A Polícia Civil do Ceará (PC-CE), por meio da Delegacia de Combate às Ações Criminosas Organizadas (Draco), investiga que duas torcidas organizadas dos times de futebol do Fortaleza e do Ceará atuam como organizações criminosas. Os grupos são investigados desde 2023 e, no último fim de semana, protagonizaram um conflito horas antes do primeiro Clássico-Rei do ano realizado na Arena Castelão, em Fortaleza.
As investigações apontam que as condutas das torcidas “Bonde dos Hollings”, do Fortaleza, e a “Torcida Organizada do Ceará (TOC) não são fatos isolados e possuem ações premeditadas. Dentro dos modus operandi, os grupos possuem membros responsáveis por divisões de tarefas com foco na criminalidade, principalmente, em dias de jogos.
Conforme o titular da Draco, o delegado Alisson Gomes, a investigação segue no sentido de confirmar a atuação dos grupos como organizações criminosas. “Nós entendemos que as condutas são ações permanentes e sistematizadas e que ocorrem em cadeia com participação de diversas pessoas. O intuito é identificar pessoas que não só estão participando da briga, mas também daquelas que estão arquitetando”, afirma.
Durante coletiva de imprensa realizada no Centro Integrado de Segurança Pública (Cisp), da Secretaria de Segurança Pública do Ceará (SSPDS), nesta segunda-feira, 10, na Capital, foi divulgado que o total de 120 pessoas entre adultos e menores de idade envolvidas no confronto entre as torcidas, na avenida Osório de Paiva, no sábado, 8, foram conduzidas para unidades policiais.
Desse total, 117 ficaram presos ou apreendidos. Na sede da Draco, 82 adultos foram autuados nos crimes de tumulto, lesão corporal, associação criminosa, resistência, desobediência e corrupção de menores. Os 27 adolescentes apreendidos suspeitos de participação no confronto foram lavrados atos infracionais análogos aos mesmos crimes, exceto corrupção de menores, na sede da Delegacia da Criança e Adolescente (DCA).
De acordo com o coordenador do Núcleo do Desporto e Defesa do Torcedor (Nudtor), do Ministério Público do Ceará (MPCE), Edvandro França, diante dos casos repetitivos de violência entre as torcidas e a impunidade dos envolvidos foi necessário mudar a estratégia.
“A impunidade. A gente estava sentindo que as transações penais que a gente fazia, como os TCO's e as medidas educativas que a gente aplicava, elas não estavam tendo esse alcance e estava reiterando essa prática criminosa. Então, a gente realmente mudou essa chave”, disse o promotor.
Ainda conforme o promotor, a chave da mudança reside na aplicação mais rigorosa da lei, abandonando a tolerância anterior e buscando punições mais severas. “Passamos a entender que torcedor que praticar esse tumulto dessa forma, com ação tão violenta, tão agressiva, vai estar enquadrado na associação criminosa”, comenta.
Durante as ações policiais, sete suspeitos foram encaminhados para o 13º Distrito Policial (DP). Três tiveram Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), sendo um por por tumulto e dois por consumo de drogas. Outras quatro pessoas foram autuadas em flagrante e estavam com mandados de prisão em aberto por crimes de homicídios, roubo e lesão corporal.
A quarta pessoa presa foi o ex-presidente do Torcida Organizada do Ceará (TOC), Jeysivan Carlos Silva dos Santos, conhecido como 'Jey'. Ele tinha mandado de prisão em aberto por tumulto. A prisão foi realizada em uma casa de veraneio no Porto das Dunas, no município de Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Durante a captura, o ex-presidente chegou a apresentar um documento falso.
Todos os 82 torcedores presos em flagrante tiveram as prisões convertidas e preventivas e estão sendo encaminhados para os presídios do Estado. As penas contra os autuados podem chegar a 14 anos e seis meses de prisão. As investigações seguem a cargo da Draco com objetivo de elucidar o caso e confirmar a atuação dos grupos como organizações criminosas.
Horas antes da partida entre Ceará e Fortaleza, as torcidas organizadas se encontraram na avenida Osório de Paiva, no bairro Canindezinho. Dias antes da partida, as lideranças dos times fizeram publicação nas redes sociais comunicando os trajes para a identificação dos membros, sendo a cor branca para integrantes do Fortaleza e preta para a torcida do Ceará.
Um relatório técnico da Polícia Civil sobre a ocorrência revela que, no dia do confronto, a avenida foi tomada por uma “guerra” em que eram arremessados, de ambos os lados, pedras, pedaços de madeira e artefatos explosivos como rojões e bombas de fabricação caseiras conhecida por “cabeça de nego”. Um dos grupos tiveram confronto direto com policiais militares, arremessando pedras, pedaços de madeira e outros objetos que estavam espalhados pela via.
De acordo com o titular da Draco, delegado Alisson Gomes, as torcidas estavam sendo monitoradas e com estratégias de inteligência, sendo possível a ação policial estar no local estratégico do confronto.
“A gente conseguiu debelar a violência poderia ter sido muito pior. Essa ação policial estava no local certo para que não tivessem consequências maiores. Se eles insistirem nessas condutas, eles vão ser autuados como foram sábado”, disse o delegado.
O que chama atenção é a sistematização das organizadas com foco nos conflitos. O relatório da PC-CE revela ainda que os envolvidos costumam marcar um local de encontro para seguirem rumo ao estádio “fazendo baderna e digladiando-se com torcedores rivais ou até mesmo com torcedores do mesmo clube que não são vistos como aliados”.
O documento afirma que, anteriormente, o Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (TJDF/CE) proibiu a presença das citadas torcidas nos estádios cearenses em jogos em que os clubes fossem mandantes ou não. Os integrantes, a partir disso, resolveram comunicar aos seus integrantes que seria necessário, até para suas identificações, que fossem ao estádio no dia de hoje com camisas de cores específicas.
“Foram duas postagens na rede social WhatsApp das páginas intituladas “BONDEDOSHOOLIGANS1918”, em que também determinava o local de concentração antes da saída para o estádio, e “LEOESDATUFZSOFICIAL” em que o grupo pedia que todos os integrantes fossem de camisa branca”, consta no texto do relatório.
Ainda segundo o documento, outra torcida do Fortaleza, conhecida por Jovem Garra Tricolor (JGT), iria com a camisa na cor azul. Já os integrantes das torcidas do Ceará, que também foram avisados pelas redes sociais sobre a padronização, pelo perfil “CEARAMOROFICIAL”, iriam de preto”.