Fortaleza sediou, nesta quarta-feira, 25, o lançamento do Comitê Local da Política de Atenção a Pessoas em Situação de Rua do Poder Judiciário (Comitê Local PopRuaJud - Ceará). A iniciativa tem como objetivo executar e promover políticas públicas judiciais voltadas à população em situação de rua no Estado.
Em um esforço conjunto, os quatro tribunais com sede no Ceará assinaram o Ato Conjunto nº 1/2025, que institui oficialmente o comitê. O documento, publicado no mesmo dia, entra em vigor imediatamente e está alinhado às diretrizes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A assinatura contou com representantes do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT-7), Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ-CE) e Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE).
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O presidente do TJCE, desembargador Heráclito Vieira, destacou que a missão constitucional do Judiciário é garantir direitos, mas ressaltou que essa atuação precisa ir além da simples resolução de conflitos. “O Poder Judiciário precisa sair da sua função tradicional de apenas decidir conflitos e ir até a sociedade, buscar outros meios para mudar a realidade dessas pessoas.”
Ele classificou a população em situação de rua como um dos grupos mais desprovidos de direitos fundamentais. “Para eles, a questão imediata mais sensível é deixar de estar em situação de rua. São pessoas que não têm acesso à moradia, saúde, alimentação, segurança ou lazer. Estão à margem da cidadania garantida pela Constituição.”
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O desembargador José Antônio Parente, ouvidor do TRT-7 e coordenador local do PopRuaJud, celebrou a articulação inédita: “Pela primeira vez, município, estado, governo federal, todo o Poder Judiciário cearense e todo o sistema de Justiça (Ministério Público e Defensoria Pública) unem forças num projeto de tamanha envergadura.”
Segundo ele, essa integração é essencial para enfrentar a complexidade da realidade vivida pela população de rua, marcada por múltiplas vulnerabilidades: ausência de moradia, saúde, documentação, emprego e dependência química. A criação do comitê atende também a uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para a efetivação de uma política nacional que estava estagnada desde 2009.
A desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira, do TRE-CE, enfatizou a importância de garantir cidadania à população em situação de rua por meio de ações articuladas. “Essa assinatura assume uma importância muito grande porque agora são ações conjuntas, não mais isoladas. O TRE, por exemplo, já atendeu mais de 500 pessoas em situação de rua em ações anteriores”, afirmou.
Ela reforçou que a cidadania é um direito previsto na Constituição, e cabe às instituições viabilizar seu acesso. “Cada órgão, dentro de sua função, contribui com esse resgate: o TRE com a emissão de títulos, o TJCE com o registro civil, a Justiça do Trabalho com o acesso a direitos trabalhistas. Tudo isso devolve a essas pessoas o orgulho de si mesmas.”
O coordenador do Movimento Nacional da População de Rua no Ceará, Arlindo Ferreira, avaliou que o comitê representa uma mudança no olhar da Justiça sobre essa população. “Até então, a população de rua só via a Justiça como aquela mão pesada. Agora, a gente tá vendo uma mão aberta, acolhedora, com essa perspectiva do direito.”
Ferreira alertou para o desconhecimento dos próprios direitos entre as pessoas em situação de rua e defendeu que o comitê possa cumprir o papel de ponte entre a cidadania e quem vive à margem. “Eu acho que o comitê vai somar muito.”
O catador de materiais recicláveis Cícero Glaudiano, representante do Movimento Nacional dos Catadores, também celebrou a iniciativa. “Esse momento é muito eficaz. Um privilégio para os participantes”, disse, demonstrando otimismo com a estrutura jurídica oferecida pela política.
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O comitê será composto por representantes dos quatro tribunais e de instituições como Defensoria Pública da União e do Estado, Ministério Público, Advocacia-Geral da União (AGU), OAB-CE, Secretaria de Direitos Humanos, universidades, entidades de saúde, assistência social e coletivos da sociedade civil.
Entre as metas estão: mutirões de cidadania, ações de educação em direitos, campanhas de conscientização e participação nos indicadores e premiações nacionais, como o IPopRuaJud e o Prêmio Nacional PopRuaJud.
A presidência do comitê será rotativa entre os tribunais a cada dois anos. Os órgãos do Judiciário terão até 120 dias para adaptar seus sistemas informatizados e repassar dados ao CNJ via o Modelo de Transmissão de Dados (MTD) do DataJud.
Para Wil Pereira, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT-CE), o comitê é uma iniciativa essencial diante da crescente presença de pessoas em situação de rua. “Vemos com bons olhos esse esforço de inserção no mercado de trabalho. A CUT sempre cobrou respostas concretas e políticas de inclusão”, pontua.
Ele ressalta que o desafio vai além de oferecer abrigo: “É fundamental garantir condições reais de qualificação e adaptação ao mundo do trabalho. Tirar da rua é só o primeiro passo. O segundo é garantir oportunidades reais.” (Colaborou Gabriele Félix)