A estátua de Santo Antônio, localizada no município de Caridade, “aguarda” por uma cabeça desde a década de 1980 e deve, enfim, receber a parte que faltava no fim do segundo semestre de 2024, de acordo com a Superintendência de Obras Públicas (SOP) do Ceará. As obras, que estavam paralisadas desde 1986, foram retomadas em 2021. O monumento terá 36 metros (m) de altura, 2 m a menos que o Cristo Redentor.
A história é um tanto curiosa. O projeto no topo do Serrote do Cágado começou em 1984. A ideia da prefeitura era incentivar o turismo religioso à cidade, seguindo os passos da vizinha Canindé. As obras, no entanto, foram interrompidas em 1986 por falta de recursos. A cabeça, montada em uma outra região de Caridade, nunca foi levada até o corpo. O santo ficou degolado.
O jornalista e escultor Francisco Barbosa de Oliveira, 72, mais conhecido como Franzé D’aurora, foi o responsável pela obra original. Ele foi convidado pelo então prefeito da cidade, Raul Linhares, após ter feito uma outra estátua, também de Santo Antônio, na BR-020.
Em Caridade, Franzé começou a trabalhar no projeto, mas, quando percebeu que o município não tinha recursos suficientes para terminar o monumento, decidiu fazer a cabeça por conta própria. “Eu construí a cabeça com o meu dinheiro, com o meu suor, com as minhas próprias mãos, sem precisar da ajuda de ninguém.”
Não foi erro de cálculo. Deixar a cabeça longe do corpo, de acordo com ele, foi proposital. O objetivo era inovar, chamar atenção e levar notoriedade para Caridade, já que não seria possível terminar a obra em sua totalidade.
“Por que eu fiz a cabeça? Porque eu estava me sentindo degolado por toda aquela vontade do povo em [colocar a cidade no mapa] e a minha vontade de dizer a minha verdade, sem magoar e ferir”, explica.
“Se hoje você está conversando comigo [sobre o tema] é porque Caridade está no mapa, justamente por conta da cabeça. Eu acho que a obra deveria ser preservada e [algum lugar próximo] deveria ser transformado em um museu, para perpetuar e dizer o que significa a arte, que é algo muito mais profundo do que se pensa e se vê”, continua.
Se o objetivo da cabeça era gerar notoriedade, deu certo. A escultura inspirou a escritora e ex-cronista do O POVO Socorro Acioli a escrever o livro “Cabeça de Santo”, publicado pela Companhia das Letras, em 2014.
A obra chegou a ser reconhecida como um dos 50 melhores livros do mundo para o público jovem de 2016 pela Biblioteca Pública de Nova York (NYPL) e, além disso, será adaptada para o cinema.
A trama acompanha a história de um jovem que descobre possuir o dom de ouvir as preces das mulheres para Santo Antônio, que também é o padroeiro daqueles que procuram por um amor. “Espero que a [escultura] venha a inspirar mais pessoas”, comenta o escultor.
Um dos desejos do escultor — a preservação da memória da obra — parece que será atendido. O monumento, de acordo com a SOP, também abrigará um complexo religioso com um museu, um mirante, uma capela, pontos comerciais, escadarias, rampas de acesso e estacionamento.
"Ter uma estrutura para lembrar a construção do local é importante porque preserva a memória histórica e cultural, [pois permite] que as gerações futuras conheçam e compreendam a importância do monumento e seu contexto histórico", destaca a Secretaria do Turismo (Setur) do Estado do Ceará, em nota.
"Além disso, serve como uma forma de homenagear e valorizar o trabalho e o legado daqueles que contribuíram para sua construção, como no caso do livro 'Cabeça de Santo', onde a inspiração do monumento se torna parte da narrativa, conectando história e literatura", continua.
A Setur, além disso, também acredita que o complexo pode alavancar o turismo religioso na região. “A divulgação do monumento e suas características únicas podem atrair a atenção de pessoas interessadas em turismo religioso, contribuindo para a promoção da cidade e da região como destinos importantes para este segmento”, diz a pasta.
Essa não é a primeira vez que tentam finalizar ou construir um complexo cultural no local da estátua. Iniciativas já tentaram ser implementadas em 1998, 2002, 2007, 2009, mas nunca foram para frente.
As obras são realizadas em etapas distintas: a construção de um espaço cultural na base do monumento, a estrutura da estátua — que terá duas cabeças (a do Santo e a de um bebê em seu colo) —, a pavimentação de acesso ao local e a urbanização dos entornos da edificação. O equipamento é fruto de uma parceria entre o Governo do Estado e a Prefeitura de Caridade. O valor da obra foi orçado em R$ 11 milhões.
O artesão Markus Moura é o responsável pelo projeto estético da nova estátua. No momento, 60% dos serviços já foram executados. O edifício-base do complexo, por exemplo, foi praticamente finalizado. A estrutura interna que dá sustentação à estátua está em fase de conclusão. Depois, a camada externa da escultura será fixada e, por fim, serão executadas as fases de pavimentação e urbanização.
O santuário, ao todo, compreende uma área de aproximadamente 4,4 mil m². Ele está localizado no ponto mais alto da cidade, o Serrote do Cágado. O projeto prevê ainda a construção de um mirante, uma capela, pontos comerciais, pátio, calçadão arborizado e um estacionamento com 28 vagas.
Como citado, as obras originais, de 1984 a 1986, ocorreram em dois locais diferentes: o corpo foi construído no topo do morro — que, inclusive, teve parte da estrutura clássica reaproveitada — e a cabeça em um conjunto habitacional, localizado a quase 3 km do resto da estátua. As construções atuais contemplam o espaço do Serrote do Cágado.
O POVO tentou entrar em contato com a prefeitura de Caridade pelo e-mail, telefone, Whatsapp e Instagram, para saber se algo será feito no local onde a cabeça "antiga" está localizada, mas não obteve resposta até a publicação da matéria. O POVO também procurou a moradora da casa onde essa cabeça está, mas não conseguiu contato. O texto será atualizado caso as demandas sejam respondidas.