A professora adjunta da Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Nathália dos Santos Wicpolt, questiona o processo de avaliação do seu estágio probatório, que pode levá-la à exoneração da vaga. A docente, que ingressou na vaga por meio da política de cotas em 2022, relata que a permanência na universidade é ameaçada por “aspectos subjetivos”.
Logo no início da trajetória como professora adjunta do departamento, o candidato que ficou em primeiro lugar na ampla concorrência entrou com um mandado de segurança solicitando a nomeação para a vaga que Nathália ocupava.
O caso é parecido com o da médica otorrinolaringologista Lorena Pinheiro, que também conseguiu uma vaga para docência na Ufba por meio da política de cotas para negros.
No entanto, a candidata que ficou em primeiro lugar pela ampla concorrência conseguiu uma decisão judicial para revogar a portaria que homologou o concurso, fazendo com que Lorena perdesse a vaga. A situação foi noticiada pelo jornal Correio, de Salvador.
Segundo Nathália, o candidato, que já tinha sido professor substituto no departamento, não conseguiu decisão favorável para assumir a vaga. A Escola de Medicina Veterinária teria conseguido realocá-lo na vaga de uma professora que estava em Portugal e pediu exoneração. Apesar disso, o processo dele contra a Ufba pela vaga de Nathália ainda seguiu ativo.
“A partir desse momento, eu sempre ouvia que houve um empenho muito grande para me manter. Isso sempre me deixou muito mal dentro do departamento”, afirma a professora. Para ela, as cobranças que tinha eram “muito frequentes e muito exageradas”.
Em 2022, Nathália ficou grávida e teve uma gestação de risco. Seu filho nasceu prematuro e com alguns problemas de saúde, como torcicolo congênito, precisando de mais cuidados e sessões de fisioterapia. Conforme relata, já ouviu de pessoas do departamento que o filho, agora com dois anos e ainda lactente, já era “grandinho” e que ela deveria se dedicar mais ao trabalho.
“Eu lecionei minhas aulas, aprovei projeto de pesquisa, orientei projetos de extensão, oriento bolsistas, publiquei cinco artigos em revistas internacionais de alto fator de impacto, participei de bancas de qualificação. Está tudo público no meu currículo Lattes. Sempre estive presente dentro das minhas possibilidades”, diz.
Em junho de 2025 veio a maior surpresa para a professora: Nathália foi reprovada no terceiro relatório do estágio probatório, apesar de ter sido aprovada nos dois anteriores. No primeiro, que julgava os primeiros seis meses da docente no cargo, a sua atuação foi considerada “excelente”.
No segundo documento, analisando os 18 meses de atuação, Nathália também foi elogiada. No entanto, aos 30 meses de exercício da função, o terceiro parecer a reprovou. Isso implica na exoneração da servidora.
“Foi o período que eu mais publiquei, que eu mais orientei projetos. A avaliação se pautou em subjetividades. Fala que eu não era assídua, que não dei as aulas, que eu falava que não queria estar ali. Sendo que eu nunca tive nenhuma advertência, nenhum processo administrativo e minha ficha funcional está intacta”, defende.
A docente entrou com recurso para que a terceira avaliação seja anulada. O advogado de Nathália, Felipe Jacques, afirma que foi requerido ainda que o novo relatório seja feito pela Comissão de Normas e Recursos do Conselho Universitário (Consuni).
“Entendemos que não existe isenção necessária por parte do departamento para deliberar sobre esse assunto, seja porque já deliberou, seja porque existe um um conflito de interesse entre professores do mesmo departamento em um processo judicial que se trata da mesma vaga, seja porque agora já teve também toda essa repercussão”, diz Felipe.
Felipe afirma que a reprovação de um docente em estágio probatório é algo “excepcionalíssimo” na Ufba. “Mas na Ufba nós temos precedentes em que professoras negras foram exoneradas em estágio probatório. O último caso datado de 2019 foi de uma professora da creche da universidade que foi exonerada porque foi reprovada também em estágio probatório. Houve movimento dos pais para que a professora continuasse, porque gostavam da professora”, relata.
Um manifesto de solidariedade à professora Nathália foi assinado por 110 professores negros da Ufba. Outro manifesto nacional angariou 2 mil assinaturas em defesa da docente.
A Universidade Federal da Bahia (Ufba) se manifestou sobre o caso da docente em uma nota publicada no site da instituição. Segundo o texto, o processo segue a legislação vigente e ainda está em fase de recurso, com acompanhamento da Procuradoria Federal.
A universidade afirmou que “não há disputa por vaga da docente”. “Foi afirmado na mídia que outro docente seria favorecido pela eventual exoneração da professora avaliada, mas o docente citado já possui código de vaga específico em área de sua especialidade. A exoneração ou não da professora, que, ressaltamos mais uma vez, ainda não foi decidida e está em processo administrativo, não muda em nada a situação do professor”, diz a nota.
Em resposta a críticas sobre ações afirmativas, a Ufba reafirmou seu compromisso com a política de cotas e destacou que mais de 50% dos alunos e 57% dos servidores se autodeclaram negros. A instituição também enfatizou que têm adotado critérios de seleção reconhecidos pelo Ministério Público Federal como referência nacional.
A Ufba repudiou ataques pessoais a seus docentes nas redes sociais e afirmou que “defender as ações afirmativas é também assegurar que os processos internos sejam conduzidos com imparcialidade, justiça, clareza e responsabilidade”.