Durou quase sete horas as oitivas das cinco testemunhas interrogadas no primeiro dia de julgamento da Chacina do Curió, no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza. Foram colhidos depoimentos de três sobreviventes e dois parentes de vítimas do massacre ocorrido em novembro de 2015, na Grande Messejana, que terminou com 11 mortos, a maioria jovens e adolescentes.
Aberta pontualmente às 10 horas, a sessão teve quase 12 horas de duração, sendo encerrada às 21h45min. Os interrogatórios começaram às 14h55min e foram antecedidos pela leitura da denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE). O rito iniciou com o sorteio para a composição do Conselho de Sentença, que definiu os sete jurados do caso. O grupo foi selecionado entre pessoas da sociedade que se inscreveram voluntariamente para a função.
Após a explanação da peça de acusação, o sobrevivente Cícero Paulo Teixeira Filho abriu a sequência de oitivas. Baleado durante o massacre, ele chegou a ser internado na UTI e ficou vários dias em coma induzido. À época, o jovem tinha 20 anos e estava na companhia do primo, Jardel Lima, de 17 anos, um dos assassinados.
No depoimento, Cícero relatou que perdeu 70% do movimento das mãos em decorrência dos disparos, além de sofrer sequelas psicológicas, como depressão e ansiedade. A segunda testemunha, também sobrevivente, foi Edis Machado, que afirmou ter sido espancado por um grupo de homens encapuzados quando tentava socorrer jovens baleados na rua onde morava. Ele também foi atingido por oito disparos e passou mais de um mês internado.
O terceiro a prestar depoimento foi o pizzaiolo Genilson Vieira, que precisou se aposentar da ocupação por conta dos cinco tiros que sofreu na noite da chacina. O ataque ocorreu quando ele conversava com um amigo perto da pizzaria onde trabalhava, após o fim do expediente. Ambos foram surpreendidos com disparos à queima-roupa efetuados por homens usando balaclava que chegaram ao local em dois carros pretos. Genilson ficou hospitalizado por mais de dois meses e teve perda parcial do movimento das pernas. Já o amigo, não sobreviveu.
As outras duas oitivas envolveram testemunhas de acusação. Uma delas, Thayná de Lima, estava na calçada de casa junto com um primo, um irmão e um amigo quando dois carros chegaram ao local com dez homens encapuzados dizendo: "É a Polícia, mão na cabeça", relembrou. Os quatro foram alvos de disparos, mas a moça conseguiu escapar ilesa ao correr para uma outra rua e se esconder embaixo de um carro.
O último interrogatório foi o da mãe do jovem Pedro Alcântara Barroso, morto aos 18 anos. Contrariando o protocolo dos quatro depoimentos anteriores, ela pediu que a oitiva fosse realizada diante da presença dos réus, que haviam sido enviados a uma sala reservada por decisão do colegiado de juízes.
A mulher, identificada como Catarina, contou que no dia do crime estava em casa e escutou os tiros vindos da rua, mas teve dúvidas se o barulho era mesmo de arma de fogo. Em dado momento, ouviu o filho falar "Mãe, me ajuda, eu levei um tiro". Em seguida, o garoto teria se agarrado a uma grade e desmaiado, mas antes falou para a mãe: "Eu te amo". Ele foi socorrido ao Frotinha de Messejana, mas não resistiu.
O Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) informou que o julgamento será retomado às 9 horas nesta quarta-feira, 21, com previsão de que sejam ouvidas outras testemunhas de acusação e as primeiras testemunhas de defesa. A corte classifica o Júri do Curió como o maior julgamento nos 150 anos da Justiça cearense. Com mais de 13 mil páginas, o processo tem 34 réus e será dividido em três etapas. A primeira, iniciada nesta terça-feira, 20, cujos acusados são quatro policiais militares, deve ser concluída até o dia 23 de julho. Depois, em 29 de agosto, outros oitos acusados começam a ser julgados. Por fim, no dia 12 de setembro, será aberto o Júri para julgamento dos demais réus.
(Colaboraram: Jéssika Sisnando, Lucas Barbosa, Alexia Vieira e Gabriela Almeida)