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ICMBio pede suspensão de processo de indenização movido por empresária
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ICMBio pede suspensão de processo de indenização movido por empresária

Pedido à Justiça Federal é para que processo pare até esclarecimento de dúvidas sobre tamanho das terras e legitimidade de escrituras. Iracema Correia São Tiago cobra aproximadamente R$ 700 milhões por inclusão de propriedades no Parque Nacional de Jericoacoara
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PEDRA FURADA é símbolo de Jericoacoara. (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE PEDRA FURADA é símbolo de Jericoacoara.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), representado juridicamente pela Procuradoria-Geral da União, requisitou à Justiça Federal a suspensão imediata do processo indenizatório movido pela empresária Iracema Correia São Tiago, de 78 anos, para ressarcir a inclusão de suas propriedades na área do Parque Nacional (Parna) de Jericoacoara.

No pedido, o ICMBio quer que o processo nº 0800668-04.2017.4.05.8103 pare até que sejam dirimidas questões como o real tamanho das terras de Iracema, a regularidade de todo o registro histórico cartorário dos imóveis (cadeia dominial), as sobreposições e o destaque do patrimônio público em relação ao particular na mesma causa. Essa é uma das três ações distintas movidas pela empresária, dentro do mesmo objetivo.

“O ICMBio ressalta que no âmbito administrativo foi iniciado o estudo da cadeia dominial do imóvel e das outras áreas pertencentes à autora [Iracema], objeto de ações de desapropriação indireta em trâmite nesse juízo, já tendo se verificado que existem várias inconsistências, ausência de destaque do patrimônio público para o privado e aumento expressivo de áreas sem respaldo fático e legal”, diz trecho da manifestação, datada do dia 19 deste mês, assinada pelo procurador federal João Pereira de Andrade Júnior. 

A ação foi aberta em nível administrativo desde setembro de 2010, mas acabou judicializada em maio de 2017. O trâmite é na 18ª Vara Federal no Ceará, sediada em Sobral.

Iracema estaria cobrando quase R$ 700 milhões da União (valores de março de 2019 juntados ao processo em 2023) por uso de três propriedades suas na formação da área do Parque. A unidade de conservação foi criada em fevereiro de 2002 e expandida em junho de 2007.

O ICMBio, gestor geral do Parna de Jericoacoara, teria apontado uma avaliação de pouco mais de R$ 4,2 milhões (também em valores de 2019). Essas cifras são discutidas pelas partes ao longo de todo o andamento da ação, desde a administrativa à judicial.

Dos 8.850 hectares (ha) da área completa atual do Parque, 1.684 ha seriam pertencentes à empresária. São relativos às fazendas Junco I (457 ha), Junco II (265 ha) e Caiçara (962 ha). A ação citada pela Procuradoria Federal no pedido de suspensão judicial envolve a Junco I. 

Em setembro deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) emitiu parecer sugerindo nova perícia para os valores da fazenda Junco I. A decisão ainda não foi anunciada pela 18ª Vara Federal.

Valores discutidos sobre a indenização - Fazenda Junco I

Indicados pela perícia judicial
- Avaliação: R$ 160.337.964,23
- Valor do hectare: R$ 327.153,57
- Valor m²: R$ 32,72

Indicados pelo ICMBio
- Avaliação: R$ 1.158.189,62
- Valor do hectare: R$ 2.363,17
- Valor m²: R$ 0,24

Indicados pela empresária (*)
- R$ 164.566.393,18, em fevereiro de 2022

(*) R$ 30.615.151,56, valor de 2010, no início do processo administrativo junto ao ICMBio

Área do Parque Nacional de Jericoacoara
- 8.850 hectares, após a expansão, em decreto de junho de 2007
- 1.684 hectares do total pertenceriam à empresária pelas fazendas Junco I, Junco II e Caiçara

Vila de Jeri: empresária reivindicou área em julho de 2023

Esse caso corre paralelo à outra questão envolvendo as mesmas terras da empresária, que ganharam repercussão ampla, pela relevância turística e imobiliária da região.

Em julho de 2023, os advogados de Iracema apresentaram uma escritura reivindicando formalmente ao Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace, órgão de regularização fundiária) que ela seria a dona de 83% da área da vila, a partir de uma sobreposição com a Junco I.

As terras foram assumidas por ela em 1995, na partilha de bens do divórcio com o empresário José Maria de Morais Machado. Mas a documentação não foi apresentada no período de regularização fundiária, entre 1995 e 2000, feita pelo governo estadual na região de Jericoacoara.

Vila de Jeri: empresária chegou a abrir mão de terrenos para ficar com lotes desocupados

A escritura da Junco I foi considerada legítima e, em maio de 2024, a empresária fechou um acordo com o Estado do Ceará - conduzido sem divulgação pública. Na negociação, ela abriu mão de terrenos com edificações e outros usos já existentes para permanecer com 19 lotes remanescentes, desocupados. Equivalem a 3,47 ha da vila.

Surpreendidos pela notícia, moradores, comerciantes e empresários locais fizeram côro geral contrário, apontando possíveis fragilidades na documentação, como averbações seguidas que teriam estendido irregularmente as medições da propriedade. 

No dia 1º de novembro, o acordo foi suspenso por tempo indeterminado, por decisão da Procuradoria Geral do Estado (PGE), para novo levantamento cartorária sobre as terras de Iracema, incluindo a consulta de outros órgãos ambientais e fundiários, como o próprio ICMBio, Incra, Idace, SPU e Ministérios Públicos Estadual (MPCE) e Federal (MPF).

No termo que requer a suspensão do processo, o procurador federal destaca que “a comprovação inequívoca do domínio é condição essencial para qualquer pretensão indenizatória da autora”. João Pereira de Andrade Júnior também menciona a recomendação do MPCE, de suspensão do processo administrativo que corre na esfera estadual (NUP21012.001051/2023-9) “ou em qualquer outro procedimento envolvendo o imóvel denominado Junco I, até a análise apurada dos documentos e procedimentos”.

Defesa de empresária: ICMBio propôs trocar fazendas por permissão para explorar créditos de carbono   

Após a manifestação do ICMBio pela suspensão do processo de indenização movido por Iracema Correia São Tiago, os advogados da empresária informaram ao O POVO, em nota, que já dispõem de documentos (certidões, matrículas e plantas) "que comprovam a cadeia dominial das fazendas até o ano de 1941", que deverão ser apresentados nos três processos na Justiça Federal, que requerem a indenização pela criação do Parque Nacional de Jericoacoara.

No comunicado, os advogados apontam que o ICMBio manifestou interesse para que Iracema doasse as fazendas em troca do Certificado de Compensação de Reserva Legal (CRL). O objetivo seria, segundo eles, para que a proprietária repassasse as três fazendas (Junco I, Junco II e Caiçara) ao órgão em troca do direito - que equivaleria ao pagamento pelas terras - de comercializar crédito de carbono na área.

"Quer dizer que, para doar os imóveis, o ICMBio reconhece a senhora Iracema como proprietária mas, para pagar a indenização devida, existem dúvidas?", questionam os advogados da empresária na nota. 

De possíveis inconsistências documentais mencionadas pelo procurador federal João Pereira de Andrade Júnior no processo, a defesa cita que "o Incra e o próprio ICMBio já reconheceram, em 2013, a titularidade das propriedades, informando não haver dúvidas de natureza dominial".

A defesa completou que, tão logo seja citada, irá se manifestar oficialmente nos autos.

O POVO enviou um pedido de informações à assessoria de imprensa do ICMBio, em Brasília, que não enviou resposta até a publicação desta matéria. Ela será atualizada tão logo as informações sejam repassadas.   

Jeri: Prefeitura entrou com ação contra concessionária

Recentemente, o consórcio Urbia + Cataratas Jeri, formado pelas empresas Construcap e grupo Cataratas, assumiu a gestão da área de uso público do Parque Nacional. A Prefeitura de Jijoca de Jericoacoara entrou na Justiça, com ação civil pública, contra a concessionária.

O embate principal estaria na cobrança de ingressos para visitantes e no asfaltamento de trecho da área de dunas. A Prefeitura alega o descumprimento de acertos firmados e pede a suspensão das intervenções por 120 dias e possível multa de R$ 100 mil por dia.

Conselho Comunitário pede para ser parte do processo "para garantir transparência"

Os argumentos usados pela Procuradoria-Geral da União, representando o ICMBio no processo por indenização movido por Iracema Correia São Tiago, são muito semelhantes aos usados pelo Conselho Comunitário de Jericoacoara. No mês passado, a entidade solicitou à Justiça Federal permissão para ser integrada ao processo como parte interessada. A Procuradoria emitiu parecer favorável, a Justiça ainda não se manifestou a respeito.

"O ICMBio afirma já ter detectado várias inconsistências em matrículas apresentadas pela família Machado e consideramos isso um grande avanço neste caso. Caso seja comprovado que o aumento injustificado das terras para dentro do Parque Nacional foi realizado com o objetivo de obter uma indenização injusta em um processo de desapropriação, isso representaria um prejuízo de mais de R$ 500 milhões contra o contribuinte, quando somada a avaliação dos três terrenos", afirmou a presidente do Conselho Comunitário, Lucimar Marques.

"Nosso objetivo é garantir transparência e a retificação de qualquer irregularidade, pois vale salientar que as terras da família Machado ficam no Córrego da Forquilha. Importante ressaltar também que a comunidade de Jericoacoara possui uma história e uma relação estabelecida com o território. Portanto, reiteramos o compromisso em preservar esses laços e proteger os interesses legítimos dos moradores”, destacou a representante da entidade. 

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