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A rede de cuidado silenciosa que protege os gatos na Praça das Flores
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A rede de cuidado silenciosa que protege os gatos na Praça das Flores

Mais de 30 gatos vivem sob os cuidados de voluntárias na Praça das Flores, em Fortaleza. Uma rotina marcada por afeto, vigilância e resistência ao abandono
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GATOS cuidados por voluntários na Praça das Flores (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE GATOS cuidados por voluntários na Praça das Flores

“Eles nunca te abandonam. Por que você vai abandoná-los?”

A frase, estampada em uma placa discreta na Praça das Flores, em Fortaleza, vai além das palavras. Entre as flores, bancos e caminhos de pedra, vivem hoje mais de 30 gatos, cuidados por uma rede silenciosa e dedicada de protetores que, mesmo sem vínculo institucional, garantem alimento, abrigo e, acima de tudo, respeito a esses animais abandonados.

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Maria Evenir, floricultora da praça há 44 anos, viu o cenário mudar com o tempo, do abandono desenfreado para uma mobilização comunitária.

“Quando eu comecei a trabalhar aqui, o abandono era muito grande. Já teve época de ter mais de 100 gatos. Hoje, graças ao cuidado e à fiscalização da gente e de outras senhoras que aparecem, o número diminuiu. A gente presta atenção, denuncia quem vem deixar gato aqui”, conta Evenir.

A rotina é organizada. Pela manhã e no fim da tarde, cuidadoras voluntárias alimentam os gatos com ração, muitas vezes financiada por uma “madrinha” dos animais. Quando necessário, elas também providenciam castrações e atendimentos veterinários.

Apesar dos esforços, o abandono de gatos no local persiste

“É comum chegar de manhã e escutar um miado novo. A gente já sabe: é mais um filhote deixado à noite ou bem cedo. Infelizmente, ainda ocorre de pessoas abandonarem os animais. Mas aqui o que persiste é o esforço de pessoas com boa vontade, então cuidamos deles”, relata Gleciane de Oliveira, permissionária da praça.

Mesmo com os avanços locais, o abandono de animais continua sendo crime no Brasil. Segundo o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), a prática pode resultar em até cinco anos de reclusão, multa e proibição da guarda de animais.

De acordo com a Política Estadual de Proteção Animal do Ceará, maus-tratos são definidos como qualquer ato que comprometa a integridade sanitária, física, psicológica e comportamental do animal.

O que dizem as secretarias sobre o abandono

A Secretaria Municipal de Proteção Animal (SMPA), informou que estuda a realização de um levantamento atualizado dos animais em situação de rua em Fortaleza. Sobre os casos de abandono, a pasta destacou que monitora, por meio do cadastro de tutores, os locais mais vulneráveis para os animais.

Além disso, a Secretaria de Proteção Animal (Sepa), mantém o programa Capacita Pet, que capacita voluntários e profissionais para lidar com os desafios da proteção animal, como resgates, reabilitação e suporte a abrigos. O curso oferece conteúdos práticos e teóricos sobre direitos dos animais e políticas públicas de bem-estar animal.

Já a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) informa que atua na prevenção e controle de zoonoses, doenças que podem ser transmitidas dos animais para os humanos. A pasta reforça que denúncias de abandono devem ser encaminhadas para a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), o Batalhão da Polícia do Meio Ambiente (BPMA) ou a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis).

Consequências do abandono

A veterinária Jéssica Castelo destaca que a sociedade precisa se engajar cada vez mais na causa de abandono.

“O primeiro passo é a conscientização: abandono é crime. A adoção precisa ser responsável e planejada. Também é fundamental incentivar a castração, que evita a superpopulação e reduz comportamentos indesejados, como fugas e brigas”, orienta.

Segundo ela, muitos dos animais que vivem em ruas geralmente não têm qualquer tipo de proteção contra o clima, como chuvas, ventos ou calor extremo. Também não são vacinados, o que os torna vulneráveis a diversas doenças infecciosas. E, se adoecerem, dificilmente terão acesso a tratamento.

Jéssica afirma que as brigas por território entre animais de rua são comuns e podem causar ferimentos graves, além da exposição constante a ações criminosas, como envenenamento e agressões, práticas ainda recorrentes em centros urbanos.

Entre as doenças que acometem esses gatos estão a rinotraqueíte viral felina e a calicivirose, infecções respiratórias transmissíveis por contato direto ou aerossóis. Já a Imunodeficiência Felina (FIV) e a Leucemia Felina (FeLV), mais graves, afetam o sistema imunológico e se propagam por mordidas ou lambeduras.

Na Praça das Flores, apesar dos desafios, o cuidado continua. “Quem abandona, não tem amor nem por si próprio, porque Deus criou a natureza pra gente cuidar, não pra maltratar”, destaca Maria Evenir.

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