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Ceará registra média mensal de 156 pessoas desaparecidas, aponta estudo
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Ceará registra média mensal de 156 pessoas desaparecidas, aponta estudo

Dados constam em relatório inédito divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Homens e negros são maioria entre os casos de desaparecimentos registrados no Estado
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O perfil dos desaparecidos no Ceará (2019-2021) (Foto: Luciana Pimenta)
Foto: Luciana Pimenta O perfil dos desaparecidos no Ceará (2019-2021)

A dor da ausência é uma realidade para milhares de famílias cearenses que convivem com a incerteza sobre o paradeiro de entes desaparecidos. Em média, 156 pessoas desaparecem por mês no Ceará. É quase como se a tripulação de um avião comercial sumisse mensalmente. O número consta em um relatório inédito divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), intitulado "Mapa dos Desaparecidos no Brasil". O documento foi elaborado a partir de informações oficiais fornecidas pelas secretarias de Segurança Pública.

Segundo a pesquisa, que analisou mais de 300 mil boletins de ocorrência, entre 2019 e 2021 o Brasil registrou cerca de 200 mil desaparecimentos de pessoas. No Ceará, foram 5.623 ocorrências, o segundo maior número entre os nove estados do Nordeste e o décimo no ranking nacional. Além de revelar a estatística alarmante, o estudo também apresenta o perfil dos desaparecidos, que são majoritariamente negros e do sexo masculino.

Com base nas informações registradas nas delegacias, o mapa indica que 67% dos cearenses desaparecidos no período analisado são homens —o que corresponde a 3.785 casos, enquanto as mulheres representam 32,5% (1.819 casos). Em 19 ocorrências, o gênero das pessoas não foi informado. A proporção é quase idêntica à média nacional (62,8%/homens X 37,2%/mulheres).

A cor da pele também é outro traço marcante entre os desaparecidos no Ceará. Do total de ocorrências com informação étnico-racial nos boletins, 82,5% envolvem pessoas negras; 17,2% são brancas; 0,2% amarelas; e 0,1% indígenas. O recorte, contudo, não reflete a maioria dos casos, já que em 4.195 registros não há dados sobre a raça de quem desapareceu. No Brasil, pretos e pardos representam 54,3% do total, ante 45% de brancos.

A pesquisadora do FBPS, Talita Nascimento, que participou da elaboração do relatório, diz que a ausência de dados inviabiliza o desenho real do perfil racial dos desaparecidos. “Nos boletins de ocorrência que a gente analisou, essa parte da raça/cor de quem desapareceu foi muito mal preenchida. Então, a gente tem uma proporção de números que não são válidos, bem alta, o que acaba atrapalhando as análises”, sublinha.

Em relação à faixa-etária, o grupo com mais registros no Ceará é o de adolescentes entre 12 e 17 anos (20,9%), seguido dos adultos de 30 a 39 anos (20,7%). Já as crianças de até 11 anos representam o menor percentual (2,2%). Na média do País, os adolescentes também são maioria entre os desaparecidos (29,3%). Apesar disso, o relatório ressalta que a investigação destes casos não é priorizada pelas polícias civis porque são considerados "problemas de família".

"As famílias são vistas como instâncias produtoras de desaparecimentos em função da violência doméstica ou fruto da rebeldia dos adolescentes. É comum, portanto, que a polícia, nesses casos, apenas faça o registro, sem que haja uma atuação policial", diz trecho da análise publicada no estudo.

No Ceará, o procedimento padrão para notificar as autoridades sobre desaparecimento começa com o registro do Boletim de Ocorrência. Com as informações repassadas pela família, as autoridades fazem uma análise preliminar do caso. Em seguida, ocorre a abertura de um inquérito. A depender do caso, o inquérito é enviado para a 12° Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), unidade especializada da Polícia Civil, em Fortaleza.

Talita observa, contudo, que o registro da ocorrência não garante que as outras etapas tenham continuidade. Segundo ela, geralmente só há empenho nas investigações quando os desaparecidos são idosos, crianças ou pessoas com histórico de doenças mentais.

“Se a pessoa desaparecida não está nos perfis prioritários e não existem indícios de crimes correlatos praticados por ela, o caso fica muito à parte da família, que inicia e continua a investigação por conta própria”, pontuou a pesquisadora.

Procurada pelo O POVO, a Polícia Civil do Ceará (PC-CE) informou que investiga todos os casos de desaparecimento formalmente registrados nas delegacias do Estado. A ordem de prioridade das apurações, segundo a corporação, pode ser definida com base na condição de vulnerabilidade da pessoa desaparecida.

As principais estratégias para a localização dos desaparecidos elencadas pela PC-CE são o uso da tecnologia e de técnicas adequadas de investigação, a divulgação dos casos e a troca de informações entre as forças de segurança, os órgãos públicos, os familiares e as pessoas mais próximas às vítimas.

Dor familiar: a angustiante espera que pode não acabar

A dúvida sobre o paradeiro de um ente querido leva famílias inteiras a navegar entre a angústia e a incerteza. É um estado de aflição permanente que aumenta junto com o passar do tempo e não tem data para terminar, a menos que o desaparecido retorne com vida ao seio familiar.

A espera que pode durar dias, meses, anos, ou nunca acabar, ocasiona impactos financeiros, psicológicos e sociais na vida dos familiares. Junto com a busca exaustiva por respostas, essas pessoas também podem ser submetidas a experiências traumáticas, marcadas por incompreensão e desamparo.

O assessor do Programa de Pessoas Desaparecidas do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) em Fortaleza, Daniel Mamede, salienta a importância do acolhimento aos familiares que procuram as autoridades para registar casos de desaparecimento. “Os agentes públicos precisam reconhecer o familiar como alguém que está passando por um sofrimento muito duro, que precisa de cuidados humanitários”.

O sumiço inesperado de um parente se desdobra em múltiplas necessidades para quem vive à espera de notícias sobre o paradeiro de alguém. A maior delas, destaca Mamede, é a necessidade de saber, de entender o que aconteceu com o ente querido. “As autoridades têm obrigação de efetuar essa busca”, frisa ele. Outra demanda dos familiares é o tratamento justo e igualitário pelos órgãos que recebem as ocorrências, sem que haja privilégio ou preterição nas investigações por quaisquer critérios. O representante da CICV aponta ainda que o amparo psicológico, financeiro e social também são indispensáveis para evitar que o sofrimento das famílias seja ainda maior.

“Muitas vezes essas famílias contraem dívidas altas para fazer a difusão de cartazes ou pagar outras despesas. Temos, por exemplo, o caso de uma mãe que vendeu o cabelo para buscar o filho desaparecido em outra cidade. Além disso, algumas pessoas acabam deixando de trabalhar para se dedicar integralmente a essa busca”.

Em 2022, o Governo do Ceará instituiu o Comitê de Enfrentamento ao Desaparecimento de Pessoas, órgão vinculado à Secretaria de Proteção Social (SPS) cujo papel central é articular ações governamentais para a prevenção do desaparecimento e implementação de medidas relacionadas à busca e localização de pessoas com paradeiro desconhecido.

Uma das primeiras medidas do órgão foi criar um protocolo padrão para atendimento às ocorrências registradas na Polícia Civil. O novo rito prevê que as delegacias tenham livre acesso ao sistema de informações da Perícia Forense. Com isso, delegados de todo o Estado terão a possibilidade de consultar se há registro de falecimento em nome da pessoa desaparecida. A ideia é que o trabalho intersetorial acelere a elucidação dos casos e ajude a diminuir a espera dos familiares por uma resposta.  

O perfil dos desaparecidos no Ceará (2019-2021)

Total de desaparecidos: 5.623

Raça
Amarela: 3 (0,2%)
Branca: 245 (17,2%)
Indígena: 2 (0,1%)
Negra: 1.178 (82,5%)
Não informado: 4195 (*)

Faixa etária
Até 11 anos: 122 (2,2%)
12 a 17 anos: 1.133 (20,9%)
18 a 24 anos: 852 (15,7%)
25 a 29 anos: 629 (11,6%)
30 a 39 anos: 1.263 (20,7%)
40 a 49 anos: 734 (13,5%)
50 a 59 anos: 379 (7%)
60 anos e mais: 457 (8,4%)
Não informado: 196 (*)

Gênero
Masculino: 3.785 (67,5%)
Feminino: 1.819 (32,5%)
Não informado: 19 (*)

*Valores desconsiderados na contagem dos números válidos, sob os quais foram calculados os percentuais.

(Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública)

Desaparecimento de pessoas, onde registrar? 

12ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP)
Endereço: Rua Juvenal de Carvalho, nº 1125, bairro de Fátima, Fortaleza
Telefone: (85) 3257 4807
E-mail: 12dp.dhpp@policiacivil.ce.gov.br

No Interior do Estado, a PC-CE orienta que os casos sejam registrados nas respectivas delegacias territoriais, sejam elas municipais ou regionais.

Achados

O relatório também contabilizou o total de pessoas localizadas. No Ceará, pelo menos 2.286 desaparecidos foram encontradas. O número equivale a uma proporção de duas pessoas desaparecidas para cada pessoa localizada.

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