Logo O POVO+
Metade das autuações de trabalho escravo no Ceará é no setor de extração de carnaúba
CIDADES

Metade das autuações de trabalho escravo no Ceará é no setor de extração de carnaúba

Informação consta em levantamento realizado por agência especializada em dados públicos
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Das 16 autuações registradas entre 2020 e 2022 no Ceará, oito foram em carnaubais  (Foto: Sérgio Santana/o ministério)
Foto: Sérgio Santana/o ministério Das 16 autuações registradas entre 2020 e 2022 no Ceará, oito foram em carnaubais

Metade das autuações de trabalho análogo à escravidão no Ceará entre 2020 e 2022 foi registrada no setor de extração de carnaúba. No total, 16 empregadores cearenses foram alvos de operações dos órgãos de fiscalização durante o período. Dessas, oito ocorreram em municípios da região Norte, onde o corte da palha de carnaúba é uma atividade econômica tradicional.

Os números foram disponibilizados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social (MTPS) e divulgados pela "Fiquem Sabendo", agência de dados especializada no acesso a informações públicas. As autuações foram aplicadas após inspeções realizadas por auditores fiscais do trabalho, procuradores do trabalho e policiais federais ou rodoviários federais.

Dados tabulados pelo O POVO apontam que um total de 224 trabalhadores foram alcançados pelas ações de fiscalização no Ceará, sendo 197 homens e 27 mulheres. Houve ocorrências em dez municípios. A cidade de Granja, no Norte, lidera o ranking com quatro autuações, todas relacionadas à extração de carnaúba. As equipes de fiscalização flagraram trabalhadores submetidos a condições degradantes.

Uma inspeção realizada em outubro de 2021, no distrito de Timonha, zona rural do município, identificou oito homens atuando sem equipamentos de proteção individual (EPIs). Nenhum deles tinha vínculo empregatício. Além disso, os trabalhadores viviam em um alojamento precário que não disponibilizava sequer instalações sanitárias, refeitório e água potável.

Na mesma região, casos semelhantes foram registrados em Uruoca, Moraújo e Marco. Quase 100% dos trabalhadores do setor desenvolvem atividades sem registro legal, segundo informa o auditor fiscal do trabalho Daniel Arêa Barreto. “Pelas fiscalizações que fazemos, podemos dizer que 99% desses trabalhadores atuam na informalidade”, frisou.

Historicamente, a extração de carnaúba é a atividade que mais explora mão de obra análoga à escravidão no Ceará. De acordo com um estudo elaborado pelo Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), entre 2007 e 2017 cerca de 62% dos trabalhadores resgatados no Estado atuavam neste setor.

Uma das maiores dificuldades das inspeções é identificar os financiadores da atividade. Segundo o auditor, é comum que as equipes de trabalhadores sejam coordenadas por prepostos de grandes empresários.

“É muito difícil localizar quem está no topo da cadeia de comando. Eles contratam aliciadores, líderes de grupos para arregimentar trabalhadores, e muitas vezes a gente não consegue chegar a quem está acima desses líderes. O líder de equipe não tem capital para conduzir aquela atividade econômica. Então, alguém está financiando esse tipo de atividade para lucrar em cima”, pondera Barreto.

Além da extração de carnaúba, outro setor com alta incidência de trabalho análogo à escravidão no Ceará é o da construção civil, conforme observa o procurador do trabalho Leonardo Holanda Silva, do Ministério Público do Trabalho do Ceará (MPT-CE). Ele aponta que o problema é mais recorrente em Fortaleza e na Região Metropolitana. “Temos casos de muitos trabalhadores provenientes do Interior que ficavam alojados em locais impróprios, sem as mínimas condições”.

De acordo com o procurador, somente em 2023 pelo menos 13 trabalhadores já foram resgatados em condições análogas à escravidão em canteiros de obras de Fortaleza e Itaitinga. “É um número muito alarmante para um curto espaço de tempo”. As obras eram realizadas por empreiteiras de pequeno e médio porte, que sujeitavam os funcionários a jornadas exaustivas e condições degradantes de trabalho.

No levantamento divulgado pela Fiquem Sabendo, a Capital cearense ficou em segundo lugar no ranking de autuações, com três ocorrências. Uma das inspeções, realizada na sede de uma empresa de demolição predial, na Praia do Futuro, em abril de 2022, flagrou 14 trabalhadores em condições indignas e sem registro formal de emprego. As outras fiscalizações ocorreram em um indústria de confecção, no bairro Itaperi, e em um lava-jato instalado dentro de um shopping, no Edson Queiroz.

Também foram registradas autuações em Aquiraz, Caucaia, Cascavel, Croatá e Russas. Em todos os casos, os trabalhadores atuavam sem registro formal e eram submetidos a condições degradantes, trabalho forçado ou servidão por dívida.

Autuações de trabalho análogo à escravidão NO CEARÁ-01
Autuações de trabalho análogo à escravidão NO CEARÁ-01 (Foto: mikael baima)

Autuações de trabalho análogo à escravidão por região 2020-2022

Norte
Granja (4)
Marco (1)
Moraújo (1)
Uruoca (2)

Capital e Região Metropolitana
Fortaleza (3)
Aquiraz (1)
Cascavel (1)
Caucaia (1)

Ibiapaba
Croatá (1)

Vale do Jaguaribe
Russas (1)

Fonte: Ministério do Trabalho e Previdência / Agência Fiquem Sabendo

Tipos de abusos cometidos contra trabalhadores

Trabalho forçado: Ocorre quando o empregador cerceia a liberdade do funcionário. O trabalhador não pode sair do local de trabalho sem a autorização do patrão.

Servidão por dívida: É uma forma ilegal de pagar dívidas por meio de trabalho forçado e envolvendo privação de liberdade e outros direitos trabalhistas.

Jornada exaustiva: Abuso na submissão do tempo do trabalhador às necessidades do empregador. O funcionário é privado de momentos de lazer e do convívio com a família para se dedicar exclusivamente ao trabalho.

Trabalho degradante: É a exploração do trabalhador por meio da negação da dignidade humana. Ausência completa de higiene, proteção à saúde e medidas de segurança no trabalho.

 

O que você achou desse conteúdo?