pelo novo Governo alcançam apenas as armas de grosso calibre de uso específico das Forças de Segurança.
“Talvez no Ceará a gente tenha um interesse maior por armas permitidas. O que o decreto restringe são os registros de novas armas de uso restrito, aquelas mais potentes, que antes eram acessíveis aos CACs, por exemplo”, frisa a representante do Sou da Paz.
O doutor em sociologia Ricardo Moura, membro da Rede de Observatório da Segurança, afirma que ainda é muito cedo para analisar o impacto das novas regras tanto no Brasil quanto no Ceará.
O pesquisador acredita que a alta dos cadastros em janeiro no Ceará pode estar associada à troca de governo. “As pessoas que ficaram preocupadas com a possibilidade de haver maior restrição ao acesso, podem ter procurado esse registro já em janeiro”. Por outro lado, Moura destaca que seria preciso aguardar pelo menos doze meses para saber o efeito concreto da nova legislação no controle de armas.
Nos últimos dois anos, segundo a PF, houve queda nos registros de armas de fogo no Ceará. Em 2020, o Estado encerrou o ano com pouco mais de 4,6 mil cadastros. Um ano depois, o número caiu para 3,9 mil e chegou a 2 mil em 2022. Na série histórica dos últimos dez anos, o maior quantitativo foi observado em 2018, com 6,2 mil registros, ano da eleição presidencial cujo vencedor, Jair Bolsonaro, pregava forte discurso armamentista.
2013: 1.098
2014: 1.250
2015: 1.763
2016: 3.679
2017: 5.112
2018: 6.286
2019: 3.079
2020: 4.654
2021: 3.911
2022: 2.086
Mais de 6,3 mil armas de fogo foram apreendidas pelas forças de Segurança do Ceará no ano passado, segundo informou a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). O total representa um aumento de 3,8% em relação ao ano anterior, encerrado com pouco mais de 6 mil apreensões.
Em uma década, o maior número de armas retiradas de circulação no Ceará foi em 2018 (7,1 mil), coincidentemente o ano em que as emissões de novos registros bateram recorde no Estado. Apesar disso, não há evidência oficial de que uma estatística influencie na outra.
Na análise dos pesquisadores ouvidos pelo O POVO, a redução de armas na sociedade impacta diretamente na diminuição de crimes violentos e conflitos quotidianos. “As pesquisas indicam que na nossa realidade brasileira, mais armas em circulação, vão levar a mais homicídios, mais crimes”, pontua Natália Pollachi.
“A arma é um recurso que desequilibra um conflito, que intimida, causa sensação de temor, dá uma sensação de maior potência a quem usa. E isso pode ser usado tanto para a criminalidade quanto numa briga de vizinhos”, ponderou Ricardo Moura.
De acordo com a SSPDS, todas as armas de fogo apreendidas são entregues ao Poder Judiciário e posteriormente destinadas ao Exército Brasileiro para destruição por processo de incineração.
2013: 6.036
2014: 6.102
2015: 6.288
2016: 5.497
2017: 6.969
2018: 7.171
2019: 5.479
2020: 6.117
2021: 6.080
2022: 6.317