Cidadãos presentes no último dia de programação do Festival Bora Fortaleza, neste domingo, 20, elogiaram a iniciativa de descentralização cultural e aproximação de públicos na Cidade. Parte da agenda de encerramento ocorreu na barraca Foi Sol, na Praia da Leste, no bairro Pirambu.
Na manhã, o local recebeu intervenções em grafite e o Baile do Treinão, momento de prática física com música. A atividade ocorre pela quarta vez na barraca e, nesta edição, teve participação exclusivamente feminina.
Para a co-fundadora do Baile e instrutora da atividade de ontem, Carol Coelho, 23, é “gratificante” participar da programação do festival, “porque eu cresci e moro aqui no Pirambu. Desde a minha infância estive na Praia da Leste. Então, é gratificante promover esses eventos, promover qualidade de vida”.
“E é um evento gratuito para a população, né? Para quem quiser chegar, sem pagar nada. É perfeito”, complementou a estudante de Educação Física.
Carol enfatizou também o encontro de diferentes perfis e realidades em eventos como o deste domingo. “É muito bom ver, porque a gente vê muitas pessoas indo para o rolê para beber, curtir a noitada. E não que você não possa fazer isso, mas por que também não cuidar de você?”
“Por que não cuidar do seu corpo, fazer um rolê mais livre, beber mais água, se alimentar bem, buscando aquela redução de danos?”, indagou. “Tanto para quem já curte essa vida de noitada e até mesmo para quem curte um estilo de vida mais saudável, é bom poder trazer essa conexão”.
Uma das participantes foi a psicóloga Maria Borges, de 28 anos, que participou após entender que “esse tipo de atividade fortalece a saúde mental, porque alguns territórios são marcados pela violência, um fator que gera transtornos mentais. Então, fazer essas atividades é promoção de saúde mental”.
“A instrutora da aula era muito receptiva, o treino foi super acessível para todo mundo. Eu sou uma mulher gorda, então foi de boa também. Foi muito bom. Tudo de bom”, elogiou a fortalezense.
Maria participava do Baile do Treinão pela primeira vez, assim como a estudante Cauane Guedes, 23. Ela sempre quis participar, mas nunca havia tido a oportunidade: “Hoje deu certo, aí resolvi comparecer e foi uma experiência incrível, tanto pela música quanto pelo ambiente”.
“Aqui é o quintal de casa”, continuou ela, “a barraca eu já conheço, é um lugar que sempre proporciona experiências incríveis. E agora com o Baile, e hoje foi só mulheres também, foi incrível. A energia é muito boa”.
No fim da tarde, a Praia da Leste também recebe apresentações musicais de Piájay, DJ Rafa, grupo Mais Melanina e projeto Samba de Pai pra Filha. Paralelamente, no anfiteatro da Beira-Mar, o músico Dipas apresenta o show “Fucking Samba”, com participação do rapper Doixton.
O Festival Bora é realizado pela Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor) em parceria com o Instituto Cultural Iracema (ICI). Para Amanda Ávila, diretora de Ação Cultural do ICI, “encerrar o festival hoje no Pirambu é simbólico”.
Isso “porque é o nosso último acorde de mostrar para a Cidade que sim, existe vida cultural jovem pautando programações incríveis. A gente quis muito fortalecer esse movimento que já acontece na barraca Foi Sol. Então, hoje a gente encerra com chave de ouro, com toda certeza”.
A gestora relatou que, no processo de construção do Festival Bora Fortaleza, a gestão municipal focou em explorar programações que já existem na Cidade “para além da Praia de Iracema”.
“A gente foi pensando em como a cidade pode e deve conhecer os passeios de barco lá do seu Albertu’s na Barra; o samba, sempre aos domingos, no final do dia, no Titanzinho; as festas da Foi Sol”, argumentou.
“E hoje a gente vê como um legado poder mostrar para a cidade que, para além desse epicentro cultural ali da Praia de Iracema, existe sim uma movimentação cultural muito rica e muito forte ao longo do nosso litoral e para além”.
Na visão de Cauana Guedes, “ocupar lugares que são nossos” é “incrível”, pois “às vezes a gente fica com esse preconceito de frequentar a Praia da Leste, sendo que é um lugar ótimo, é uma das mais apropriadas para banho e ainda mais, hoje teve prática de atividade física”.
“Aqui é mais banho, família, mas também pode ter essa parte cultural e do esporte também, da atividade física, de música, de baile. Ter uma mistura”.
Maria Borges acrescentou: “Fazer esses eventos espalhados democratiza o acesso, apesar de que obviamente quem tá na periferia lá do outro lado da cidade [oposto ao litoral] tem essa dificuldade, assim como eu, nem todo mundo vem, mas acho que é um bom começo essa democratização”.
“Que vá para o Conjunto Ceará e que democratize cada vez mais”, continuou a psicóloga. “E que dentro desses espaços também estejam profissionais das periferias, né? Fazer girar a economia também”.
Produtor da barraca Foi Sol, Wilbert Santos sublinhou ser preciso pautar que o “circuito periférico já vem acontecendo há muito tempo, e o fato de a Prefeitura estar chegando agora e fortalecendo o que a gente já faz é o resultado de tudo que a gente vem construindo”.
“Antes de ter toda a grana, estrutura, som, luz para fazer evento, a gente fazia porque a gente já tem essa essência de fazer a atividade acontecer, né?”
Para o morador do Bom Jardim, o alinhamento com a gestão municipal é “um grande ganho”, pois ele vê “o quanto isso mobiliza, o quanto que isso, em termos econômicos também, ajuda dentro do dos territórios periféricos”.
"A gente está aqui há muito tempo, levantando a mão, dizendo que a gente tem condição, que a gente tem equipe, que a gente tem público, que a gente tem atração e a gente precisa de investimento, né?"
Wilbert Santos, produtor da barraca Foi Sol
Wilbert analisou que, “com os olhares da Cidade”, a periferia pode avançar, “inclusive para quebrar esse paradigma de que o Pirambu é perigoso, que o Bom Jardim é perigoso, de que andar na Messejana é perigoso. É perigoso para quem não é de lá. Existe um circuito que já acontece, que precisa ser beneficiado também, que precisa ter um olhar mais objetivo”.
Parte da programação desta reta final do Festival Bora Fortaleza envolveu a transformação de estruturas na Praia da Leste. A artista e bacharelanda Luna Veloso, 23, foi responsável por grafitar parte das instalações da Foi Sol.
“Inicialmente, o Dalest, que é o organizador daqui, me deu alguns temas que se relacionavam com a praia, com a barraca, que falavam sobre ancestralidade, o mar, floresta, racismo ambiental…”, narrou ela sobre o processo de criação de seu mural. “E, em muito dos meus traços, eu já levo essa essência da magnificência negra, da natureza. Então foi meio que uma combinação”.
Atuante no grafite há sete anos, Luna reforçou a importância do encontro de artistas em coletivo. “Nossa, não tem nada melhor você que se reunir com as pessoas que você gosta, que gostam de pintar numa praia, num solzão, tipo, tudo muito organizado, sabe? O pessoal chega para somar, chega junto”.
Ela reforçou ainda o impacto além dos artistas: “Quando a gente espalha cultura, a gente espalha arte, e as pessoas se motivam, elas têm aquele brilho no olhar de ‘ai meu Deus, o mundo ainda presta’”.
“Então, primeiro é focar nessa sensação, que os projetos se tornem frequentes, não fiquem esquecidos, sabe? Eu fiz um aqui, parei… Não. Que se tornem frequentes e acessíveis para todos os tipos de pessoas”.
A moradora do Bonsucesso complementou que Fortaleza “tem muitas potências”, as quais “vêm de lugares sem visibilidade”.
“Falo de comunidades, periferias e nenhum incentivo, mas mesmo assim a gente está aí, pintando nas ruas porque a gente não faz por mídia, por algo assim, mas por amor, né? O grafite é isso, é me expressar através das cores, é inspirar outras pessoas, trazer outras pessoas para esse caminho”.
“E o grafite salva também, ele inspira, né? Ele salva. E a cultura de Fortaleza é imensa. Não só o grafite, mas tudo aqui é muito forte, muito potente. Então, eu adoro essa cidade e a arte daqui. Eu só vejo que faltam chances para crescer mesmo, atenção necessária, sabe?”