Quatro casos de febre maculosa foram confirmados de 1º de janeiro a 14 de junho de 2023, no Ceará, segundo dados da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa). Entre 2010 e 2022, foram 36 casos ao todo, com nenhum registro de morte no Estado.
Segundo Kellyn Kessiene, doutora em saúde pública pela Universidade Federal do Ceará (UFC), “todos os casos foram na região do Maciço de Baturité”, diz. “Esta é uma doença endêmica no Ceará — que só acontece em um local —, mas está tudo sob controle", completa a profissional.
O recomendado, conforme Kellyn, é que as pessoas não adentrem regiões que possam ter a presença de carrapatos-estrela: áreas de pasto, de mata ciliar e que sejam próximas aos rios ou lagoas. “Caso vá, faça uso de equipamentos de proteção individual, roupas claras, mangas compridas, botas, etc”, encerra.
A infecção se tornou um tópico em alta após o pico de casos no estado de São Paulo (SP). De acordo com dados do Ministério da Saúde (MS), 62%, das 920 mortes por febre maculosa registradas no Brasil, entre 2007 e 2022, foram em SP.
Uma das razões disto, de acordo com Andréa Fogaça, professora associada do departamento de parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), é a grande densidade de carrapatos-estrelas — principal responsável pela transmissão da bactéria ao homem — no Estado.
O contágio, segundo Andréa, é parecido com a dengue: o humano é infectado por meio de uma picada. De acordo com a profissional, “a febre maculosa brasileira é uma doença infecciosa causada por uma bactéria chamada de Rickettsia rickettsii, que é transmitida ao homem, exclusivamente, pela picada de carrapatos infectados”.
Ao ser perguntada sobre a possibilidade da doença virar uma pandemia, como a Covid-19 se tornou, ela avalia como "muito difícil". “A Covid-19 se tornou uma pandemia porque tinha a transmissão pelo contato pessoa-pessoa. Nesse caso, depende do vetor”, pondera.
“O homem é um hospedeiro acidental no ciclo de vida da bactéria e do carrapato. Isso significa que nem a bactéria, nem o carrapato, precisam do ser humano para viver na natureza. O homem que acaba entrando nessa áreas que tem a circulação das bactérias e acaba infectado”, explica Andréa.
Por conta de serem sintomas parecidos com outras doenças infecciosas, como a virose, prejudica o diagnóstico clínico.
Por isso, o recomendado é que, após três a 10 dias que teve contato com algum carrapato-estrela, ou esteve em uma área com presença do animal, ou que tenha sido (ou não) picado, procurar atendimento médico, informar que esteve em uma região que tinha presença do mesmo para que o médico apresente um tratamento.
Há cura, mas o tratamento é efetivo apenas quando a pessoa é diagnosticado precocemente. É importante ressaltar que não existe tratamento profilático. Ou seja, as pessoas não devem tomar medicamentos para prevenção da doença e, muito menos, se automedicar.
O carrapato-estrela consegue se alimentar do sangue de uma grande quantia de animais, todavia, a preferência são pelas capivaras e os cavalos. Ambos não são vetores — portanto, não transmitem a doença.
Ou seja, o contato entre as pessoas e as capivaras (sejam elas infectadas ou não) não causa quaisquer danos à saúde. O que pode acontecer é, se houver a presença do carrapato-estrela no local, ele pode picar o homem.
Outro aspecto importante a ser frisado é que, se um carrapato infectar um animal bovino, e este bovino for consumido por um ser humano, também não existe qualquer risco.
Um estudo realizado no Laboratório de Bioquímica e Imunologia de Artrópodes do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), da Universidade de São Paulo (USP) revelou que a expressão de uma proteína durante a alimentação do carrapato-estrela (Amblyomma sculptum) é fundamental para a sua sobrevivência.
Os resultados apontam a proteína inibidora da apoptose, a morte celular programada, como um alvo promissor para o desenvolvimento de uma vacina contra o carrapato, que é vetor da febre maculosa brasileira. O artigo foi publicado na revista Parasites & Vectors e teve como primeira autora Marcelly Nassar, que realizou a pesquisa para sua dissertação de mestrado.
*Colaborou Gabriel Gago/Especial para O POVO*