“Eu sei que ele vai ser só mais um que se foi e vai ficar por isso mesmo”, disse um parente do aluno Luiz Cláudio Sousa Oliveira Filho, 17, assassinado dentro da escola em Sobral, nessa quinta-feira, 26.
A família relata medo, insegurança e um cotidiano de violência que circunda os moradores do bairro Nova Caiçara, onde o menino morava.
O familiar, que não será identificado por motivos de segurança, descreveu Luiz como “menino carinhoso com todo mundo”. De acordo com o parente, ele estudava de manhã na escola de ensino médio Professor Luis Felipe e trabalhava à tarde.
“Infelizmente, o sonho dele foi cancelado por uma coisa que a gente não consegue entender. E o que mais dói é que estão colocando nas redes sociais que foi briga entre facções, eles não estão separando as coisas. Isso tá me doendo muito, porque ele está como um bandido. Ele não era bandido”, afirmou.
O jovem não é o primeiro a perder a vida em meio à violência armada que permeia o cotidiano dos moradores do bairro. Confrontos entre grupos criminosos rivais são comuns, afetando também aqueles que não estão envolvidos com as facções criminosas que regem o território.
O POVO mostrou que em janeiro de 2025, conforme um relatório da Polícia Civil, 14 crimes ocorreram dentro do residencial Caiçara no intervalo de uma semana, incluindo homicídios, lesões à bala e disparos de arma de fogo.
Chefes de facções investigados pelas forças de segurança estariam invadindo casas e decretando a morte até mesmo de crianças.
“Já morreu tanta gente, já vi tanta mãe sofrendo, criança já foi baleada, criança já foi morta aqui dentro e ninguém simplesmente faz nada e tudo fica por isso mesmo”, relata o familiar.
Outro morador do local, conhecido da família de Luiz Cláudio, também relata como a violência do local custou a vida do seu filho. “Quantos não perderam a vida aqui? Eu mesmo fui uma das vítimas. Perdi um filho também com 16 anos. Ele foi cortar o cabelo, passou na avenida e mataram ele”, conta.
“A minha indignação é uma pergunta que eu gostaria de fazer pro prefeito, para o governador do Estado. Quantas famílias mais vão ter que sofrer para tomarem uma atitude? Principalmente o pessoal aqui do Caiçara, por ser um local que eles isolam. Para eles, eu acho que aqui não é lugar. Eles abandonam o povo”, reclama o parente de Luiz. (Com informações de Mirla Nobre)
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A disputa de facções também afetou a vida de outro jovem do bairro Nova Caiçara. O menino, que estuda na mesma escola onde Luiz Cláudio frequentava e foi assassinado, pediu para ser transferido após receber ameaças.
A escola Professor Luis Felipe, localizada no bairro Campo dos Velhos, está dentro do território de uma facção rival do grupo criminoso que atua no bairro Nova Caiçara.
Um ofício enviado pela ONG Visão Mundial à Secretaria de Educação do Estado do Ceará (Seduc), no dia 4 de agosto passado, solicitou apoio para a transferência do adolescente.
Com medo de se deslocar do Nova Caiçara ao Campo dos Velhos, o adolescente acumulou 125 faltas na unidade escolar, resultando em sua ausência completa das aulas no primeiro semestre de 2025.
O acúmulo de ausências também colocou em risco a permanência do adolescente no programa Pé-de-Meia, do qual é beneficiário. A declaração indica ainda que o estudante possuía bom desempenho em suas atividades até o surgimento do quadro de risco.
“A nossa sugestão era que os alunos que estavam no Caiçara, não somente ele, mas diversos alunos que estão hoje morando e estudam na Luís Felipe pudessem estudar na escola da comunidade. Só que a escola da comunidade é uma escola profissionalizante, que só entra através de prova. A concorrência é grande”, explicou o gerente nacional de Advocacy e participação de Crianças e Adolescentes da ONG Visão Mundial Brasil, Regis Pereira.
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De acordo com a Seduc, em nota divulgada nesta sexta-feira, 26, a Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação (Crede) da área “têm tratado da referida solicitação, seguindo os trâmites necessários".
“Hoje o sistema educacional não comporta essas tristes novidades, os conflitos armados dentro dos territórios. Precisamos debater a viabilidade dessa ação de transferência para lugares mais seguros onde ficam suas comunidades, enquanto a gente não consegue encontrar uma solução mais ampla pro problema da segurança pública”, defende Regis.