“Junto à sombra dos muros do forte, a pequena semente nasceu
Em redor, para a glória do Norte, a Cidade sorrindo cresceu
No esplendor da manhã cristalina, tens as bênçãos do céu que são teus
E das ondas que o sol ilumina, as jangadas te dizem adeus”.
Assim começa o hino de Fortaleza, que foi cantado pela primeira vez em 16 de novembro de 1957. Mas, antes de ter seu hino definido e se tornar o 4° município mais populoso do Brasil — de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística —, primeiro, a Terra da Luz teve de ser elevada à categoria de vila, em 13 de abril de 1726. Na data de hoje, Fortaleza completa 299 anos de muitas histórias e conquistas.
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Entre as cidades nordestinas, Fortaleza é a segunda mais populosa do Brasil, de acordo com os dados do Censo Demográfico 2022, do IBGE. Confira abaixo o ranking:
Conhecida como capital alencarina e considerada a capital do humor, Fortaleza é lar de um povo solícito e muito alegre. Mas antes de levar os apelidos que tem hoje, a Cidade passou por um longo processo de colonização e luta por direitos que, até hoje, transpassam pelas suas ruas.
“O território onde hoje está Fortaleza foi originalmente habitado por povos indígenas, notadamente da etnia Potiguara. A região chamava Iara, no delírio místico visionário do José de Alencar, que significa ’onde canta a Jandaia’”, é o que explica o historiador e presidente do Instituto Municipal de Desenvolvimento de Recursos Humanos (Impah), Evaldo Lima.
Em 1649, os holandeses, que eram comandados por Matias Beck, retornaram ao Ceará e fundaram o Forte Schoonenborch, nas proximidades do riacho Pajeú.
“E foi em torno desse forte holandês que vai se constituindo lentamente essa noção de núcleo populacional que daria origem à vila e à Cidade de Fortaleza”, acrescenta Evaldo.
Após a expulsão dos holandeses, os portugueses renomearam o local como Forte de Nossa Senhora da Assunção. “Fortaleza [então] foi elevada à categoria de vila, desmembrando-se da vila de Aquiraz (...) isso marca a ascensão da sede administrativa de Fortaleza”, ensina Evaldo.
Segundo o historiador, o nome Fortaleza é em alusão a uma cidade forte. “É interessante a gente pensar que a nossa cidade não é só de pedra, asfalto, tijolo e concreto, que na verdade também diz respeito à identidade, a coragem daquilo que a gente tem”, complementa.
Para Evaldo, para conhecer de fato a história da Cidade, é preciso que nosso olhar percorra afetivamente suas ruas, como se fossem páginas escritas.
“São muitos lugares da nossa afeição, da nossa identidade, que acabaram mudando de nome através dos tempos (...) Então, na verdade, é percorrendo esse livro de pedra e de asfalto que a gente vai entendendo os desafios da Cidade. Eu falo que a Cidade é, antes de tudo, sua gente, com direito à liberdade, à justiça, à possibilidades culturais”.
Ele cita as ruas ','nm_citno':'Castro e Silva','width':'180','height':120,'cd_tetag':'103082','align':'Left','js-changed':'1','id_tetag_tipo':7}">
Castro e Silva
Antigamente era conhecida como Rua das Flores, porque ligava a catedral ao cemitério. Quando aconteciam cortejos fúnebres, as flores iam caindo.
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Barão do Rio Branco
Levava o nome de Rua Formosa, devido a formosura do local.
, como exemplos de lugares que tiveram outros nomes ao decorrer do tempo.
Professor e historiador, André Rosa conta que Fortaleza surgiu de uma maneira que já era esperado para a criação de qualquer cidade naquele período original.
“As origens das cidades naquele tempo eram ou vindas de engenho, que eram fontes econômicas, ou vindas de missões jesuíticas, ou vindas de fortes para tentar guarnecer determinadas regiões”, explica.
"Nossos ciclos econômicos, por exemplo, como vai ser o primeiro que vai ser ligado ao gado, ele não gerará ainda um incremento ou uma tração para a Fortaleza", complementa André.
Em relação aos ciclos econômicos que marcaram (e ainda marcam até hoje) a Capital, André cita a charqueada Ação dentro da área de propriedade rural onde se produz o charque, uma carne salgada e seca ao sol. Inclui um matadouro, onde os animais eram abatidos, e o saladeiro, onde o sal era aplicado à carne fresca. A área inclui ainda galpões cobertos onde a carne salgada é exposta para o processo de desidratação que, segundo ele, desenvolveu na história cearense a “civilização do couro”.
“Isso acabou desenvolvendo, é claro, uma aparição de algumas regiões ou de algumas condições urbanísticas. O gado vai conseguir fazer com que exista atração e povoamento”, relaciona.
A questão indígena no Ceará acaba sendo muito importante, pois deu origem a novos biótipos. O povo é originário da miscigenação com brancos e indígenas.
"O indígena trabalhou como vaqueiro, muito em algumas áreas fazendárias, porque os ciclos econômicos do Ceará não requeriam muita mão de obra escrava. É por isso a nossa precocidade na abolição."
Ele continua: "Então, eles praticamente fizeram as técnicas da salgagem da carne. Nós percebemos uma atuação muito constante. Isso é muito contado inclusive nas obras alencarinas".
A população indígena no Estado foi um elemento crucial para a formação da nossa sociedade.
André também cita a condição urbanística de Fortaleza, onde a formação da cidade se parece com um tabuleiro de xadrez. O responsável pelo conjunto é o arquiteto Adolfo Herbster.
"A cidade de Fortaleza é muito boa de se andar. É aquela rua que cruza com a outra que cruza com a outra. Então, isso é um resultado de um investimento de classe rica". De acordo com ele, o feito deixa a Capital com aspecto da Belle Époque, que ocorreu entre o final do século XIX e o início do século XX.
Do Marco Zero, na Barra do Ceará, até as Dunas da Sabiaguaba, Fortaleza é marcada por diferenças sociais.
Para Airton de Farias, historiador e um dos autores do livro ‘Fortaleza: uma breve história’ (2012), a história que precede a criação da Capital Alencarina, não tem o propósito de deixar lição a ninguém.
“É uma Cidade muito complexa, muito contraditória (...) Existem várias contradições sociais e econômicas, né? Então Fortaleza tem muitos desafios pela frente”.
“O que você pode entender é que esse passado de contradições ele continua presente ainda hoje”, finaliza Airton.
A cronologia que antecede a criação de Fortaleza até os tempos atuais é marcada por acontecimentos importantes, que moldaram toda uma sociedade. Confira abaixo alguns pontos:
Cronologia de Fortaleza
1603 Primeira tentativa oficial de colonização portuguesa no Ceará, por meio da expedição comandada por Pero Coelho de Sousa, que constrói o Fortim de São Tiago às margens do rio Ceará.
1607 Tentativa de colonização e catequização dos povos indígenas pelos padres jesuítas Francisco Pinto e Luís Figueiras.
1612 Martim Soares Moreno, em aliança com os índios potiguares liderados por Jacaúna, ergue o Forte de São Sebastião às margens do rio Ceará.
1637 - 1649 Domínio holandês: em 1649, é construída pelos holandeses
a Fortaleza de Schoonenborch, base do futuro Forte de Nossa Senhora da Assunção.
1654 Os portugueses, liderados pelo capitão-mor Álvaro de Azevedo Barreto, expulsam os holandeses e renomeiam o forte como Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção.
1726 Em 13 de abril, Fortaleza é elevada à categoria de vila com o nome de Vila de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, por iniciativa do capitão-mor Manuel Francês. Esse ato é considerado o marco inicial da cidade.
1799 O Ceará se separa de Pernambuco e torna-se capitania autônoma, com sede administrativa em Fortaleza.
1818 É elaborado o primeiro plano urbanístico de Fortaleza, por Silva Paulet, que adota o traçado em forma de xadrez para organizar e "aformosear" a cidade.
1823 Fortaleza, após apoiar a independência, é elevada por D. Pedro I à categoria de cidade, com o nome de Fortaleza de Nova Bragança.
1867 Início da canalização de água potável, implantação da iluminação a gás carbônico, abertura de linhas de navios a vapor para a Europa e o Rio de Janeiro, e melhorias no porto. Era o começo da chamada "Fortaleza Belle Epoque".
1875 Elaboração de um novo plano urbanístico pelo engenheiro pernambucano Adolfo Herbster, que preserva o traçado em xadrez de Silva Paulet.
1877 - 1879 A Grande Seca do século XIX provoca êxodo rural, fome, epidemias e consolida o processo de urbanização precária em Fortaleza.
1884 Fortaleza antecipa-se ao restante do país e abole a escravidão no Ceará, tornando-se a primeira capital brasileira livre de pessoas escravizadas.
1912 Revolta popular derruba o oligarca Nogueira Accioly, conhecido como "O Babaquara".
1915 Nova grande seca provoca a chegada de milhares de flagelados à capital. Um deles traz o bode Yoyô, que se tornaria símbolo popular do "Ceará Moleque" e seria "eleito" vereador em 1921.
1963 Fortaleza é elevada à condição de Região Metropolitana.
1970 - 1980 Intensa urbanização, crescimento populacional acelerado e surgimento de grandes bairros periféricos.
1989 Maria Luíza Fontenele, eleita pelo PT, torna-se a primeira mulher a governar uma capital brasileira.
2002 - 2010 Período de crescimento econômico com importantes obras urbanas, como o Metrofor e a requalificação da orla.
2023 - atualmente Expansão das políticas de mobilidade urbana e reconhecimento de Fortaleza como polo de tecnologia, turismo e economia criativa
no Nordeste.
Leituras recomendadas
> Fortaleza: uma breve história (2012)
Arthur Bruno e Airton de Farias
> Fortaleza e o Ceará: Tudo sobre o Estado e sua Capital (Nordeste Brasileiro) (2024) Ana Paula Vianna
> Fortaleza, poéticas do passado: antologia (2025) Francisco Silva
Cavalcante Junior
> Fortaleza: transformações na ordem urbana (2015) Maria Clélia Lustosa Costa
> O Tesouro
de Fortaleza (2021)
Danilo Fontenelle