Logo O POVO+
Operação prende advogadas em Fortaleza suspeitas de golpe milionário contra idosos em cinco estados
CIDADES

Operação prende advogadas em Fortaleza suspeitas de golpe milionário contra idosos em cinco estados

Suspeitos fazem parte de organização criminosa que montou um esquema interestadual de estelionato contra idosos. Grupo utilizava empresas de fachadas e desviou mais de R$ 6 milhões das vítimas. Capturas aconteceram nesta terça-feira, 22
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
PRISÕES ocorreram na operação Entre Lobos, deflagrada pelo Ministério Público de Santa Catarina, com apoio do MP do Ceará (Foto: Divulgação/MPCE)
Foto: Divulgação/MPCE PRISÕES ocorreram na operação Entre Lobos, deflagrada pelo Ministério Público de Santa Catarina, com apoio do MP do Ceará

Duas advogadas e o marido de uma delas foram presos em Fortaleza por aplicarem golpe contra idosos. Eles são suspeitos de integrar uma organização criminosa com um esquema interestadual de estelionato para vítimas dessa faixa etária. Os suspeitos teriam usado uma empresa de fachada, sediada na Capital, que teria obtido irregularmente pelo menos R$ 4,6 milhões. Mas os valores movimentados em outros Estados passariam de R$ 6 milhões.

Os suspeitos foram presos na manhã dessa terça-feira, 22, durante a operação “Entre Lobos”, deflagrada pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), com apoio do Ministério Público do Ceará (MPCE). Os nomes dos suspeitos não foram divulgados. São cumpridos 13 mandados de prisão e 35, de busca e apreensão nos estados de Santa Catarina, Ceará, Rio Grande do Sul, Bahia e Alagoas.

Conforme o MPCE, pelo menos 215 pessoas foram vítimas das fraudes. No entanto, há estimativa de que mais de mil pessoas teriam sido lesadas pelo esquema criminoso. O órgão informou que a ação tenta aprofundar a investigação sobre uma complexa estrutura criminosa.

Ao todo, as duas empresas investigadas, uma de Santa Catarina e outra do Ceará, movimentaram mais de R$ 6 milhões em valores judiciais, mas os idosos vítimas do esquema receberam menos de 10% do que tinham direito. A investigação revelou que os 90% restantes dos recursos foram tomados pela organização criminosa.

O grupo atuava de forma articulada e reiterada, direcionando o estelionato contra idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade. Também foi identificada a prática de organização criminosa, patrocínio infiel e lavagem de dinheiro. A Justiça Estadual de Santa Catarina, que autorizou os mandados de prisão e busca e apreensão, determinou o confisco de 25 veículos e o bloqueio bancário de R$ 32 milhões. 

Empresa do Ceará teve o maior valor desviado, segundo investigação

As apurações do esquema contra idosos revelaram que, pela Ativa Precatórios, de Santa Catarina, a Justiça liberou R$ 924 mil, mas apenas R$ 91,6 mil foram repassados às vítimas, representando o repasse de apenas 9,91% do valor devido. Com isso, foi identificado que o grupo se apropriou indevidamente de R$ 832 mil.

Já por meio da Brasil Mais Precatórios, em Fortaleza, o prejuízo foi ainda maior. Do total de R$ 5,1 milhões liberados pela Justiça, os beneficiários receberam apenas R$ 503 mil. O valor representa 9,86% do valor. Nessa empresa, o grupo desviou R$ 4,6 milhões. “Como as empresas de fachada eram as novas detentoras dos créditos judiciais, quaisquer esclarecimentos ou questionamentos financeiros eram direcionados a elas, fato que, sob a aparência de legalidade e boa-fé, denuncia o complexo emaranhado criado pela organização criminosa e sofisticação dos golpes”, afirma o MPCE.

O órgão detalhou que foram identificadas planilhas de controle financeiro, onde foram detalhadas a divisão de lucros, comissões pagas, investimentos e despesas, revelando a partilha de proveitos ilícitos entre os envolvidos.

Também foram coletados registros de procurações e substabelecimentos que indicam a transferência de poderes de representação entre os criminosos que extrapolavam a função de advogado e as empresas.

Estelionato contra idosos: saiba como o esquema funcionava

Iniciada há pelo menos um ano, a partir de denúncias, a investigação revelou a exploração financeira das vítimas, principalmente idosos e aposentados. As ações aconteciam através de fraudes em cessões de crédito judicial.

Segundo as denúncias, os golpistas abordavam as vítimas em suas residências ou por outros meios de contato, oferecendo serviços de ajuizamento de ações revisionais de contratos bancários. No entanto, após o ingresso das ações, muitas vezes sem o consentimento das vítimas, os criminosos induziam os clientes a assinar contratos de cessão de direitos judiciais, onde repassavam os valores obtidos nas ações a empresas de fachada ligadas ao grupo criminoso.

“Após o ajuizamento dessas ações, muitas vezes sem o devido discernimento dos clientes e sem qualquer informação sobre o processo, as vítimas eram induzidas em erro e ludibriadas a assinar contratos de cessão dos valores de direitos judiciais, resultantes das ações propostas, às empresas de fachada que integravam a organização criminosa”, descreve o MP.

As vítimas também eram abordadas pela Internet. Um dos meios era utilizando o site do Instituto de Defesa do Aposentado e Pensionista (IDAP) como fachada institucional.

A página, divulgada em âmbito nacional, atraía os idosos aposentados interessados em revisar contratos bancários. No local, as vítimas acabavam assinando documentos necessários para a organização criminosa ajuizar a ação.

De acordo com o órgão, as cessões de crédito eram firmadas por valores significativamente abaixo dos montantes reais a receber nas ações judiciais. “A análise dos dados coletados durante a investigação revela a dimensão da exploração praticada contra as vítimas, com idade média de 69 anos”, afirma.

Ainda segundo o MP, as vítimas eram levadas por integrantes do grupo a cartórios para reconhecimento de firma, com objetivo de dar aparência de credibilidade à negociata espúria.

As investigações revelaram que os contratos de cessão de crédito eram assinados em nome de duas empresas de fachada: a Ativa Precatórios, localizada em Pinhalzinho, em Santa Catarina, e a Brasil Mais Precatórios, em Fortaleza (CE).

Foi identificado, no entanto, que os alvarás judiciais eram expedidos em nome do escritório de advocacia pertencente ao suposto chefe da organização criminosa. Em seguida, os valores eram, em parte, transferidos para as empresas de fachada ou divididas entre os integrantes do grupo.

Na Capital, as ações de prisão e de busca e apreensão foram realizadas por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), do MPCE. A operação contou com apoio da Polícia Civil do Ceará (PC-CE) e da Polícia Militar do Ceará (PMCE).

Confira o ciclo do esquema criminoso em oito etapas

1ª etapa: Captação de Vítimas
Consiste na identificação e prospecção de possíveis vítimas. Escritórios de advocacia ou organizações associadas entram em contato com os idosos oferecendo serviços ou oportunidades relacionadas a processos judiciais ou créditos. Os envolvidos são escritórios e entidades como o Idap.

2ª etapa: Aproximação Legal
Os golpistas criam uma simulação de legalidade. A atuação é revestida de aparente formalidade jurídica, o que gera confiança na vítima, fazendo-a acreditar que está diante de uma oportunidade legítima. Há, nesta fase, uma representação fraudulenta.

3ª etapa: Processo Judicial
Um processo é aberto ou manipulado com a intenção de manter a aparência de legalidade judicial. As movimentações são reais ou forjadas, e o caso parece tramitar de forma regular na Justiça. O objetivo é dar legitimidade ao golpe.

4ª etapa: Sentença Favorável
É obtida uma decisão judicial que reconhece o direito ao crédito à vítima. Com isso, o valor a receber é formalmente estabelecido, reforçando a confiança da vítima na veracidade da operação. Nesta etapa, a decisão judicial simula o direito válido.

5ª etapa: Nova Abordagem
Após a decisão, a vítima é abordada novamente pelos criminosos, por meio das empresas “BrasilMais” ou “Ativa Precatórios”, com uma proposta para venda ou cessão do crédito judicial. O objetivo é formalizar a cessão do crédito para obter vantagem financeira.

6ª etapa: Compra da Cessão
A vítima assina um contrato de cessão do crédito e recebe o pagamento, que geralmente é pequeno, comparado ao valor real do precatório. Os golpistas passam a controlar o crédito judicial. Nesta etapa, é envolvido o contrato e um pagamento simbólico.

7ª etapa: Expedição de Alvará
Com a cessão concluída, os envolvidos solicitam a expedição de alvará judicial, que autoriza o saque do valor total do crédito em nome das empresas envolvidas, ou seja, sendo beneficiadas.

8ª etapa: Distribuição Interna
Na última fase, ocorre a divisão dos valores recebidos entre os integrantes do esquema criminosos, como os advogados e outros envolvidos.

Fonte: Ministério Público de Santa Catarina (MPSC)

Confira imagens da operação

Atualizada às 17 horas

O que você achou desse conteúdo?