A facção criminosa Guardiões do Estado (GDE) "arrecada" cerca de R$ 200 mil por mês somente com a exploração do "Jogo do Bicho", afirmou um ex-integrante do grupo à Polícia Civil do Ceará (PC-CE). Somando os dividendos obtidos com o Jogo do Bicho com os do tráfico de drogas e com os da “caixinha” (a contribuição mensal que cada faccionado precisa pagar à organização criminosa), a GDE lucraria mais de R$ 500 mil mensais.
A delação de Antônio Euden da Silva Lucas, de 28 anos, serviu como base para uma denúncia do Ministério Público Estadual (MPCE), ofertada na sexta-feira, 5, contra 24 pessoas suspeitas de integrar a GDE e lavar dinheiro para a facção.
Entretanto, após prestar dois depoimentos no 2º Distrito Policial (2º DP), Antônio Euden foi assassinado. Ele foi executado a tiros no momento em que saía de uma clínica médica localizada no bairro Sapiranga, em Fortaleza, em 27 de agosto passado.
Na primeira oitiva, realizada em 18 de maio deste ano, Antônio Euden havia afirmado que integrou a facção entre 2017 e 2024, tendo chegado a integrar o “Conselho Final”, instância que trata de “assuntos graves, tais como mortes, ampliar território e o financeiro da GDE”.
Ele disse ter feito parte do Conselho Final por dois anos, sendo parte do “setor financeiro da GDE”. Com esse conhecimento, Antônio Euden disse que o Jogo do Bicho se transformou na principal fonte de renda da facção — enquanto o Jogo do Bicho rende cerca de R$ 200 mil mensais, conforme ele, a caixinha renderia cerca de R$ 130 mil.
Ainda de acordo com o delator, os donos das bancas de apostas pagam um valor à GDE, proporcional ao número de pontos que têm na área, para poderem atuar em territórios dominados pela facção. O dinheiro arrecadado, então, é depositado em contas em nomes de "laranjas" — que são tanto pessoas físicas, quanto jurídicas.
“O jogo do bicho exige que essas pessoas não tenham nenhuma passagem criminal, bem como as contas de empresas não levantem suspeita”, consta no depoimento dele. A fonte afirmou que "fazia uma filtragem em todas as contas de laranjas que eram oferecidas para ver se a pessoa podia 'emprestar' a conta sem gerar uma investigação da polícia".
Antônio Euden disse que a GDE não movimentava dinheiro vivo, somente transferindo valores por meio de contas bancárias. As contas de pessoas físicas tinham como titulares “pessoas da comunidade que eram necessitadas”, que recebiam entre R$ 300 a R$ 500 para cedê-las.
A testemunha ainda afirmou que a GDE estava criando uma empresa, especificamente, para “explorar a internet”, embora ele tenha dito não saber o nome da companhia.
Antônio Euden ainda listou uma série de pessoas que integrariam a GDE, seja ocupando posição de comando, seja prestando serviços como os de "laranja". A partir desses nomes, a PC-CE solicitou Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para ter acesso às movimentações das contas bancárias dos mencionados suspeitos.
Com isso, foi identificado que contas bancárias que estavam no nome de pessoas que, oficialmente, recebiam pouco mais de um salário mínimo chegavam a movimentar dezenas de milhares de reais.
No caso de Kaíque de Oliveira Silva, por exemplo, foi identificado que ele recebeu quase R$ 2 milhões (1.995.998,02) entre outubro de 2024 e abril de 2025, mesmo tendo declarado, em sede policial, ter renda mensal de, aproximadamente, R$ 2.000.
Em seu depoimento, Antônio Euden afirmou que Kaíque trabalha para um homem que seria “braço direito” de um dos integrantes da cúpula da GDE.
Além de Kaíque, foram denunciado pelos MPCE: Alan Borges Figueiredo; Ana Carla Souza da Silva; Anderson dos Santos Pimentel; Edilson Guilherme Arruda de Oliveira; Elane Soares de Sousa; Erick André de Oliveira, vulgo “Clebão do Aracapé”; Everton Muniz de Carvalho, vulgo “Pato”; Francisco Gervaldo Oliveira Celestino; Francisco Saraiva Neto; Harisson Sampaio do Nascimento Silva; Jefferson Henrique do Nascimento Silva; José Honório Diógenes; Kaylane Pinheiro Sales; Leomax Xavier da Costa; Leonardo Oliveira da Silva; Micael da Conceição Brito; Miquelvis Breno Lopes da Silva; Paulo Henrique Martins dos Santos, vulgo “PH”; Pedro Barbosa da Silva Neto; Pedro Lucas de Sá Morais, vulgo “Josué”; Sarah Ingrid Sampaio do Nascimento; Stefany Sampaio do Nascimento e Suyanne Alves Rodrigues.
Até o momento, nenhum suspeito do assassinato de Antônio Euden foi preso. O caso é investigado pela 7ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
No depoimento ao 2º DP, Antônio Euden havia afirmado que ele estava jurado de morte pela GDE e que, “se desse bobeira”, seria morto pela facção. Ele, porém, não disse o que teria motivado a saída dele da organização criminosa.