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Após 20 anos do furto ao BC, Ceará é o 3º estado com maior presença do PCC
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Após 20 anos do furto ao BC, Ceará é o 3º estado com maior presença do PCC

Com 2.741 pessoas, o Estado fica atrás apenas de São Paulo (9.018) e Paraná (3.186) em quantidade de integrantes do PCC, conforme dados do MP de São Paulo. Muita coisa mudou na facção desde o furto milionário, em agosto de 2005
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Policial federal examinando a boca do túnel escavado pela quadrilha para furto milionário à caixa-forte do Banco Central de Fortaleza. Crime foi descoberto na manhã do dia 8 de agosto de 2005 (Foto: EDIMAR SOARES em 8/8/2005)
Foto: EDIMAR SOARES em 8/8/2005 Policial federal examinando a boca do túnel escavado pela quadrilha para furto milionário à caixa-forte do Banco Central de Fortaleza. Crime foi descoberto na manhã do dia 8 de agosto de 2005

Uma reportagem publicada na Folha de S.Paulo revela uma realidade preocupante: o Primeiro Comando da Capital (PCC) não é mais apenas uma facção criminosa, mas uma organização transnacional que já atua em 28 países e começa a influenciar até mesmo o mercado financeiro. Enquanto a expansão internacional do grupo ameaça a segurança pública global, sua infiltração no mundo dos investimentos levanta alertas para a economia brasileira no que é chamado, por operadores do mercado, de “Ala Business do PCC”.

Com operações na Europa, América Latina e África, o PCC controla rotas de drogas, lavagem de dinheiro e até mesmo negócios legais como fachada. A nomeação de um “chefe do tráfico” em Portugal, pertencente à "Sintonia do Progresso", comprova que a organização está se estruturando como um crime organizado global, de estrutura similar às máfias italianas ou aos cartéis mexicanos.

O mercado financeiro, por sua vez, começa a enxergar o PCC como um fator de risco. Empresas e fundos de investimento estão avaliando como a atuação do grupo pode afetar negócios em setores como transporte, construção civil e até tecnologia. Após a pandemia, houve uma mudança na forma de atuação, como destaca o promotor Fábio Bechara, do MP de São Paulo. Além das práticas criminosas tradicionais, o grupo agora monta empresas dentro da formalidade tornando indistintas as fronteiras entre o lícito e o ilícito.

Banco Central de Fortaleza(Foto: Camila de Almeida/O POVO)
Foto: Camila de Almeida/O POVO Banco Central de Fortaleza

O censo mais recente do PCC mostra que o Ceará ocupa um papel de destaque na expansão da organização. Com 2.741 pessoas, o Estado fica atrás apenas de São Paulo (9.018) e Paraná (3.186) em quantidade de integrantes. Os dados foram obtidos pelo Ministério Público de São Paulo a partir da interceptação de mensagens entre os criminosos, que costumam fazer, periodicamente, censos sobre seus afiliados.

Em 2025, completam-se 20 anos do furto milionário do Banco Central. Natural do município de Boa Viagem, Antônio Jussivan Alves dos Santos, o Alemão, um dos líderes do furto milionário, era considerado um “primo” (simpatizante) do PCC desde 1994, quando participou do assalto a um carro blindado, em que dois vigilantes foram mortos e dois malotes foram levados. De acordo com a Polícia Federal, após o furto ao Banco Central, ele teria se escondido durante um tempo no interior paulista sob proteção da organização.

Para Bruno Paes Manso, jornalista e autor do livro "A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil", haveria digitais de lideranças do PCC nessa ação criminosa que desafiou o imaginário social dada sua complexidade e ousadia. Ele acredita que a alta cúpula da facção tinha conhecimento desse crime e que uma liderança superior teria reunido e articulado os homens que furtaram R$ 164 milhões.

Alemão, em foto tirada em 2017. Justiça autoriza permanência de Alemão, líder do furto ao Banco Central, em penitenciária federal(Foto: BANCO DE DADOS O POVO)
Foto: BANCO DE DADOS O POVO Alemão, em foto tirada em 2017. Justiça autoriza permanência de Alemão, líder do furto ao Banco Central, em penitenciária federal

“Você tem esses grupos que estão dividindo tarefas. O 'Fê' (Luís Fernando Ribeiro) que vai dar o dinheiro. O 'Alemão' vai conseguir alguma coisa. O outro, que vai conseguir uma outra parte. Mas tem alguém que une a todos. Tem algo que represente ou que permita que esses três grupos trabalhem unidos, sem entrar em conflito entre eles, que parece que transcende o negócio. O PCC tem esse lado. Pode ser que essa informação não tenha vindo à tona, por não querer denunciar. É difícil saber”, disse Paes Manso, em entrevista concedida ao Diário do Nordeste, em 2020.

Nessas duas últimas décadas, há diversos relatos sobre o funcionamento desse circuito São Paulo-Ceará. Além de servir como base de operação do furto milionário, a Justiça descobriu recentemente que um núcleo do PCC se articula em Boa Viagem por meio de grupos de Whatsapp intitulados “Família Unida” e “Sintonia de BoaVig".

Parentes de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder máximo do PCC no Brasil, também operam no Ceará. A cunhada de Marcola é apontada como líder de um núcleo criminoso que teria movimentado R$ 300 milhões por meio do jogo do bicho e de apostas esportivas. Em 2024, 20 pessoas foram presas pela Operação Primma Operatio, coordenada pelas Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado (Ficco) do Ceará, São Paulo e Santa Catarina. O nome é uma referência à migração de parte da estrutura organizacional da facção de um Estado para outro.

O processo judicial dividiu os acusados em três grupos por causa da grande quantidade de envolvidos. Conforme divulgado pelo Diário do Nordeste, o colegiado de juízes considerou que oito dos réus presos "prestavam serviços ou atuavam em benefício da Loteria Fort, cuja atuação comercial supostamente era em prol da facção criminosa PCC. Contudo, tais circunstâncias não restaram cabalmente esclarecidas, devendo ser destacado que a Loteria Fort se tratava de uma empresa legalmente constituída e com autorização judicial para sua atuação em todo o Estado do Ceará".

A dificuldade em caracterizar as novas práticas do PCC como crime é um desafio que precisa ser enfrentado em diversas frentes tanto por uma nova forma de articulação entre as polícias e os ministérios públicos quanto na atualização das leis que regem o combate às organizações criminais.

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