Fortaleza registrou, no sábado passado, 24, a maior média de aerossois no ar em todo o ano, conforme dados da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova), que mede a qualidade do ar em movimento. Com 34,3 microgramas por metro cúbico (µg/m³), o nível de concentração do material na atmosfera da Capital foi cinco vezes maior que o recorde anterior de 6,6 µg/m³, registrado no dia 18 de janeiro, durante os incêndios do Parque do Cocó. Foi o pior índice de qualidade do ar em 2024.
Segundo informações da Fundação Cearense de Meteorologia de Recursos Hídricos (Funceme), o aumento dessas partículas, conhecidos como Material Particulado 2.5 (MP2.5), no ar é resultado das queimadas que ocorrem desde o início do mês de agosto na Amazônia, no Sudeste do Brasil e no Continente Africano.
Existem dois tipos de material particulado. O MP2.5, que possui tamanho inferior a 2.5 micrômetros de diâmetro, e o MP 10, com medidas entre 2.5 e 10 micrômetros de diâmetro.
Ambas as partículas podem ser inaladas durante a respiração. Oriundas principalmente de queimadas, como a de combustíveis fósseis, os materiais podem causar prejuízos à saúde, como problemas cardiovasculares, cerebrovasculares e respiratórios, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
A diferença entre os dois está na quantidade que pode ser inalada pelo ser humano. No caso do MP2.5, o limite de concentração diária média recomendado pela OMS é de 15 µg/m³, ou seja, menos da metade do nível presente em Fortaleza no último 24 de agosto. Já para o MP10, o teto permitido é três vezes maior, com média de 45 µg/m³ ao dia.
Carregados por correntes de ar, esses aerossois chegam ao Ceará por meio de dois diferentes sistemas: a Alta Subtropical do Atlântico Sul e a circulação atmosférica do continente Sul-americano.
A primeira delas é responsável por trazer os resíduos vindos da África até o litoral cearense. Originada por um sistema de pressão próximo ao trópico de Capricórnio, a Alta Subtropical faz com que os ventos alísios que sopram no sentido leste-oeste cheguem até o Estado, trazendo consigo os aerossois atualmente gerados na região do Congo.
Outro fator que impulsiona a chegada desses ventos é a saída da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) do Hemisfério Sul em direção ao Hemisfério Norte, abrindo espaço para que as massas de ar passem mais próximo à costa cearense.
Essa saída da ZCIT para o Norte, abrindo espaço para a aproximação das massas de ar em relação ao litoral também é responsável pelo período de muita ventania no segundo semestre, conhecido aqui no Ceará como temporada dos ventos.
“O grosso do material que a gente está recebendo tem vindo do continente africano. Se você tiver acesso a imagens de satélite vai ver que ali, especialmente na floresta do Congo rumo ao Sul, tem bastante queimada sendo produzida. Esse é o material que está sendo trazido por esses ventos”, explica o professor do mestrado em Climatologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Alexandre Costa.
Não só as fumaças do continente africano têm prejudicado o céu do Ceará, mas também os aerossois produzidos nas queimadas da Amazônia e do Sudeste brasileiro. Esses por sua vez, são trazidos não só até o Ceará, mas a todo o Nordeste, através da circulação atmosférica presente na América do Sul.
O caminho é longo e se inicia na região amazônica, com a produção de MP2.5 através das queimadas. Saindo do Norte do país, a fumaça tem sido levada pelos ventos em direção à Cordilheira dos Andes, onde desce até o sul do continente, e finalmente sobe em direção ao Nordeste, chegando eventualmente ao Ceará.
Durante essa subida, os ventos encontram a fumaça produzida no Sudeste brasileiro e a incorporam. É esse processo que, mesmo com a perda de parte dos poluentes durante o caminho, tem feito com que o MP2.5 originado no resto do país chegue até a Capital, como explica o meteorologista da Funceme, Lucas Fumagalli.
“Justamente por esse tipo de circulação é que existe o transporte de material particulado das queimadas da região amazônica e centro-oeste do Brasil. Porém, também não é em grande quantidade, mas é uma quantidade suficiente que contribui para esse aspecto do céu que a gente tem observado”, afirma o profissional.
Lucas ainda pondera que a concentração deste material em cada região pode variar de forma constante, e depende da fonte de origem e do comportamento da circulação atmosférica no dia.
Se as correntes de ar ajudam os materiais particulados ao Ceará, outro fator que auxilia na manutenção desses aerossois na atmosfera por mais tempo é a ausência de chuvas.
Característico do Ceará no segundo semestre, o clima de estiagem impede que a água das chuvas derrube essas partículas presentes no ar e “limpe a atmosfera” da Capital. Nas atuais condições as partículas até podem sumir sozinhas, mas em um ritmo muito mais devagar.
“São dois processos que levam à remoção dessas partículas na atmosfera. A remoção seca, que é simplesmente pelo fato de que essas partículas se sedimentam, elas caem. Só que esse é um processo muito lento. Elas caem lentamente pela ação da gravidade. E a remoção úmida [ocasionada pela chuva]. A remoção úmida é muito mais eficiente”, explica o professor Costa.
ATUALIZAÇÃO: Diferententemente do que foi informado na versão anterior da matéria, o nível de concentração do material na atmosfera da Capital foi cinco vezes maior que o registro de 6,6 µg/m³ do dia 18 de janeiro. Os dados foram revisados pela Citinova.
Atualizada às 11h42min de quarta-feira, 28 de agosto