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Quando cabe mais alguém no coração: o processo de adoção monoparental
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Quando cabe mais alguém no coração: o processo de adoção monoparental

No dia nacional da adoção, pais compartilham a jornada como pretendentes solo e o desenvolvimento do vínculo com os filhos
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Daniele Tavares (esq.), Sidney Ramos (centro) e Juliano Lopes (dir.) compartilham trajetória de adoção monoparental no Ceará (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Daniele Tavares (esq.), Sidney Ramos (centro) e Juliano Lopes (dir.) compartilham trajetória de adoção monoparental no Ceará

A chegada do filho foi precedida por um sonho. É assim que a psicóloga Daniele Tavares, 49, descreve o resultado de uma espera que durou quatro anos e converge com a trajetória de milhares de pais e mães no Dia Nacional da Adoção, em 25 de maio. Ela constitui o grupo de 15%, do total de adotantes no Ceará, que realizaram a adoção monoparental. 

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A data foi estabelecida pela Lei nº 10.447, de 9 de maio de 2002, objetivando a visibilidade do assunto entre os brasileiros. Em atualização ocorrida em 2022, a semana que antecede o período também passou a ser celebrada anualmente, como a “Semana Nacional da Adoção”.

Para Daniele, o desejo de se tornar mãe começou aos 40 anos, idade em se deparou com o diagnóstico de menopausa precoce e vivenciou o luto pela idealização “de uma maternidade pela via biológica”.

Em 2017, passou a buscar o apoio de grupos de pretendentes à adoção e deu entrada no processo que a permitiria fazer parte da fila. O pedido foi aceito em 2019 e, em 2021, recebeu um telefonema de que o filho, Bernardo Bento, hoje com 4 anos, havia nascido.

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“Em 20 de maio de 2021, o meu filho nasceu para mim”, inicia. “Eu cheguei a sondar, porque a gente meio que acessa a nossa fila, vê a colocação. E aí conversando e sondando, mais ou menos, sobre esse tempo, me foi dito que meu filho chegaria lá para outubro”.

“Na semana que ele chegou, eu tive um sonho. E no sonho, colocavam uma pulseirinha no meu braço, dessas de maternidade, e tinha escrito: ‘parabéns à mãe do Bento’”, acrescenta. “Eu acordei com uma sensação de que a minha espera havia acabado; (...) isso foi em uma segunda-feira (de maio). Quando foi na sexta, eu recebi o telefone que o meu filho havia chegado”.

No Ceará, 98 crianças e adolescentes estão em processo de adoção, 44 deles na faixa etária de até 2 anos. Os dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento também apontam que o Estado possui 1.110 pretendentes ativos.

Embora os casais ainda sejam maioria (69% dos pretendentes no Ceará), a adoção monoparental representa 15% dos cearenses ativos na lista de adoção (entre solteiros, divorciados e viúvos).

Em Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), a escolha pela adoção chegou até o enfermeiro e agente comunitário de saúde Sidney Ramos, 41, durante a pandemia, em 2021. “Nessa época, papai era vivo e tinha um pouco de resistência, pela falta de informação sobre adoção. Mesmo ele tendo esse preconceito, eu decidi fazer meu cadastro”, relembra.

“No início de 2021, meu perfil era de zero a cinco anos de idade. Depois de um ano, decidi expandir meu perfil para 1 a 12 anos”, explica. “Enquanto isso, fui participando dos movimentos e buscando aprender mais sobre o mundo adotivo”.

Quando Sidney recebeu uma ligação sobre a filha, Vitória Mariele Ramos, atualmente com 13 anos, fez questão de conhecer a história da criança. “Busquei com muita calma iniciar a aproximação por vídeo-chamada, presencial”, diz.

“No início, quando ela estava em um momento de não entender o que estava vivendo ou com birras, falava que me amava do tamanho de uma formiga”, brinca. “E meses depois, já fala que me ama do tamanho do oceano”.

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Adoção solo

A adoção monoparental, caracterizada por um único adotante, também foi o modelo escolhido pelo professor Juliano Lopes, 32, que experiencia o período de adaptação e convivência com o filho, Enzo — “Tem sido uma avalanche de emoções”, comenta.

“Avaliei outras possibilidades de me tornar pai, como pela via biológica, coparentalidade e barriga solidária”, diz Lopes. “Mas no final, a adoção me escolheu e me cativou com muita força, conforme eu pesquisava a respeito e via os vários exemplos de paternidade solo que já ocorreram no Brasil”.

Em janeiro de 2020, decidiu que “não valia adiar mais” o sonho de adoção, e entrou oficialmente na fila após cadastro na comarca de Fortaleza. Lopes também relata que participou dos cursos exigidos e fez “todas as etapas formais necessárias para a habilitação no sistema nacional de adoção”.

“Consegui ser habilitado em março de 2020, apenas dias antes de estourar a pandemia, o que viria a atrasar ainda mais os processos de habilitação. No total, levei quatro anos e alguns meses, com direito à renovação da habilitação e uma espera angustiante, até ser apresentado ao meu filho”, recorda.

Em relação à adoção solo, o professor destaca não ter queixas, e que entrou na fila “em condição de igualdade com qualquer casal”.

“As críticas que poderiam ser feitas para a melhoria do sistema de adoção se referem a ainda alta morosidade e lentidão dos processos e o não cumprimento de muito dos prazos relacionados à destituição do poder familiar”, acrescenta.

Outro ponto levantado foi a “falta de visibilidade e de apoio institucional” que os pretendentes à adoção no geral possuem em relação à sociedade civil.

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Caminho para a adoção

De acordo com a supervisora do Núcleo de Atendimento da Infância e Juventude da Defensoria Pública, Noêmia Landim, o primeiro passo para os pretendentes à adoção é buscar o site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

“Lá ele vai procurar por serviços, e depois pelo Sistema Nacional de Adoção”, explica. “É nessa parte que ele vai fazer um pré-cadastro”. Para a realização, o pretendente deve ser registrado no sistema Gov.br.

“Aqui em Fortaleza existe um setor de cadastro do Tribunal de Justiça em que essa pessoa, com esse pré-cadastro e esse número de protocolo, vai encaminhar toda uma documentação para iniciar o processo de habilitação à adoção”, destaca.

O início do processo de adoção ainda pressupõe algumas etapas. Entre elas, está o acompanhamento por uma equipe técnica e a participação em um curso para explicar as responsabilidades e os direitos relacionados à adoção.

Com a finalização do processo, o pretendente será vinculado a uma criança que também está no cadastro. “A partir de uma vinculação positiva, aí sim as pessoas devem entrar com a ação de adoção, ou através da Defensoria Pública, ou através do advogado de sua confiança”, diz Landim.

Para eventuais dúvidas sobre o processo, as pessoas interessadas podem entrar em contato com o Núcleo de Atendimento à Infância e Juventude em Fortaleza.

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