Sair dos templos religiosos e mergulhar nas problemáticas sociais é o convite do Movimento Igreja em Saída. Na missa de ontem, o assunto da vez foi ecologia e preservação ambiental. Cerca de 100 fiéis estavam no Parque Rio Branco, no bairro Joaquim Távora, em Fortaleza, para rezar e refletir.
Além das tradicionais liturgias, a missa contou com doação de mudas e até uma apresentação teatral feita por Andréa Rocha, que é servidora pública, palhaça circense e atriz. No ato, ela quebrou um vaso de planta e rasgou papéis e plásticos, com expressão de raiva e medo no rosto.
Segundo ela, a apresentação foi inspirada na Laudato Si', uma encíclica do papa Francisco que trata do cuidado com o meio ambiente e as pessoas. Um trecho da encíclica foi adaptado por Andréa durante a performance: “A Terra, nossa casa comum, está se transformando num imenso lixo”.
“Gritei: ‘Que medo!’ Porque é o medo de saber para onde nós estamos caminhando”, narrou a servidora pública.
“Em vez de as pessoas estarem unidas, estão dentro de um fundamentalismo pesado, esquecendo do amor maior — primeiro a Deus, depois ao próximo e àquilo que Deus fez, nossa casa comum”.
Antes da apresentação de Andréa, fiéis realizaram uma procissão com mudas, uma alusão ao tema ambiental. Na visão da atriz, “é um convite para vir ao parque, respirar o verde, esse ar. Nos traz paz e dá esse encontro com nosso ser. Ver folhas secas que caíram naturalmente, sem intervenção”.
Durante a reforma do parque em 2024, os encontros do movimento foram realizados na Praça da Gentilândia, no Benfica. Com a reabertura, as missas retornaram ao local. Ontem, havia representantes do Movimento Proparque, de defesa do Parque Rio Branco, que completa 30 anos em 2025.
Uma delas é Luísa Vaz, 69, co-fundadora do movimento e moradora da rua Castro Alves, limítrofe com o parque. Ela celebrou o tempo de vida dedicado ao local, mas criticou intervenções recentes, como a areninha.
Ela disse esperar que “a filosofia mude” na nova gestão de Evandro Leitão (PT) na Prefeitura de Fortaleza, “especialmente com meio ambiente”. “Dão muitas licenças para agressão ambiental. Precisa haver uma reforma, que a secretaria seja de meio ambiente mesmo, não de planejamento urbano”.
Integrante da Igreja em Saída desde a fundação, Luísa sentiu que o barulho de uma partida de futebol que acontecia na quadra atrapalhou a missa. “Futebol é para gritar mesmo. Mas há uma incompatibilidade enorme, essa quadra aqui no meio do parque”, argumentou a ambientalista.
Ter o encontro religioso em meio às atividades “faz as pessoas pensarem” nas questões ambientais, segundo Daniela Queiroz Zuliani, 52, que participava de um evento da Igreja em Saída pela primeira vez. “É uma maneira de trazer as pessoas para pensarem nisso. Porque a gente já sente na pele, o calor, a queimada. A gente sente o solo degradado, a água contaminada”.
“É um momento de, como igreja, a gente pensar, refletir, mas agir também. É uma chamada para ação”, pontuou a professora de Ecologia na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).
Moradora de Redenção, a 67,40 quilômetros (km) da Capital, Daniela é uma cristã voltada aos movimentos sociais, por isso “sempre teve vontade” de participar de um evento da Igreja em Saída.
“É uma experiência muito boa, porque você está em contato com Deus no meio da natureza, no meio da criação. É muito bom, e acolhe a todos”, relatou.
“É uma missa participativa, com todos os detalhes. Na música, na inclusão. Tem intérprete de Libras. São pessoas muito disponíveis, muito voluntárias”.
Ao longo de 2025, em comemoração ao Jubileu da Igreja Católica, as celebrações do Movimento Igreja em Saída têm como tema central “Peregrino de Esperança”, e a cada mês uma reflexão ligada ao Ano Santo é escolhida para orientar a pregação. Veja mais abaixo o calendário completo.
“Não tem mais um sol para cada fortalezense, não. Tem três sóis para cada pessoa”, refletiu a palhaça circense Andréa Rocha. “E a culpa é de quem? É minha. Falo de mim porque, assim, também posso mudar essa situação. Para onde estamos caminhando, destruindo plantas, mares, animais?”
A servidora pública opinou que, independente de religião, há muitos cidadãos e fiéis marcados pelo egocentrismo, que “se voltam para ‘seu jeito’, estão preocupados em dizer ‘isso e aquilo é pecado’”.
“População LGBT é pecado, essa roupa é pecado, cruzar as pernas é pecado. Jesus não disse isso. Ele disse que somos todos iguais, que somos amor. Amar o próximo como a ti mesmo. Mas como vou amar meu irmão, ao meu lado, dentro de um igreja, se estou mais preocupada no ritualismo?”
A percepção é geral de uma Igreja Católica que se posiciona de mãos dadas com a sociedade. Segundo o padre Lino Allegri, fundador do Movimento Igreja em Saída, “a igreja frisa muito nesse negócio do pecado pessoal, e esquece do pecado social. Não tem só o pecado meu, que eu faço”.
“Ter pessoas que não recebem salário mínimo é pecado, gente! É pecado social. Ter gente que passa fome é pecado. Ter gente que morre porque é LGBT, é pecado social. Mais do que frisar o sentido da culpa pessoal, nós aqui frisamos a culpa social”, explicou o padre.
O objetivo da Igreja em Saída, conforme Lino, é conscientizar a considerar a vida da população. “A igreja não pode olhar para o próprio umbigo, ser tão hierarquizada. Uma frase interessante, dita pelo papa João XXIII, foi: ‘Vamos abrir portas e janelas, porque nossas igrejas estão cheirando a mofo’”.
“É para entrar esse ar fresco que vem do povo. Aí, a igreja começa a ser uma igreja que vai para fora de si, e não só fisicamente, mas também de olhar para os problemas e interesses sociais. Não se pode desconsiderar a vida normal do povo na cidade, com todas as problemáticas, coisas boas e negativas”.
“Sair” da igreja significa, para o sacerdote, ir além dos protocolos religiosos. “Tem muita gente que vem aqui e diz: ‘Olha, o padre onde eu moro diz que ser igreja é ir à missa, rezar o terço’. É isso, mas não é só isso”.
Para Lino, é incompatível se dizer cristão e apoiar questões que impactem a vida do povo de forma negativa. “Eu, como cristão, não tenho um papel para a vida ser mais valorizada e humanizada? Afinal, Jesus falou para viver em abundância, e não só a vida espiritual, mas a vida que vivemos. Nossa fé cristã precisa levar em consideração os problemas que o povo vive”.
Ele relembrou que a Igreja em Saída começou por este caminho. “Nasceu da demanda de pessoas que se queixavam de não se encontrar bem na igreja, nas celebrações, por ser sempre aquele esquema e tal”, contou.
“A partir das experiências com pastorais sociais, fizemos um encontro entre amigos, padres e leigos. Daí nasceu a ideia de ter uma celebração mensal, num lugar neutro, fora de uma igreja. Também proporcionamos formação, tanto de temáticas da igreja quanto da sociedade. Exatamente para ampliar a visão de uma igreja que não se fecha dentro de si mesma”, finalizou.
As missas do Movimento Igreja em Saída são realizadas no terceiro domingo de cada mês, todas no Parque Rio Branco. Veja o calendário e temas do ano: