Entre janeiro e maio deste ano, o Instituto Dr. José Frota (IJF) atendeu 1.276 vítimas de queimaduras no Centro de Tratamento de Queimados (CTQ), em Fortaleza. Desse total, 693 são mulheres. Em alusão ao Dia Nacional de Luta contra Queimaduras, comemorado nesta sexta-feira, 6, o equipamento lançou a Campanha Junho Laranja. Este ano, a data alerta contra casos de queimaduras no contexto de violência contra a mulher.
Chefe do Serviço de Cirurgias Plásticas e Queimaduras do IJF, Dr. Breno Pessoa destaca a importância da data para sensibilizar a população quanto aos riscos e a gravidade de acidentes envolvendo queimaduras, incluindo sequelas funcionais e estéticas que podem se tornar permanentes.
“Neste ano, o foco principal da campanha é a queimadura no contexto da violência contra a mulher. Como é em um contexto passional, geralmente são queimaduras bem graves. Às vezes, um companheiro coloca fogo na mulher, ou então, o que é muito comum também, é acidente com ácido, que tenta desfigurar a pessoa”, ressalta.
Nesses casos, o especialista afirma que, após o tratamento inicial e a estabilização da vítima, a atuação dos cirurgiões plásticos dentro do CTQ tem um papel fundamental “para a reintegração dessa pessoa e para a minimização dessas sequelas estéticas (...) Você precisa de um cuidado com diversos especialistas, cirurgiões clínicos, a parte de enfermagem, entra também toda a rede de apoio e de reabilitação”.
Assistente social do IJF, Karina Tenório avalia que a maioria dos agressores dessas mulheres costumam ser seus atuais ou ex-companheiros, o que faz com que as vítimas dessas ocorrências cheguem ainda mais fragilizadas. “Geralmente eles focam no rosto, na face, que é uma forma de atingir até além da questão física, mas psicológica, porque vai gerar sequelas no rosto”, explica.
Em casos de violência contra a mulher, além do tratamento da queimadura, Karina Tenório detalha que são realizadas orientações multidisciplinares às vítimas e a notificação compulsória da ocorrência ao Ministério da Saúde, por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
“É um momento de muita vulnerabilidade que ela está vivendo, então fazemos os encaminhamentos e orientações possíveis sobre os direitos delas, como as mulheres vítimas de violência. Fazemos encaminhamentos e relatórios para a rede para que, no pós-alta hospitalar, ela continue com o acompanhamento psicológico, com assistente social. Então, encaminhamos para Casa da Mulher Brasileira e encaminhamos também para o CRAS, que é o Centro de Referência de Assistência Social”, conta.
O ambiente doméstico, especialmente a cozinha, costuma ser o principal espaço para a ocorrência de acidentes envolvendo queimaduras. De acordo com o dr. Breno Pessoa, “é preciso ter cuidado principalmente com os líquidos quentes; um café, uma água que tá fervendo, a água também para banhar uma criança e o óleo quente”. Com a proximidade das férias escolares, época em que as crianças costumam ficar mais tempo em casa, a atenção precisa ser redobrada.
E foi justamente na cozinha que a autônoma Elania Cristina, 25, precisou socorrer o filho, Nicolas Yan, de 10 meses. Há aproximadamente um mês, enquanto assava um bolo, percebeu que o filho tinha encostado no fogão e acabou se queimando. Elania conta que a criança não tem o costume de entrar na cozinha e acredita que o cheiro da comida tenha atraído o pequeno.
“A minha mãe disse que ele estava brincando com a laranja e a laranja escorregou para debaixo do fogão. Ele foi lá para tentar pegar e não conseguiu, aí foi só levantar, e queimou”, relembra. A primeira reação foi rápida e, segundo os profissionais, correta: Elania lavou as mãos de Nicolas com água corrente.
Após os primeiros socorros, a criança foi levada do município de Acarape, a 65,18 km de Fortaleza, ao CTQ. Na unidade hospitalar, foram realizados os procedimentos de raspagem, banho anestésico e enxerto para o tratamento da queimadura.
Fisioterapeuta do CTQ, drª Maria Cira de Abreu ressalta a importância da campanha para reforçar a importância de encaminhar as vítimas a uma unidade hospitalar, especialmente as crianças. Somente este ano, 245 crianças e adolescentes até 14 anos foram atendidos no CTQ.
“A maioria dos acidentes com criança são assim, puxam a toalha da mesa, tem o café, é o cheiro, é o gosto. O que a gente sempre faz e afirma na hora da campanha é que o lugar de criança não é na cozinha”.
Apesar dos alertas ao público infantil, a cozinha também vira cenário para acidentes mesmo entre os mais experientes, como foi o caso da cozinheira Maria da Conceição, de 55 anos. Na noite da última terça-feira, 3, a profissional preparou uma sopa quente para levar a um cliente. Durante o caminho, já no carro, o recipiente com a sopa virou sobre sua perna e resultou em uma grave queimadura.
“Eu achava que isso nunca ia acontecer comigo”, confessa. Ela conta que o desespero dos outros ocupantes do carro foi tão grande que chegaram a sugerir que ela passasse sabão com água e até mesmo quiboa. Os dois métodos devem ser evitados. Segundo Breno Pessoa, a aplicação de qualquer substância que possa prejudicar a recuperação da vítima é desaconselhada, incluindo o uso de pasta de dente, gelo e excrementos, método ainda muito utilizado no Interior.
“A medida mais importante é o mais simples: você usar a água para resfriar. Se você não tiver água corrente, pode ser panos umedecidos que também vão causar um resfriamento. A única situação que você pode pedir para o paciente é, por exemplo, se for numa área aberta e o paciente está em chamas, pode pedir para ele rolar no chão para poder apagar aquela chama e minimiza. Isso em um ambiente que não tenha água para apagar a vítima. Mas, à medida que ele for apagando, você não deve colocar nenhuma substância que é suja na ferida”, conclui.