A guerra entre as facções criminosas Guardiões do Estado (GDE) e Comando Vermelho (CV) pelo controle do tráfico de drogas elevou o município de Maranguape, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), a liderar o ranking de homicídios no Brasil entre cidades com mais de 100 mil habitantes. A análise é de Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entidade responsável pela elaboração do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Os dados divulgados nessa quinta-feira, 24, pelo estudo revelam as dez regiões mais violentas do País em 2024, com Maranguape ocupando a primeira posição, com índice de 79,9 por 100 mil habitantes. Além dele, Caucaia e Maracanaú, também na RMF, aparecem na oitava e nona posição, integrando a lista das regiões com altos índices de homicídios.
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A Secretaria da Segurança Pública do Ceará (SSPDS) informou, em nota, que os três municípios cearenses citados na lista das regiões mais violentas tiveram redução no número de mortes no primeiro semestre deste ano. Em Maranguape, a diminuição foi de 29%, em Caucaia de 20,2% e Maracanaú foi de 16,3%.
Conforme o estudo, o município cearense que lidera a lista contabilizou 87 mortes em 2024. A pesquisa também revelou que a cidade teve um aumento de 11,5% em comparação ao ano anterior, quando o índice foi de 68,4. Na época, a região ocupou o 8º lugar no ranking com o registro de 78 vítimas.
De acordo com Renato Sérgio, a escalada da violência no município tem como a principal causa o controle da rota do tráfico de drogas nas regiões cearenses, visto que são localidades estratégicas para o domínio da logística dos entorpecentes. “Você está disputando os pontos de distribuição que são próximos a rodovias federais e são próximos a caminho dos portos também. Então, conquistar essas cidades, como pontos estratégicos do crime, é dominar a logística da droga e, portanto, conseguir lucros cada vez maiores”, disse o presidente.
O anuário revela que os estados da Bahia, Pernambuco e Ceará concentram as regiões mais violentas. A Bahia aparece com cinco cidades, o Ceará, com três, e Pernambuco, com dois. Na lista, após Maranguape (CE), vem a cidade de Jequié (BA), com 77,6. Na terceira colocação está Juazeiro, também na Bahia, com índice de 76,2. A região de Camaçari (BA), com 74,8, e Cabo de Santo Agostinho (PE), com 73,3, fecham as cinco primeiras mais violentas.
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O estudo considera como mortes violentas intencionais (MVI) os crimes de homicídios dolosos, feminicídios, latrocínios (roubo seguido de morte), lesões corporais seguidas de morte, mortes de policiais e mortes decorrentes de intervenções policiais.
O presidente do Fórum destacou que, apesar da pesquisa não apontar a motivação específica de cada homicídio, a estimativa é que a maioria dos assassinatos registrados nas cidades de Maranguape, Caucaia e Maracanaú está ligada à disputa entre facções criminosas, especialmente entre GDE e CV.
Segundo os dados do levantamento, a maioria das vítimas de homicídios nas cidades mais violentas do Brasil são jovens negros. Do total, 91,1% são homens, 79% se declaram negros, e 48,5% tinham até 29 anos. A maioria das mortes ocorreu por arma de fogo (73,8%) e em via pública (57,6%), evidenciando a exposição dessas vítimas à violência urbana e letalidade armada.
Renato explica que um dos cenários que chama atenção para o Ceará é a posição estratégica do Estado para o tráfico internacional. “A gente não mexeu, por exemplo, no grande gargalo, que faz com que as cidades da Grande Fortaleza se tornem cidades extremamente disputadas pelas facções, que é a logística para poder exportar droga para a Europa e África e, com isso, ganhar muito dinheiro com principalmente a cocaína”, afrima.
No ano passado, o Brasil registrou 44.127 mortes violentas intencionais, uma queda de 5,4% em relação ao ano de 2023. O anuário revela que o País registrou taxa média de 20,8 mortes a cada 100 mil habitantes, sendo a menor taxa desde 2012.
1º - Maranguape (CE) - 79,9%
2º - Jequié (BA) - 77,6%
3º - Juazeiro (BA) - 76,2%
4º - Camaçari (BA) - 74,8%
5º - Cabo de Santo Agostinho (PE) - 73,3%
6º - São Lourenço da Mata (PE) - 73%
7º - Simões Filho (BA) - 71,4%
8º - Caucaia (CE) - 68,7%
9º - Maracanaú (CE) - 68,5%
10º - Feira de Santana (BA) - 65,2%
Com três cidades entre as mais violentas, o Ceará é o terceiro estado com o maior índice de mortes no País no ano passado entre as unidades federativas por 100 mil habitantes, segundo os dados o Anuário da Segurança. Ao todo, o estado contabilizou 3.225 casos de violência letal, com 37,5. O estado do Amapá aparece em primeiro lugar na lista, com 45,1, em seguida da Bahia, com 40,6.
Apesar do Amapá liderar o ranking, ele também apresentou a maior redução da violência letal no período, com recuo de 30,6% na taxa entre 2023 e 2024. O segundo estado com a maior redução da taxa dos crimes letais foi Tocantins (-27,9%), seguido de Roraima (-27,1%), Sergipe (-24,5%) e Rio Grande do Norte (-20,3%).
Conforme o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, o Ceará tem se consolidado como um termômetro da Segurança Pública no Brasil, onde apresenta cenários de queda e de aumento de crimes, o que vem impactando também no cenário da segurança no País.
“Ele puxa tanto a queda quanto o crescimento. É quase que um laboratório das dificuldades de se fazer segurança pública no Brasil porque, no momento em que há algum (redução) há crescimentos de alguns crimes no Ceará, isso acende o farol amarelo de que a polícia talvez tenha chegado no seu limite e que a gente precisa pensar de forma diferente”, disse.
A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informou que, no primeiro semestre de 2025, os municípios de Maranguape, Caucaia e Maracanaú tiveram redução nos índices de mortes letais. Em Maranguape, a diminuição de janeiro a junho de 2025 foi de 29%, com 39 mortes. Antes, a região teve 55 ocorrências no mesmo período do ano passado.
Na cidade de Caucaia, a redução no período foi de 20,2%, com 118 mortes violentas registradas. Antes, o número foi de 148 casos no mesmo período de 2024. Já em Maracanaú, a redução semestral foi de 16,3%, com 77 mortes violentas em 2025, contra 92 no mesmo período do ano anterior.
Em Fortaleza, a redução no semestre foi de 10,7%, com 391 homicídios registrados. Além disso, o órgão informou que o Estado também apresentou redução, com uma queda de 16,6% nas mortes violentas em comparação ao mesmo período de 2024 — de 1.714 para 1.429 casos. Na Região Metropolitana de Fortaleza, a redução foi de 17,9%, passando de 491 para 403 ocorrências.
Além disso, o órgão informou que no primeiro semestre do ano, foram realizadas quase 100 prisões por dia contra suspeitos de envolvimento em crimes no Estado, totalizando 17.151 pessoas presas. O total representa um aumento de 13,6% em relação ao mesmo período do ano passado.
Em nota encaminhada para O POVO, a Prefeitura de Maranguape diz que a classificação de "município mais violento do País não reflete a realidade atual".
"É importante destacar que a amostra utilizada para essa classificação considera apenas municípios com mais de 100 mil habitantes, recorte que representa apenas 6% do total de cidades brasileiras. Dados mais robustos, provenientes das secretarias de segurança do estado e do País, demonstram uma clara redução das ocorrências", destacou.
Prefeitura reconheceu, no entanto, que briga de facções "é uma questão que transcende limites territoriais e exige colaboração entre todos os níveis de governo".
"Nos últimos meses, a administração municipal tem trabalhado intensamente para reverter um cenário preocupante, que reflete uma realidade comum a muitos municípios do País, produzida, principalmente, pela guerra entre facções. Em resposta a essa situação, temos investido em políticas públicas que visam o fortalecimento de qualificação, emprego e renda em áreas vulneráveis", frisou.
Além disso, município informou que "quase dobrou" o número de escolas de tempo integral e que tem priorizado a juventude, fomentando ações como a construção de areninhas e a implementação do programa "Sementes do Amanhã", oportunidades que "afastam jovens da violência e da criminalidade".
Prefeitura também citou a criação da primeira Secretaria da Segurança Pública municipal, cujos primeiros meses de atuação já teria levado a redução de "quase todos os índices de criminalidade em Maranguape".
"Em parceria com o Governo do Estado temos executado o PREVIO (Programa Integrado de Prevenção à Violência), por onde temos levado políticas sociais e de infraestrutura para os públicos mais vulneráveis ao alcance da violência. A Prefeitura de Maranguape continua comprometida em trabalhar de forma integrada com os governos estadual e federal para enfrentar os desafios da segurança pública. Reconhecemos a gravidade da situação e estamos empenhados em inverter essa curva, que já apresenta sinais de queda", completa.