O secretário Roberto Sá, da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), completa, amanhã, um ano no cargo. É um tempo curto em se tratando de gestão pública, mas passível de considerações, em especial no que diz respeito a tendências e mudanças de curto prazo.
A correção de rota na área da segurança pública veio após um incremento nos índices de violência letal durante a gestão de Samuel Elânio, que se manteve no posto mesmo depois de a ex-governadora Izolda Cela deixar o cargo. A promessa de continuidade foi quebrada no primeiro semestre de 2023, com o fim do Programa Estadual de Proteção Territorial e Gestão de Riscos (Proteger) para dar lugar ao Comando da Polícia Militar para Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac).
A reformulação veio seguida de um aumento nos assassinatos, empalidecendo a repercussão de iniciativas louváveis, como a criação do aplicativo "Meu Celular". Os números foram semelhantes ao do último pico de homicídios no Ceará, que aconteceu em meio à pandemia da Covid-19. A pressão do calendário eleitoral também fez com que a fervura aumentasse. A solução encontrada pelo Governo Elmano veio de fora: nomear um gestor com experiência no Rio de Janeiro e no Espírito Santo.
Além dos maus índices de criminalidade, havia insatisfações internas que acabaram por minar o ex-secretário. Em conversa com policiais, a coluna ouviu diversas queixas da tropa sobre a falta de um comandante com histórico mais operacional. Em fevereiro deste ano, o coronel PM Klênio Sávyo foi substituído pelo coronel PM Sinval Sampaio, com passagens pelo Comando de Policiamento de Choque (CPChoque) e pelo Comando de Policiamento da Capital (CPC).
Há questões internas maiores, contudo, como militares que não se aposentam, emperrando a ascensão de quem vem depois, causando um estrangulamento. É uma fila de espera que não anda, como me confidenciou um oficial. A corporação enfrenta ainda uma série de dicotomias que minam a atividade policial: Raio versus policiamento ostensivo e os PMs de rua versus os PMs de gabinete. Esses são dois exemplos de problemas crônicos e estruturais que dependem de uma reforma mais aprofundada da instituição. Mas quem se dispõe a meter a mão nesse vespeiro?
A chegada de Roberto Sá veio acompanhada de um forte investimento em efetivo e de maior presença de policiais nas ruas, um ponto que gerava muitas reclamações à época. O "choque de policiamento" se deparou com um fim de semana bastante violento, logo no primeiro mês da gestão, que foi percebido como uma espécie de resposta do Crime ao novo secretário. As medidas se mantiveram e os assassinatos recuaram no fim do segundo semestre de 2024.
O enfrentamento das organizações criminosas passa por fazer com que o Estado tenha prevalência sobre o território em que atua. Para que essa redução ocorra de forma sustentada, é preciso que haja um monitoramento sistemático sobre o desempenho da atividade policial.
O Sistema de Metas Integradas de Segurança Pública (Misp) foi criado dentro dessa perspectiva. Em março e abril deste ano, 14 das 25 das Áreas Integradas de Segurança (AIS) conseguiram reduzir a meta de homicídio na comparação com o mesmo período, obtendo um decréscimo de 23,7%. No primeiro quadrimestre, a redução ficou em 18,3%.
Quando se comparam os números de março e abril de 2023, no entanto, é possível constatar que os números do mesmo período de 2025 são 3,5% superiores. Se tomarmos em comparação os crimes violentos letais intencionais (CVLIs) até o dia 20 de maio, data com os dados mais recentes, o ano de 2025 permanece mais violento que em 2023, primeiro ano do Governo Elmano, com 1109 homicídios contra 1099 (0,91% a mais). Todo esse esforço busca voltar a um patamar anterior após o crescimento registrado em 2024.
O começo do ano prometia boas notícias para o governo. O cessar-fogo entre o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) criou a expectativa de dissolução significativa dos conflitos entre grupos armados. Não por acaso, tivemos o mês de fevereiro menos violento no Ceará desde 2019.
O acordo entre as duas organizações criminosas se desfez no fim de abril, abrindo a possibilidade de novos conflitos. A Barra do Ceará e o Pirambu sofrem por terem se tornado uma espécie de laboratório para novas práticas criminais e lideranças oriundas de outros estados. A espiral de violência mais recente iniciou-se logo no dia 1º de maio, com o duplo homicídio de duas irmãs populares nas redes sociais, e teve na chacina da Barra do Ceará seu aspecto mais preocupante.
Nas duas últimas semanas, assistimos a diversos casos de duplos e triplos homicídios. São crimes que nem sempre geram repercussão na opinião pública, mas ampliam a tensão em áreas já conflagradas, sinalizando uma movimentação que foge aos olhos de quem está na superfície. Roberto Sá se apresenta como um gestor mais seguro das decisões que toma e com mais bagagem. A dificuldade reside na própria complexidade do tema que exige, paradoxalmente, um processo de desinvestimento das polícias. Mas isso é assunto para outra coluna…
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV/UFC)