O quinto e último julgamento da chacina do Curió, que vitimou 11 pessoas na madrugada de 12 de novembro de 2015, em Fortaleza, começou ontem, 22. Os PMs Marcílio Costa de Andrade e Luciano Breno Freitas Martiniano sentarão no banco dos réus. Eles são acusados de orquestrar o crime em vingança pela morte do soldado Valtemberg Serpa durante um roubo horas antes.
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Ao todo, 27 policiais militares já foram julgados pela chacina, parte apontada como executores das vítimas e outros por omissão, já que estavam de serviço e não impediram as mortes. Até aqui os julgamentos resultaram em 21 absolvições e seis condenações.
No último julgamento, realizado em agosto passado, todos os sete policiais acusados de omissão foram absolvidos pela Justiça cearense. Antes do início do quinto julgamento, o coletivo Mães do Curió, composto por familiares das vítimas (fatais e sobreviventes) da chacina, concedeu entrevista coletiva à imprensa, na manhã de ontem, onde ressaltou o pedido por justiça.
“O que não tivemos da vez passada, vamos ter agora. A justiça concreta. Não podemos viver esta dor, este luto, sem uma resposta. E a resposta que precisamos e merecemos é que a justiça se cumpra. Cada assassino que vitimou aqueles jovens, que venham a ser condenados”, afirma Silvia Pereira, mãe de um dos sobreviventes.
A previsão é de que o novo júri dure até a próxima sexta-feira, 26. Por se tratar dos dois “cabeças” da chacina, a expectativa é de que nenhuma testemunha seja liberada, o que deve prolongar o julgamento por mais dias.
Marcílio, por exemplo, é acusado de ter convocado os policiais para a matança na região da Grande Messejana.
“Ele tem uma participação relevante. Teria trabalhado inclusive chamando as pessoas para isso [chacina]. Isso vai ser colocado durante os debates e durante o julgamento do processo. Mas que ele tem uma participação importante na chacina, isso já está claro dentro do processo”, explica o procurador-geral de Justiça do Ceará, Haley Carvalho.
Confira os resultados dos últimos julgamentos da chacina:
Após a absolvição de 21 dos 27 réus até aqui, os familiares das vítimas ainda se dizem confiantes para o júri final. Palavras como “perseverança” e “fé” são recorrentes nas falas de quem há dez anos luta pela condenação dos assassinos de seus entes queridos.
Um dos resultados mais contestados é o do último julgamento, que acusou sete policiais militares de omissão, já que estavam de serviço na madrugada daquele dia 12 e não impediram as mortes.
“Sabemos que tivemos absolvições mas também tivemos condenações. Hoje, esperamos também que seja condenação, mas se não vier, estamos preparadas para isso. Sabemos que podemos recorrer. É o que se espera dos demais que não foram condenados. Perder a gente já perdeu. A gente só tem que procurar justiça”, aponta Suderli de Lima, mãe de Jardel, morto na chacina aos 17 anos.
A esperança das famílias pela condenação provém da natureza da acusação dos julgados, que seriam peças-chave e evidentes para a articulação dos policiais. Para a Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE), assistente de acusação no caso, provas como plotagens de viaturas e exames balísticos vão apontar para a condenação.
“No processo fica claro. Existem laudos periciais, laudos sobre as armas, existem testemunhas, sobreviventes, gravações da Ciops que demonstram onde estavam viaturas em determinado momento, mensagens em grupos de policiais atestando a participação, então a prova é múltipla nesse sentido”, pontua o defensor público Leandro Bessa.
Dezesseis pessoas serão ouvidas entre defesa e acusação. Somados aos réus, 18 pessoas serão ouvidas ao longo desta semana.
Às vésperas do julgamento que irá decidir pela condenação ou não de Marcílio e Luciano, defesa dos policiais diz que a acusação do MPCE não passa de “ficção científica” e nega ligação entre as mortes.
O advogado dos réus, Walmir Medeiros, defende que o caso não se trata de uma chacina, já que as mortes foram realizadas em locais diferentes, e segundo ele, por motivos diferentes.
“A polícia não conseguiu descobrir quem atirou, aí criou-se a ficção científica de que era uma chacina. O que não é. Chacina tem que ser as mesmas pessoas que mataram pelo mesmo motivo. Morreram 11 pessoas em locais diferentes do bairro. Pode ter sido policial? Pode. Pode ter sido policial civil? Pode. Em um dos locais do crime toda a munição é da PC-CE. Tem algum policial civil sendo acusado? Não”, aponta Medeiros.
O advogado também criticou a investigação da Polícia Civil, alegando que elementos cruciais que poderiam levar aos executores foram deixados de fora porque "não interessam à narrativa".
Por fim, a defesa também acusou o MPCE de “querer culpar alguém” ao invés dos verdadeiros culpados, apenas para dar satisfação à opinião pública. Frente às provas apresentadas, a expectativa da defesa é de absolvição de Marcílio e Luciano.
“Estão acusando, mas não tem nenhuma prova disso. Não tem nenhuma perícia. Já viu aquele joguinho que a gente faz quando é pequeno? Ligar o queijo com o rato? O rato com o gato? Tem que ser feita essa ligação. Tal crime foi tal policial com tal arma com tal munição, que às tantas horas atirou. Não tem nada, só imaginação”, conclui.
Uma das mães de vítimas da chacina do Curió, em Fortaleza, relatou ter se mudado após ouvir ameaças no mês de agosto deste ano, período que acontecia o quarto júri do caso. O relato foi registrado durante o primeiro dia do quinto julgamento, nesta segunda-feira, 22.
Catarina Ferreira Cavalcante é mãe de Pedro Alcântara Barroso do Nascimento Filho, morto aos 18 anos, no dia 11 de novembro de 2015. Além de "Pedrinho", como a mãe o chamava carinhosamente, outros 10 foram mortos, destes, oito jovens. Mais sete pessoas ficaram feridas, algumas até hoje com sequelas físicas e psicológicas de uma trágica madrugada.
Catarina afirmou durante o julgamento que se mudou por medo, neste ano de 2025, antes do último julgamento do caso. Ela descreve que foi a um mercadinho, no mês de agosto. Durante o período que acontecia o quarto julgamento dos agentes de segurança que eram acusados de omissão e uma TV estava ligada no estabelecimento comercial.
A mãe, que também é testemunha da chacina, destacou que o noticiário local divulgava informações sobre o júri, e que um homem, dentro do comércio, começou a afirmar que um dos réus era vizinho dele e que seria julgado no mês de setembro. O homem dizia que "tem é que calar essas mães, elas estão falando muita besteira", afirma.
Diante da situação, a mãe se sentiu ameaçada e intimidada. Ela preferiu se mudar da região e morar em outro bairro. Durante as perguntas realizadas pelo Ministério Público do Ceará (MPCE), a mulher afirmou que tem medo de represálias, mas que precisa pedir Justiça pela morte do filho.
Dona Catarina afirmou que a vida dela é dividida entre o período com o filho e após a morte dele. A mulher afirmou que perdeu dois filhos. Seis meses antes da chacina, um filho havia morrido devido a um câncer. Depois da morte do segundo filho, ela ainda teve que lidar com problemas de saúde do marido e da mãe, que faleceu. Além de toda a situação de medo que envolvia o caso da chacina.
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Com informações das repórteres Mirla Nobre e Jéssika Sisnando
Atualizada às 12h58min de 22 de setembro de 2025