A Igreja da Nossa Senhora do Rosário, templo religioso mais antigo de Fortaleza, está em estado de deterioração. Construída em 1753, a matriz, localizada na Praça General Tibúrcio, a Praça dos Leões, no Centro da Capital, está há mais de 19 anos sem reformas. No meio da agitação da Cidade, os fiéis que destinam parte do seu tempo para encontrar conforto divino encontram uma estrutura precária, com paredes descascando, estruturas de madeira quebradas e um piso de tábuas frouxas.
A Igreja do Rosário é um templo gerenciado pela Arquidiocese de Fortaleza. Com seus 270 anos de fundação, ela ainda mantém suas atividades. De segunda a sexta-feira, o local é aberto ao público para orações e confissões de 10h30min às 11h45min; e missas às 12 horas.
Geovana Faheina, 41, é uma dos fiéis que diariamente frequenta a Igreja do Rosário. Durante os horários de almoço em seu trabalho, a gerente de marketing não perde a oportunidade de realizar suas preces e assistir a celebração. Ela conta que é difícil ver um monumento importante para o catolicismo em Fortaleza deteriorado.
“Para mim, como fiel, é triste ver um templo sagrado para nós católicos se destruindo. Sem manutenção, as paredes pichadas e caindo. Uma estrutura tão bonita, um patrimônio tombado tão importante”, conta a fiel. Segundo ela, já houve pedidos para que o prédio fosse reformado. “Várias pessoas até já mandaram cartas para a Catedral, mas ainda não tivemos retorno”, explica.
Funcionário da Igreja do Rosário há 23 anos, Edilberto Oliveira, 54, relata que a última grande revitalização do local foi em julho de 2004, ou seja, há 19 anos. “De lá para cá já foi solicitada uma reforma. Ela é uma Igreja tombada como patrimônio histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-CE). Só que já encaminhamos para o Iphan, para vários órgãos, e até agora não fizeram nada pela nossa igrejinha”, relata o trabalhador e fiel.
Quem adentra o templo, logo se surpreende com uma série de rangidos. Os sons são emitidos pelos tacos de madeira que compõem o piso da Igreja, que fazem barulho conforme os fiéis transitam no local.
Com a madeira desgastada e, inclusive, diversas partes quebradas, a organização da Igreja teve que tomar algumas medidas de segurança. “Nós não deixamos mais ninguém subir nesse piso superior, que era a parte do coral. Nós não temos mais coral por isso”, detalha Edilberto.
Os problemas de segurança são outro motivo de preocupação. Em 2019, o templo chegou a ser invadido por criminosos, que roubaram um cofre. “Eles entraram, mas não quebraram nenhuma imagem. Também não foi levado dinheiro, porque um dia antes tínhamos feito a retirada do dinheiro do cofre. Arrombaram a porta e por isso colocamos mais travas e alarme. Não tem segurança para ficar olhando aqui, se você vier num sábado, no domingo, aqui é um deserto”, ainda pontua o funcionário.
A Igreja localizada Praça dos Leões também é chamada de Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. De acordo com Francisco José Pinheiro, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará, o templo faz parte da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, uma confraria de culto católico criada para abrigar a religiosidade do povo negro.
Segundo o especialista, a Igrejinha foi construída pelos escravos e negros libertos durante o período colonial, já que na época muitos negros eram impedidos de frequentar as mesmas igrejas dos brancos.
“Essas igrejas eram localizadas nos centros em que havia a maior concentração de escravizados no Ceará. Elas têm uma grande importância histórica pois são espaços em que os escravizados e os libertos buscavam construir solidariedade. Desde garantir um sepultamento mais digno, até locais onde eles podiam celebrar a sua fé”, explica o professor Pinheiro.
A última obra de restauro do templo de Nossa Senhora do Rosário teve início em 2021. Em julho daquele ano, durante os serviços, percebeu-se que havia, debaixo do piso principal, um outro pavimento com diversas divisórias. A curiosidade impulsionou a abertura dos espaços e a posterior descoberta: mais de 50 corpos foram encontrados.
O professor Francisco Pinheiro explica que, até boa parte do século XIX não haviam cemitérios e o costume era enterrar os mortos nas próprias igrejas. “A Igrejinha é conhecida por ser um templo dos pretos, mas pode ser que não necessariamente os corpos seriam dos escravos que a construíram, porque as igrejas eram local de sepultamento geral. Normalmente os escravizados, quando eram enterrados em igrejas, eram sepultados nos corredores laterais e, às vezes, na calçada”, explica.
Para o especialista, além da riqueza cultural e religiosa, a Igreja Rosário dos Pretos também carrega forte significado tetônico. “Ela é a construção mais antiga que nós temos no centro urbano fortalezense. Só por isso ela mereceria todo o zelo para mantê-la, como um testemunho da arquitetura do século XVII em Fortaleza”, afirma o professor.
Além de ser considerada patrimônio pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Ipha), a Igreja do Rosário foi tombada como patrimônio estadual desde o ano de 2005. De acordo com a Lei Federal 3924/1961, qualquer obra no local que implique remoção de piso, revolvimento de sedimentos, escavação de valas e outras fundações, deve ser, desde a fase de projetos, orientada por pesquisa arqueológica, autorizada pelo Iphan por meio de Portaria do Diário Oficial da União.
Segundo a Arquidiocese de Fortaleza, em 18 de agosto de 2022 foi enviado ofício a Secult pedindo permissão e ajuda para a realização de obras, como restauro de teto, paredes e demais estruturas.
A reportagem, por sua vez, procurou a Secretaria da Cultura do Ceará (Secult) sobre o estado de conservação da Igreja do Rosário. Foi informado que a Secult recebeu pedido da Mitra Diocesana de Fortaleza para auxílio na realização de intervenções no Templo por meio do Ministério Público do Ceará (MP/CE).
No entanto, segundo a pasta, esse pedido não apresentou as informações necessárias para que a Secretaria se pronuncie sobre a solicitação, como o projeto de restauro e especificação das atividades a serem realizadas, dentre outros itens para reformas em prédios tombados.
Em nota, a Secult ressaltou que o restauro de bens tombados de propriedade privada é de responsabilidade do proprietário. Além disso, ainda declarou que o pedido de restauro foi respondido ao MP em junho deste ano (2023), informando sobre a necessidade de detalhamento sobre a intervenção solicitada. A Secretaria estaria aguardando a manifestação da solicitante com a documentação atualizada para, então, se pronunciar sobre o pedido.
Já o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) confirmou a existência de um procedimento contra a Mitra Diocesana, referente à conservação, preservação e manutenção da igreja. Segundo o MP, ao ser intimada no procedimento, a administração da igreja informou não dispor de verba para realizar as obras de restauro necessárias e solicitou que o MP intervisse junto à Secult para que esta arcasse com as despesas.
A Arquidiocese, por sua vez, foi orientada a entrar em contato direto com a Secult, vez que, sendo a responsável pela Igreja do Rosário, a Mitra é que deve buscar as fontes de custeio para as obras. Em momento posterior, o MP oficiou a Secult indagando se a Mitra havia feito a solicitação de custeio das manutenções, recebendo resposta positiva.
"O pedido, que consta em processo interno da Secult, foi indeferido, pois a proposta apresentada pela administração da igreja continha deficiências e inadequações que não permitiam a Secult assumir a obra. Em manifestação, a Secult sugeriu que a Mitra apresentasse outro projeto, desta vez elaborado por profissional com expertise em restauro", informou a nota do MPCE.
Ainda segundo o Órgão, essas informações foram encaminhadas ao MP como resposta à solicitação de informação feita à Secult. Recentemente, foi lançado despacho no procedimento da 133ª Promotoria de Justiça de Fortaleza para que a Mitra se manifeste acerca da resposta da Secult. A intimação foi enviada para a Mitra nessa quarta-feira (02/08).
Ao O POVO, a Arquidiocese de Fortaleza informou que vai agilizar o pedido de adequação dos documentos solicitados pela Secult para dar seguimento ao processo de restauro.