“As crianças têm que passar dentro do córrego para poder chegar na escola”. A fala mostra a realidade diária da doméstica Beatriz Girão, 34, que leva a filha Bruna Karla, de 11 anos, a uma escola municipal de Maracanaú. O percurso, no entanto, é o que chama atenção. Elas precisam passar por um trecho do rio Maranguapinho, na rua Geraldo Nobre, no bairro Parque Presidente Vargas, entre Fortaleza e Maracanaú, na Região Metropolitana (RMF), para chegar à instituição.
Por volta das 12h50min, os alunos começam a chegar às margens do córrego para atravessar o rio. De chinela e com as barras das calças levantadas, eles, em fileira, começam o trajeto. A aula começa às 13h30min. O percurso acontece por volta de 10 minutos até chegar na Escola Municipal Governador César Cals de Oliveira Filho, na rua Pretória, em Maracanaú.
Há mais de quatro anos, Beatriz e a filha convivem com esse cenário. Para outros moradores, a realidade sempre foi essa. O local nunca recebeu uma intervenção para a travessia segura dos pedestres. “Já colocaram de tudo aí, mas nunca uma ponte. Colocaram um anéis após a primeira denúncia, em 2020, mas ficou pior porque dava mais insegurança porque era muito alto. Com o tempo, a água levou”, conta Beatriz.
A auxiliar de costureira Ana Karina Alves, 40, moradora do local, acompanha os filhos até as margens do córrego e destaca que os mais velhos sempre vão sozinhos e os pequeninos vão no colo. “De segunda à sexta, os meninos passam aqui. É o caminho mais rápido para chegar no colégio. Se tivesse pelo menos uma [ponte] de mentirinha dava certo, mas não tem. A população coloca pneu para ajudar”, revela.
Os pais e moradores pedem a construção de uma ponte para facilitar o acesso às unidades educacionais. A liderança comunitária do bairro e administrador Geime Santiago, diz que foi protocolado o pedido na Câmara Municipal de Fortaleza desde 2019 sobre o caso, mas nada foi feito até então. A resposta da gestão municipal aos moradores foi que o local não pertencia a Fortaleza, o que impossibilitava intervenções na região.
Em 2019, foi feita a delimitação da zona da divisa entre os municípios de Fortaleza e Maracanaú, onde toda a rua Geraldo Nobre passou a integrar a Capital, sob responsabilidade da Regional 10, e não mais Maracanaú. Santiago destacou que, após a divisão, a Prefeitura de Fortaleza assumiu a responsabilidade da construção da ponte no trecho.
Em entrevista ao O POVO, o titular da Secretaria Municipal da Infraestrutura (Seinf), Samuel Dias, disse que o projeto de intervenção no local foi incluído dentro do novo Programa de Infraestrutura em Educação e Saneamento de Fortaleza (Proinfra). “A Prefeitura está buscando financiamento para que a gente possa começar essas novas obras”, disse.
Ainda segundo o titular da Seinf, a expectativa é que o financiamento seja aprovado no segundo semestre deste ano e que as obras da construção da ponte comecem no primeiro semestre de 2025. “A gente vem cumprindo uma agenda de décadas de dívidas da Cidade. E a gente precisa de tempo para poder chegar em todos os locais da Cidade e de recursos financeiros”, pontuou Samuel.
Em nota, a Seinf ainda reiterou que a possibilidade de intervenção no local acontece após a região passar a ser do município de Fortaleza. De forma emergencial, o secretário orienta que os moradores acessem outras vias na região para chegar à instituição de ensino, evitando atravessar o córrego.
Apesar do retorno da gestão municipal, os moradores questionam o tempo de espera, alegando que se trata de uma emergência em saúde pública. “Aqui [córrego], é um caminho por onde as crianças atravessam para ir à escola. Elas passam por água contaminada, com sujeira no local, mato intenso e animais mortos. Aguardar tanto tempo é lamentável e vergonhoso”, afirma Santiago.
Em nota ao O POVO, nesta sexta-feira, 1º, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio do Centro de Apoio Operacional da Educação (CAOEDUC), informou que tomou ciência do fato e que o assunto será encaminhado às Promotorias de Justiça que atuam na defesa da Educação, em Fortaleza, para apuração.
Para a doméstica Beatriz Guedes, o longo período para aguardar a intervenção no local gera ainda mais preocupação com o bem-estar das crianças, principalmente em relação à saúde, uma vez que elas devem conviver com o cenário por mais tempo. “As crianças vivem com coceira, a gente tem que gastar dinheiro com remédio. Parece brincadeira”, diz a moradora.
De acordo com Magda Almeida, mestre em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em Medicina de Família e Comunidade pelo Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), o risco de doenças que podem ser transmitidas por meio da água contaminada pode gerar a veiculação de enfermidades hídricas, como anemias, leptospirose e hepatite A.
“Chamamos de transmissão fecal-oral porque a água acaba sendo contaminada por fezes. Elas podem desenvolver, além das doenças em si, atraso no desenvolvimento. Um conjunto de fatores que podem acarretar outras complicações. Há também as infecções gastroenterites, que são as infecções intestinais”, afirma a especialista.
Ainda segundo a especialista, em qualquer suspeita e sintomas das doenças, é preciso que os pais e responsáveis procurem uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de referência para atendimento médico do público. A médica orienta para a realização de puericultura Atua no sentido de manter a criança saudável para garantir seu pleno desenvolvimento, de modo que atinja a vida adulta sem influências desfavoráveis e problemas trazidos da infância. e evitar o contato com locais poluídos.