Francisco da Silva Ferreira, de 33 anos, chegou cedo ao Complexo Cultural Estação das Artes, no Centro de Fortaleza, a fim de garantir um lugar na fila de atendimento para tirar seu registro de nascimento. A obtenção do documento, aguardada há 14 anos pelo servente e reciclador, veio ontem 13, durante a 3ª edição da Semana Nacional do Registro Civil - Registre-se.
A iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), promovida pela Corregedoria-Geral de Justiça do Ceará (CGJ-CE), ocorre até hoje, 14, em Fortaleza. Os atendimentos, gratuitos, são realizados das 9h às 15 horas.
A ação tem como objetivo a erradicação do sub-registro civil de nascimento e ampliação do acesso à documentação básica. O evento é voltado ao atendimento de pessoas em situação de rua, população indígena e em cumprimento de medidas de segurança, assim como pessoas em situação manicomial, carcerária e ou egressas do sistema prisional.
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De acordo com Gúcio Carvalho, juiz corregedor auxiliar do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), a iniciativa é denominada ação de resgate da cidadania.
“Porque essas pessoas que vivem na rua, majoritariamente perdem esses documentos. São pessoas que não têm acesso a esse serviço normalmente. Uma pessoa dessa tem dificuldade para procurar um cartório, para requerer uma que a gente chama de segunda via de certidão de nascimento”, explica.
A realização da ação conta com o engajamento direto dos cartórios de registro de pessoas naturais de todo o Estado, que podem ser acionados para a emissão de uma segunda via da certidão de nascimento ou de casamento. Os registradores serão ressarcidos pelos atos gratuitos decorrentes do projeto.
Nas duas primeiras edições do evento, foram realizados 2.196 atendimentos e a emissão de 1.253 certidões. Este ano, a expectativa é que sejam realizados cerca de mil atendimentos.
Egresso do sistema prisional há dois meses, Francisco da Silva conta que teve seus documentos recolhidos pelos agentes de segurança e não conseguiu recuperá-los após sua saída. Há 14 anos, perdeu sua mãe e, desde então, vive nas ruas. Este é praticamente o mesmo tempo em que está sem registros.
“Eu tô com 14 anos sem documento, porque quando eu ia preso, os policiais não devolveram para minha família o meu registro, aí eles perdiam. (...) Eu vou correr atrás até eu conseguir”, detalha.
Durante a espera pelo atendimento, a companheira de Francisco, a faxineira Ana Jéssica Clemente de Oliveira, de 31 anos, aproveitou a oportunidade para corrigir os seus próprios documentos, que foram entregues com informações erradas e impedem que ela acesse benefícios sociais.
Para o casal, obter os novos documentos significa também a chance de conseguir um emprego e, quem sabe, garantir um futuro melhor para a filha que os dois estão esperando.
“Quando eu tirar eu já vou correndo atrás de tirar meu benefício. Meu benefício é tirar o aluguel social para eu ajudar ela, porque ela está grávida. Eu quero esse documento pra eu botar o meu bom negócio. É uma coisa que eu quero, tá entendendo? Para eu botar para ela. Então, o negócio agora é mudar de vida. É pegar os documentos direitinho e tudo. É mudança”, compartilha Francisco.
Aos 47 anos, Raimundo Barbosa Miguel vive uma situação parecida. O pedreiro conta que está sem documentos há dois meses. Os itens foram furtados durante a madrugada, enquanto dormia. Situação rotineira para quem vive em situação de rua.
“Levaram porque eu vivia em situação de rua. A gente se embriaga para poder não ter frio de noite. Eu tava dormindo e o rapaz levou minha bolsa cheia de documentos. E aí, graças a Deus, já ia fazer um mês já que eu tava sem documento, quando passou um carro avisando ‘Olha, estão tirando documento, cortando o cabelo’. Aí eu: ‘pois vou aproveitar vou ver se eu tiro meu meu registro’”, relembra.
Com planos para retornar a sua cidade natal, o município de Trairi, a 126 km de Fortaleza, ele ressalta que os documentos serão fundamentais para conseguir a passagem e realizar o deslocamento em segurança, sem grandes intercorrências.
“Tenho que ter o documento para viajar; para me identificar; chegar no canto e pedir um emprego, me identificando. A pessoa sem documento é um indigente, não existe. E eu com documento agora eu posso botar aí para qualquer canto que eu quiser. Vou tentar isso, me restabelecer”, anuncia.
3ª Semana Nacional de Registro Civil: Registre-se!
Data: 13 a 14 de maio
Horário: 9h às 15h
Local: Complexo Cultural Estação das Artes – Rua Dr. João Moreira, nº 540, no Centro de Fortaleza