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Povo Tapeba reivindica ações de conservação das carnaubeiras
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Povo Tapeba reivindica ações de conservação das carnaubeiras

Árvore sagrada para o povo indígena e importante para a economia é ameaçada devido a planta trepadeira invasora
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ESTUDANTES se preparam para a Festa da Carnaúba  (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA ESTUDANTES se preparam para a Festa da Carnaúba

Outubro  é um mês simbólico para o povo indígena Tapeba, presente no município cearense de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza. Além de ser comemorado o Dia do Povo Tapeba, nesta terça-feira, 3, a etnia também celebra a 22ª Festa da Carnaúba, entre os dias 18 e 20. A data faz referência à Árvore Sagrada para o povo, que também é utilizada como fonte de renda, para a produção artesanal, além de materiais para a construção de casas.

A etnia, contudo, reivindica ações de conservação das carnaubeiras no Ceará. Além de ameaçadas por ações humanas diretas, como o desmatamento, as carnaúbas também estão em forte ameaça por causa de uma planta trepadeira invasora, conhecida popularmente como “boca-de-leão”.

A carnaubeira, também conhecida como carnaúba, é uma palmeira nativa do Brasil e típica da Caatinga. O caule da árvore pode atingir até 15 metros de altura e 25 centímetros de diâmetro. Já suas folhas são longas e pontudas, com uma tonalidade verde levemente azulada devido à cera que cobre suas lâminas, que são em forma de leque e podem chegar a até 1,5 metro de comprimento.

Cassimiro Tapeba atua como uma liderança do povo indígena Tapeba. Ele explica que a importância da carnaúba para a comunidade está ligada com à mitologia da etnia. “Nossos ancestrais nos ensinam que o mundo Encantado, o mundo da ancestralidade, está interligado com a terra e com muitas árvores, sendo uma delas a carnaúba. Para nós, ela é sinônimo de vida, trabalho, resistência, luta e também ancestralidade”, explica.

O líder Tapeba, que também é coordenador executivo da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Aponme), diz que o povo dedica a espiritualidade à carnaúba em rituais.

“Já a fruta serve para fazer diversas comidas típicas, como farinha, ou mesmo pode ser consumida madura. A palha é usada para fazer nossos adornos, como cocares e colares, entre outros objetos. Antigamente, utilizávamos o caule da carnaúba para construir nossas casas. Agora, devido ao risco de extinção da carnaúba, só usamos o caule para fazer nossas ocas dentro do nosso terreiro sagrado”, declara Cassimiro.

Em homenagem à Árvore Sagrada, as 17 comunidades indígenas do Povo Tapeba em Caucaia realizam festividades anualmente. A Festa da Carnaúba, em especial, acontece no no Terreiro Sagrado dos Pau-Branco, localizado às margens da Lagoa dos Tapeba, no município de Caucaia.

Festa sagrada

Dos corredores da Escola Indígena Tapeba Do Trilho, já era possível escutar o ressoar de cantigas típicas da etnia em homenagem aos ancestrais. Os cânticos eram emitidos por estudantes que, acompanhados de instrumentos e com o arrastar de pés, já estavam em clima de aquecimento para a Festa da Carnaúba e para o Dia do Povo Tapeba.

Segundo Iolanda Tapeba, diretora da Escola Tapeba Do Trilho, localizada no bairro Capuan, os preparativos para a Festa da Carnaúba envolvem as lideranças locais, as comunidades e as unidades de ensino.

“A data já está dentro do calendário das nossas escolas, já que quase todos os nossos alunos são indígenas. Os alunos confeccionam seus trajes, feitos a partir da palha da carnaúba, e seus instrumentos. As famílias também se engajam diretamente nos preparativos”, comenta a diretora.

Na própria unidade de ensino, havia mães de alunos que reservavam parte de seu tempo para ajudar a confeccionar, em máquinas de costura, os trajes dos filhos. De acordo com Iolanda Tapeba, em Caucaia há 14 escolas destinadas a atender a etnia. Destas, 10 são pertencentes à rede estadual e quatro à rede municipal.

Um símbolo ameaçado

A carnaúba (nome científico Copernicia prunifera) é uma espécie endêmica e símbolo de vários estados do Nordeste. Em 30 de março de 2004, o então governador Lúcio Alcântara instituiu a carnaúba como árvore símbolo do Ceará. A árvore ainda pode ser vista na bandeira do Estado.

Além de ser uma espécie endêmica da Caatinga, a simbologia da árvore para o Ceará também é decorrente a muitas comunidades rurais do semiárido dependerem dela para a geração de renda, principalmente durante o período da estiagem.

Em 2022, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviço; o Ceará liderou as exportações de cera de carnaúba, com um acumulado de quase 50 milhões de dólares. A matéria prima é utilizada na fabricação de medicamentos, cosméticos, embalagens e outros produtos.

No entanto, a carnaúba enfrenta diversas ameaças, sendo uma das principais uma planta trepadeira invasora chamada Cryptostegia madagascariensis, conhecida popularmente como unha-do-diabo, boca-de-leão, viuvinha, viúva-alegre, cálice-de-cristo ou unha-do-cão.

De acordo com Marília Nascimento, coordenadora de Educação Ambiental da Associação Caatinga, ONG que elabora e realiza projetos socioambientais em prol da caatinga, a unha-do-diabo foi introduzida no Nordeste como uma planta ornamental. No entanto, acabou se adaptando ao ambiente e se tornou uma ameaça aos carnaubais.

“Essa espécie invasora ameaça o nosso ecossistema natural e a Carnaúba é a espécie que mais tem sofrido. Essa trepadeira cresce rapidamente e sufoca a carnaúba, causando a morte da planta. Uma questão muito preocupante para o bioma, já que ela é a carnaúba é uma espécie de crescimento lento”, comenta Marília.

De acordo com a representante da Associação Caatinga, existem estudos em andamento para encontrar métodos de controle biológico da planta invasora. No entanto, ainda não há uma solução definitiva.

“É necessário continuar investindo em pesquisas nessa área. A preservação da carnaúba depende de um esforço conjunto, envolvendo o poder público e as comunidades locais. Em especial, o fortalecimento das comunidades extrativistas, que atuam ativamente na derrubada da unha-do-diabo”, conclui Marília Nascimento.

De acordo com a Secretaria de Meia Ambiente do Ceará (Sema) o plantio da carnaúba é incentivado, estando presente na Lista de Espécies Nativas Recomendadas para Ações de Florestamento e Reflorestamento no Ceará, além da especie ser produzida em viveiros estaduais para distribuição ao público e uso em reflorestamentos.

"Plantios de carnaúba foram utilizados em projetos, a partir de cooperação técnica com instituições parceiras e/ou cumpridoras de medidas compensatoias, no Parque Estadual Botânico do Ceará, Parque Estadual do Cocó, Parque Estadual das Águas e ARIE Fazenda Raposa, nesta última em parceria com a Associação Caatinga, que também instalou um viveiro na Unidade que produzirá mudas de Carnaúba", declara a pasta.

Segundo a Secretaria, apesar da Unha-do-diabo estar matando espécies nativas da Caatinga, em especial a Carnaúba, a Sema atua com estratégias para não propagação e controle dessa planta exótica invasora.
"Foi estabelecido em 2022, dois documentos oficiais: a Instrução Normativa 05/2022 que estabelece os procedimentos para o controle e a erradicação de espécies vegetais exóticas invasoras em Unidades de Conservação Estaduais de Proteção Integral e a Portaria 155/2022 que estabelece as espécies vegetais exóticas invasoras para o Estado do Ceará, incluindo a Unha-do-diabo", informa.

De acordo com o Governo, atualmente são fornecidas duas capacitações gratuitas de Controle de Espécies Exóticas em parceria com a Universidade Federal do Ceará. As formações são abertas ao público para que possam ser multiplicadores da valorização das espécies nativas. Também são ofertadas oficinas de produção de mudas de carnaúbas para viveiros públicos, mediante demandas submetidas ao e-mail do Programa Ceará Mais Verde: cearamaisverde@sema.ce.gov.br

 

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