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Caso Dandara: Estado é condenado a indenizar família por omissão do policiamento
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Caso Dandara: Estado é condenado a indenizar família por omissão do policiamento

Advogados ressaltaram que a Ciops recebeu sete chamadas denunciando as agressões sofridas pela vítima, mas a Polícia só compareceu ao local depois de uma hora
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DOCUMENTÁRIO sobre a Dandara (Foto: divulgação)
Foto: divulgação DOCUMENTÁRIO sobre a Dandara

Em sentença proferida na última segunda-feira, 23, o Estado do Ceará foi condenado em primeira instância a indenizar em R$ 50 mil a família de Dandara dos Santos, travesti assassinada em 15 de fevereiro de 2017 no bairro Bom Jardim, em Fortaleza.  A 7ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza entendeu ter havido omissão por parte do policiamento, que teria demorado a atender a ocorrência em que a vítima acabaria por ser morta.

Por cerca de uma hora, ela foi agredida com socos, chutes, pontapés, pauladas, levou uma “pedrada” no rosto e, por fim, foi executada a tiros. Os advogados da família de Dandara destacaram que a Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) chegou a receber sete chamadas de telefones distintos denunciando as agressões que Dandara estava sofrendo. Consta na decisão judicial que o primeiro acionamento ocorreu às 15h34, mas foi somente às 16h34min que a primeira viatura chegou ao local.

“A inicial destaca que a agressão foi perpetrada com extrema violência e ódio, proferindo-se palavras depreciativas e preconceituosas contra a vítima, que possuía debilidade motora e não conseguiu se defender”, ressaltou na decisão o juiz Francisco Eduardo Fontenele Batista. “O fato repercutiu nacional e internacionalmente, inclusive com a divulgação de vídeos gravados pelos próprios agressores”.

Inicialmente, a indenização por danos morais pleiteada pela família era de R$ 1 milhão. O Estado também foi condenado a pagar pensão equivalente a um terço do salário mínimo por danos materiais. Esse pagamento deverá ser feito até a data em que Dandara completaria 65 anos (ou seja, 2040) ou até o falecimento da mãe dela.

“É uma sentença extremamente importante, principalmente pelo valor simbólico”, destaca a advogada Christiane Leitão, representante da família de Dandara. “Sabemos que se trata ainda da primeira instância, mas foi um caso que chocou o Brasil e o mundo, então recebemos essa sentença também como um sinal de que vivemos um novo tempo, de mais aceitação, de mais tolerância”, afirma a advogada.

Nos autos, a Procuradoria-Geral do Estado do Ceará havia contestado a ação, arguindo, preliminarmente, a inépcia do requerimento, enquanto, no mérito, sustentou a inexistência de responsabilidade do Estado — foi alegada ausência de ato por parte de agente público. Nessa quinta-feira, 26, em nota divulgada pela assessoria de comunicação, a Procuradoria afirmou que “está analisando a sentença para adotar as providências pertinentes”.

O Ministério Público Estadual, por sua vez, havia se manifestado pela improcedência da ação. Em parecer feito em fevereiro, o promotor José Vangilson Carneiro afirmou que não foi caracterizada, de forma cabal, a falha ou a omissão estatal. “Ver-se que a parte autora procura responsabilizar o requerido por ilicito/crime cometido por terceiro, com base em um juízo subjetivo seu de que houvera falha/omissão estatal, mas sem ter produzido elementos probantes que evidenciem que o atendimento da ocorrência, naquela oportunidade, era possível em menor tempo”, afirmou o MPCE. “Diante do contexto probatório dos autos não tem como se sustentar que, se a polícia tivesse chegado no local em momento anterior teria evitado o delito”. (Com informações de Carlos Mazza)

Relembre o assassinato de Dandara dos Santos

Na esfera criminal, sete homens foram condenados por participação nas agressões que resultaram na morte de Dandara dos Santos: Francisco Gabriel Campos dos Reis, Francisco José Monteiro de Oliveira Júnior, Francisco Wellington Teles, Isaías da Silva Camurça, Jean Victor da Silva Oliveira, Júlio César Braga da Costa e Rafael Alves da Silva Paiva. As penas impostas a eles variaram entre 14 e 21 anos de prisão. Um oitavo acusado, Jonatha Willyan Sousa da Silva, morreu no decorrer do processo judicial. Ainda foi apontada a participação de quatro adolescentes na ação.

Conforme a investigação da Polícia Civil, o crime foi instigado por Francisco Wellington Teles, que havia mantido um relacionamento amoroso com a vítima. Ele teria espalhado um boato de que Dandara havia praticado furtos na região, o que fez com que integrantes de uma facção criminosa resolvessem puní-la. Seria, conforme testemunhas, uma retaliação por Dandara não ter dito a ele que convivia com o vírus HIV. A denúncia do Ministério Público Estadual (MPCE) ainda que Francisco Wellington ainda teria oferecido carona para Dandara em uma moto com o propósito de levá-la até o local do crime.

As agressões foram registradas em vídeos feitos pelos próprios agressores. As imagens mostram parte da sessão de tortura a qual Dandara foi submetida, assim como flagraram as humilhações de teor transfóbico feitas pelos criminosos. "Tu vai morrer viado, essa carniça tá é de calcinha" (Sic), chegou a dizer um dos homens em determinado momento.

As gravações viralizaram nas redes sociais dias após o assassinato, gerando revolta e indignação. Desde então, Dandara passou a ser um símbolo da luta contra a transfobia. Ainda em 2017, a deputada federal Luizianne Lins (PT-CE) apresentou projeto de Lei que coloca os LGBTcídios no rol dos crimes hediondos. A iniciativa ainda tramita no Congresso Federal. Já em 2019, o artista plástico Rubem Robierb homenageou Dandara com uma escultura em Nova York, nos Estados Unidos.

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