“Muita gente acha que cores não são importantes para pessoas cegas. Ledo engano. Por mais que não possamos enxergar, as cores são, sim, muito importantes para os cegos”. Assim descreve o jornalista Carlos Viana, do núcleo de Opinião do O POVO, sobre a experiência inédita vivenciada no campus da Universidade Federal do Ceará (UFC): pintar sentindo o aroma das cores.
O método de associar odores a cores é conhecido por Sinestesia (Synesthetic Perception, do inglês) e está sendo estudado por entusiastas da área do jornalismo, química e oftalmologia.
O professor de Jornalismo, Luís Sérgio Santos, explica que “a etimologia dessa palavra é ‘sin’, que significa união, e ‘estesia,’ que são sensações. É uma convergência de sensações”, durante aula da disciplina de Design Editorial na UFC. Por isso, o slogan do projeto é: “Uma harmonia evoca uma cor”.
O projeto está em desenvolvimento e teve o primeiro teste com pessoas no último dia 19 de setembro. Um dia antes da celebração do Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência Visual, datado na quinta-feira, 20 de setembro.
Segundo Luís, no mundo todo, não há nada nessa linha. “Não existe um padrão de cores para pessoas com deficiência visual. Existem padrões de cor para design e ver com os olhos RGB (Vermelho, Verde, e Azul), CMYK (Ciano, Magenta, Amarelo e Preto) e o
Pantone
Em 1963, Lawrence Herbert, criou um sistema inovador de identificação, combinação e comunicação de cores para resolver problemas associados com produção precisa de combinações de cores na comunidade de artes gráficas
, nos baseamos nisso.”
Com isso, eles pensaram no VICS (Visually Impaired Color Standardization), que já está registrado, e com os direitos autorais reservados pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), afirma o professor.
As cores principais da paleta VICS são RGBYWK (Vermelho, Verde, Azul, Amarelo, Branco e Preto), associada aos odores. E cores secundárias: Coffe (Café), Hazel (Amendoado), Skin (pele), Violet (Violeta), Malbec (Vinho). A mistura de cores, no entanto, ainda não foi testada.
As tonalidades de cores das tintas recebem um odor diferente de frutas ou especiarias. Por exemplo, o vermelho intenso está associado ao aroma da pimenta malagueta, já o vermelho suave ao morango, o amarelo intenso ao maracujá, amarelo suave ao abacaxi, o azul ao marine (brisa do mar), o verde intenso à menta, verde suave à erva-cidreira, o marrom intenso ao café, laranja intenso à fruta laranja, bege ao Guaraná, e o branco ao coco. A cor preta não tem odor.
Josafá Rebouças, professor de Química com a carreira inteira voltada ao estudo de tintas, conta que, a discente Fernanda Filiú, 20, do 4° semestre do Curso de Jornalismo da UFC, questionou formas de inclusão dos cegos no design.
“Sempre tive a curiosidade de entender como poderíamos trazer inovação para a comunicação. Na conversa com o professor Josafá, ele apresentou a invenção do aplicador de álcool gel em pedal, mas ainda me parecia muito a engenharia. E foi aí que eu decidi questioná-los: como trazer inovação para a comunicação, uma área que ainda não tem destaque nessa temática?", indagou a jovem para a turma.
A questão da inclusão e acessibilidade, por sua vez, veio por osmose, porque, na sala, há o colega Lucas Vieira, que tem deficiência visual. Dessa forma, os pontos se uniram: inovação, comunicação e inclusão.
Josafá, então, retornou para realizar um experimento com cinco alunos, dois deles cegos, o Lucas, e um convidado especial, o jornalista da editoria de Opinião do O POVO, Carlos Viana.
De acordo com o químico, é usado o material de tinta guache, com base colorida e que será odorizada. A tinta não tem produtos químicos e também não tem cheiro, o que é feito é a adição do aroma com a cor. "Libras é uma coisa nossa (do Brasil), o Braille é internacional, VICS pode se tropicalizar ou ser uma referência mundial".
Ele fala que o mais importante é trazer crianças que já nascem com deficiência visual para as atividades lúdicas. "Pode ser uma solução para o público jovem."
Ainda conforme o profissional, como o mediador é o aroma, não vai resolver, de imediato, todos os problemas da deficiência visual, mas, sim, sentir o aroma e associá-lo a uma cor.
Para o médico oftalmologista, especialista em oncologia ocular pela Unifesp, Karlos Sancho a iniciativa VICS “traz cores aos cegos”. "Eu, como profissional que defendo a saúde ocular, fico feliz e grato de participar. Uma inovação disruptiva. Nunca se sabe onde a gente pode chegar, tem uma frase de Aristóteles: ‘Um bom começo é a metade’. É a parte fundamental para se colher bons frutos", comenta, sobre a etapa inicial do projeto.
Lucas Vieira, 27, do 5° semestre de Jornalismo e aluno da cadeira de Design Editorial da UFC, traduz a experiência como algo único. Ele diz que já teve outras experiências envolvendo pinturas quando ainda tinha visão, mas nunca envolvendo aromas. "É mais autonomia à prática da arte."
Lucas perdeu a visão aos 12 anos de idade devido a um atrofia de nervo óptico. Ao pintar, fez uma casa, o sol, e o mar, que, segundo ele, remete às vivências da infância. "Na minha infância eu pintava, me lembrei isso", revela.
Veja imagens do experimento