Uma década após o estabelecimento do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), o debate sobre o uso, direitos e deveres do espaço virtual foi ampliado no Brasil. Com o crescimento das redes sociais, novos protagonistas agora integram o dilema da web no País: crianças e adolescentes.
Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil, 93% da população brasileira de 9 a 17 anos indicou ter utilizado a Internet em 2024. Na mesma faixa etária, 83% desses usuários reportou ter um perfil nas redes sociais.
O levantamento sobre os hábitos dos jovens na Internet, produzido pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), ainda aponta que 29% dos usuários (9 a 17 anos) indicaram ter passado por situações ofensivas, que não gostaram ou chatearam no ambiente virtual.
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Por outro lado, em resposta ao uso da Internet por menores de idade, 77% dos responsáveis afirmaram que a criança ou adolescente utiliza a Internet com segurança, enquanto apenas 8% acreditam que estes vivenciaram uma situação incômoda na Internet.
A produção contou com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
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Estatuto da Criança e do Adolescente
De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, é responsável por definir as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos. Nesta condição, prevê-se proteção integral e prioritária a partir da família, sociedade e do Estado.
"O Estatuto tem um papel basilar na concepção que a gente tem da infância e da juventude", considera a psicóloga clínica e educacional, Rafaela Firmino. "Na história do Brasil, sabe-se que a criança nem sempre foi vista como essa pessoa que precisávamos cuidar: antes, era uma pessoa que se precisava regrar, ou então alvo de punições".
Firmino também ressalta que o ECA possui princípios amplos, como a prioridade absoluta, a proteção integral e o princípio da corresponsabilidade.
"Quando falamos dos perigos do acesso da criança à Internet, esse princípio da corresponsabilidade é muito importante, porque a gente não fala de uma responsabilidade que é apenas dos pais, falamos de uma responsabilidade coletiva", diz.
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Regulamentação da Internet
Conhecido como "ECA Digital", o Projeto de Lei 2628/2022 foi aprovado no dia 20 de agosto de 2025 pela Câmara dos Deputados. O conteúdo do PL discorre sobre o estabelecimento de regras para apps, jogos, redes sociais e softwares acessíveis a menores de idade.
No conteúdo da legislação relativo às redes sociais, indica-se a responsabilidade dos provedores em assegurar a vinculação das contas de crianças e adolescentes de até 16 anos ao usuário ou conta de um de seus responsáveis legais.
"É irreal pensar que dá para blindá-los completamente. O que a gente precisa é se munir de informações para conseguir protegê-los no próprio uso da Internet, e munir eles também, para que saibam que podem fazer um uso responsável", reflete a psicóloga Rafaela Firmino.
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Entre os pontos levantados, está a estipulação de um limite de tempo para as telas e o acesso aos conteúdos adequados.
Em guia lançado pelo Governo Federal ("Crianças, Adolescentes e Telas: Guia sobre Usos de Dispositivos Digitais"), a adequação etária dos conteúdos acessados por crianças e adolescentes é refletida por meio da política pública de Classificação Indicativa. As faixas etárias são subdivididas em "Livre", 10, 12, 14, 16 e 18 anos.
Na prática, a Classificação Indicativa considera o princípio da corresponsabilidade da família, da sociedade e do Estado, além de critérios objetivos de análise. "Para fixar a classificação etária, são considerados três temas distintos: 'sexo', 'drogas' e 'violência'. A análise de uma obra é feita como um todo e não somente por partes isoladas", diz o informe.
Para o psicólogo Pedro Alisson Santos, membro do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas Sobre a Criança (Nucepec-UFC), o monitoramento deve acontecer, mas dentro de uma relação de confiança entre o adolescente e o responsável.
"Quem pode responder essa pergunta é o próprio adolescente, ele precisa ter autonomia e espaço de escuta e fala, não pode ser um processo unilateral. Se a nossa sociedade quer fortalecer o protagonismo de crianças, adolescentes e jovens, eles devem ser ouvidos também", afirma.
Outro ponto a ser considerado na relação com as redes sociais é a presença do trabalho infantil na rotina do "influencer mirim".
"Influencer hoje em dia é tido como profissão, então sob quais condições essa criança está trabalhando? E uma criança ou adolescente trabalhando é algo que deveria ser tão naturalizado assim?", questiona Santos.
Dados sobre o uso da Internet
93% da população brasileira de 9 a 17 anos usa a Internet;
29% dos usuários de 9 a 17 anos reportaram ter passado por situações ofensivas, que não gostaram ou chatearam na Internet;
23% dos usuários de Internet de 9 a 17 anos indicaram ter acessado o ambiente virtual pela primeira vez até os 6 anos de idade;
83% dos usuários de Internet de 9 a 17 anos indicaram possuir perfil em redes sociais. De 15 a 17 anos, a proporção foi de 99%;
81% dos usuários de 11 a 17 anos viram divulgação de produtos ou marcas na Internet;
98% dos entrevistados (9 a 17 anos) acessam a Internet pelo celular.
Pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024
Livros sobre 'adultização'
Lolita (1955) - Vladimir Nabokov
Minha Sombria Vanessa (2020) - Kate Elizabeth Russell
O Consentimento (2021) - Vanessa Springora
Filmes e séries sobre o tema
Ferrugem (2018) | Não disponível em plataforma de streaming
Dilema das Redes (2020) | Disponível: Netflix
Má Influência: O Lado Sombrio dos Influencers Infantis (2025) | Disponível: Netflix