Logo O POVO+
O Governo Federal tem um plano para a segurança?
Foto de Ricardo Moura
clique para exibir bio do colunista

Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

O Governo Federal tem um plano para a segurança?

Os investimentos para o setor, que não são desprezíveis, terão de ser multiplicados. Ao mesmo tempo, os governos estaduais precisam agir de forma alinhada às diretrizes do Governo Federal.

A segurança pública é uma pedra no sapato das esquerdas há muito tempo. É um campo hermético, refratário a mudanças e cuja hegemonia pertence a líderes políticos da direita e de viés conservador. As elaborações teóricas, nessa área, costumam ser quase sempre críticas e pouco propositivas sobre a atuação dos órgãos de segurança. Experiências bem-sucedidas dentro do campo progressista pecam pela sua reduzida abrangência e pela falta de continuidade.

O Governo Federal se colocou em uma posição bastante interessante: está à frente da elaboração de políticas de segurança em âmbito nacional ao mesmo tempo em que possui uma memória de planos e programas que se perderam pelo caminho. De boas intenções a burocracia está cheia. O mais complicado é fazer com que essas ideias sejam implementadas em meio à curta duração dos mandatos e a todo o processo intrincado exigido aos governantes que precisam lidar com três esferas distintas de poder: federal, estadual e municipal. Articular tantos interesses é uma arte refinada. E, mesmo assim, o sucesso não é garantido.

Nos últimos quatro anos, a política nacional de segurança pública restringiu-se à liberação indiscriminada do uso de armas de fogo e ao atendimento dos interesses corporativos dos policiais. O plano decenal sequer empregava a palavra "feminicídio", indo na contramão de todo o esforço da sociedade na erradicação da violência de gênero.

Lançado há duas semanas, o Programa de Ação na Segurança (PAS) reúne medidas para combater o tráfico de drogas, a violência nas escolas, o crime ambiental e a violência contra a mulher; proteger a região amazônica; valorizar profissionais de segurança; apreender armas e munições ilegais; e desenvolver operações integradas entre forças policiais.

Muito do que se planeja atualmente é orientado no sentido de reverter retrocessos oriundos de gestões passadas, como a derrama legal de armamentos cujo uso e circulação se perderam pelos descaminhos das relações porosas entre atiradores, milícias e crime organizado.

Como forma de conferir maior racionalidade ao sistema, o ministro Flávio Dino, da Segurança Pública, determinou que todo o processo de gestão de armamentos na esfera civil fique a cargo da Polícia Federal, extinguindo o sistema de controle das armas utilizadas por caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) controlado pelas Forças Armadas, cuja transparência era mínima.

Vale ressaltar que a importação e a emissão de porte e registro de armamentos bateram recordes no Governo Bolsonaro. Caberá à PF agora "exercer competências das atividades de caráter civil envolvendo armas e munições, incluindo a definição, padronização, sistematização, normatização e fiscalização de atividades e procedimentos".

A intenção é aprimorar o monitoramento e a fiscalização do arsenal que está em poder de civis. Em paralelo, foi reduzida a quantidade permitida de armas e munições em mãos das pessoas autorizadas, bem como alguns armamentos voltaram a ser restritos aos agentes de segurança, como as pistolas 9mm, .40 e .45 ACP e as armas longas de cano sem raias
(alma lisa) semiautomáticas.

Em outra frente, o Ceará passa a contar com um Grupo de Investigação Sensível (GISEs). Tais grupos são constituídos exclusivamente por policiais federais e são regidos por diretrizes como: descapitalização das organizações criminosas com apreensão e sequestro de bens de alto valor econômico; investigação de crimes de lavagem ou ocultação de bens; e prisão de lideranças e de integrantes de alto valor estratégico para as
organizações criminosas.

A presença do crime organizado não se concentra mais nos grandes centros. Capitais do Nordeste que, até então, não despontavam no mapa da violência agora se veem tendo de lidar com o desafio do incremento da letalidade em seus territórios. Nesse aspecto, o Ceará conta com um capital de conhecimentos acumulado.

A dura experiência de enfrentar uma guerra de facções fez com que os órgãos de segurança passassem a operar de forma mais eficaz. Prova disso são os resultados de diversas operações que causaram danos econômicos e prisões de líderes. Ter o reforço de um grupo especializado da PF certamente é um reforço imprescindível em se tratando do combate aos grupos armados.

O aumento das funções da Polícia Federal nas dinâmicas regionais da violência e da criminalidade, contudo, exigirá ampliação de recursos e de efetivo. Os investimentos para o setor, que não são desprezíveis, terão de ser multiplicados. Ao mesmo tempo, os governos estaduais precisam agir de forma alinhada às diretrizes do Governo Federal.

Nesse entrecruzamento reside o perigo: de forma geral, os agentes de segurança ainda se guiam por uma mentalidade que vê o cidadão como um inimigo, como alguém a ser combatido. A polícia da Bahia, por exemplo, bateu recordes de letalidade.

Pernambuco segue um caminho semelhante. Os esforços descritos nos planos ministeriais apontam para uma repressão mais coordenada e qualificada contra o crime. Em algum momento, teremos de sentar para discutir qual o modelo de polícia queremos.

Não vai ser um debate simples, mas a possibilidade de que ele aconteça passa pela melhoria e manutenção dos índices de violência e criminalidade.

Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV/UFC)

 

Foto do Ricardo Moura

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?