As despesas da Prefeitura de Fortaleza com aluguéis de imóveis de terceiros somam quase R$ 1 milhão por mês. O dado foi coletado pelo O POVO a partir de contratos ainda vigentes, assinados entre o Executivo municipal e pessoas físicas e jurídicas para o uso de prédios no período de 2019 a 2024.
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Ao todo, 28 termos de locação de imóveis foram consultados via Portal da Transparência, que juntos, chegam ao valor de R$ 980 mil por mês. As mensalidades variam de R$ 3,7 mil, pagos para o funcionamento de unidade do Distrito Técnico de Endemias no bairro Edson Queiroz, a R$ 213 mil, referentes ao aluguel do prédio da Procuradoria Geral do Município (PGM), situado no Dionísio Torres.
Os prédios alugados abrigam serviços essenciais da Prefeitura: 12 estão sendo usados por equipamentos ligados a secretarias municipais, como Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e Centros de Referência em Assistência Social (Cras); 6 são sedes e anexos de órgãos municipais; 6 têm o funcionamento de escolas; 2 são ocupados por galpões ou depósitos; 1 dos aluguéis é para um posto de saúde; e 1 imóvel não teve o uso informado no Portal da Transparência.
A maioria das assinaturas dos termos se deu através das modalidades de inexigibilidade ou dispensa de licitação, ou seja, quando o contrato é firmado diretamente com um único proprietário, sem disputa com outros eventuais candidatos. De acordo com a professora de Direito Administrativo da Universidade Federal do Ceará (UFC), Lígia Melo, a medida leva em conta o cumprimento de características únicas necessárias aos imóveis, que extinguem a possibilidade de competição.
“Há uma descrição de características dos imóveis que o poder público necessita e que ele não necessariamente tem no seu acervo. Muitas vezes é difícil localizar uma situação em que haja disputa das características do imóvel. Por mais que a gente perceba que existem muitos imóveis à disposição para aluguel, a legislação permite que o poder público possa fazer essa contratação porque ele vai definir alguns critérios que são típicos das necessidades da administração pública”, explica a professora, que é também doutora em Direito Econômico.
Todo esse processo possui respaldo legal, a partir da Lei Federal N° 14.133/21, que dispõe sobre os contratos e licitações do poder público no país. Como citado por Lígia Melo, o texto permite que o Estado ou Município escolham um imóvel que atenda às suas necessidades e realizem a contratação direta.
A lei também determina que o contratante realize um estudo prévio para comprovar a adequação do imóvel ao serviço que ali será prestado, bem como a inexistência de um imóvel próprio que possa ser utilizado para o fim desejado.
O POVO questionou a Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão de Fortaleza (Sepog) sobre o número de contratos de aluguel em vigência, bem como a soma de seus valores e os processos realizados para as assinaturas. Em resposta, a pasta afirmou que está revisando os aluguéis firmados em anos anteriores e que não poderia fornecer informações no momento para a reportagem.
O aluguel de imóveis de terceiros para uso público é medida comum na administração pública pelas vantagens que oferece ao contratante. Entre os principais motivos que levam à escolha estão a flexibilidade da modalidade e encaixe nos cofres públicos.
Em momento de menor disposição orçamentária, a medida é comumente adotada como forma de não interromper serviços públicos essenciais. Entretanto, passada a contenção, deve voltar a ser considerada a aquisição de imovéis próprios, que passem a compor patrimônio do Município, conforme explica o coordenador do Observatório de Finanças e Orçamento Público (OBFIO) da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Manuel Salgueiro.
"Em períodos de crises econômicas, é mais difícil fazer investimentos (como construir ou comprar um prédio). Nesse contexto, o aluguel pode ser uma alternativa viável para não interromper a oferta de serviços públicos essenciais. Por outro lado, em momentos de 'folga' orçamentária, a administração pública deve priorizar os investimentos em infraestrutura própria, reduzindo a dependência de aluguéis", aponta o também doutor em Administração e Controladoria.
Além dos motivos financeiros, Salgueiro diz que a opção pelo aluguel também é viável para o uso temporário dos prédios, por exemplo, durante reformas nos prédios que ofertam o serviço originalmente.
Para realizar a contratação, o poder público deve seguir uma série de processos para justificar o aluguel daquele imóvel. Após comprovar que não detém nenhum prédio próprio que atenda aos quesitos, o Município deve apresentar avaliação prévia do bem, possíveis danos estruturais e custos de eventuais reparos.
“Ressalvado o disposto no inciso V do caput do art. 74 desta Lei [que exclui a necessidade de competição diante de características específicas da edificação], a locação de imóveis deverá ser precedida de licitação e avaliação prévia do bem, do seu estado de conservação, dos custos de adaptações e do prazo de amortização dos investimentos necessários”, define o artigo 51 da legislação.
Os contratos para aluguel de imóveis em vigência na cidade estão sendo analisados pela Prefeitura de Fortaleza desde o último dia 16 de janeiro. A análise faz parte do Decreto N°16.199, assinado pelo chefe do Executivo Municipal, Evandro Leitão (PT), para contingenciamento de gastos.
O texto determina que as secretarias, coordenadorias e demais órgãos que possuem contratos de aluguel vigentes façam uma revisão imediata de seus termos, a fim de cortar os que não forem mais necessários e abater valores nos que forem possíveis.
Além destes, a decisão também suspendeu os contratos de serviços não essenciais, bem como as licitações para compra de produtos com menor nível de emergência.
O POVO solicitou entrevista com fonte da Sepog para mais informações sobre a fase em que está essa revisão e quais critérios vêm sendo adotados. Em resposta, a pasta afirmou que o processo está em andamento e por isso não iria se pronunciar no momento.
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