A chegada da facção Terceiro Comando Puro (TCP) ao Ceará já repercute em casos de intolerância religiosa a povos de terreiros. Seis centros de ritos umbandistas fecharam ou sofreram ameaças, no intervalo de uma semana. Todos são localizados em Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).
Quatro terreiros deixaram de funcionar, dois no bairro Vila das Flores e dois no bairro Santa Marta. Pelo menos mais dois, dos Conjuntos Timbó e Jereissati I, foram advertidos para que também encerrem suas atividades. Os pedidos de ajuda foram disparados no fim da última semana.
O fato já é do conhecimento das autoridades. Um ofício foi encaminhado à Secretaria Estadual da Igualdade Racial (Seir) e também à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), cobrando providências. A comunicação foi feita por ativistas de movimentos sociais, religiosos e da cultura negra.
A situação estaria sendo conduzida com cautela, para se descobrir a real dimensão do problema.
A Delegacia de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Intolerância Religiosa ou Orientação Sexual (Decrin) deverá ser designada para a investigação. Cada um dos locais ameaçados tem cerca de 30 a 40 frequentadores.
Os criminosos da facção TCP, de origem carioca, têm histórico de ataques a ambientes de ritos afrorreligiosos com uso de métodos violentos, sempre sob o argumento de fé e radicalismo sustentado por ações ilícitas.
Há indicações de que mais casas religiosas possam ter sido procuradas, mas teriam silenciado com receio de novos ataques mais incisivos. Nenhum dos babalorixás, ialorixás ou filhos de santo quis se manifestar abertamente sobre as ameaças.
As informações foram repassadas por terceiros. "De fato as pessoas não estão querendo se expor. Existe um clima de medo muito grande", afirmou um dos interlocutores. O temor entre representantes do movimento umbandista é de que mais locais passem pela mesma situação.
Os casos aconteceram entre os dias 20 e 26 de setembro. Os locais foram abordados diretamente pelos criminosos ou contatados em ligações telefônicas ou mensagens intimidatórias por aplicativo.
O relato colhido pelo O POVO é de que os locais seriam atacados se não interrompessem suas celebrações, que aconteciam pelo menos uma vez por semana. Não há informações de agressões físicas ou atentados que antecederam os fechamentos.
"A Seir (Secretaria Estadual da Igualdade Racial) tem grande preocupação e estamos ainda em tratativas", afirmou ao O POVO a titular da pasta, Zelma Madeira, em troca de mensagens na segunda-feira, 29. Ela respondeu no intervalo de reuniões e disse que ainda iria se inteirar sobre os ocorridos.
Uma reunião está agendada com representantes dos povos de terreiros para hoje, 2, quando a Seir deverá fazer a escuta das vítimas e definir possíveis orientações.
Lideranças de terreiros de Maracanaú também tinham previsão de se reunir na noite desta terça, 30, no Município, para discutir as ocorrências recentes e o combate à violência contra os centros religiosos.
O POVO procurou as Secretarias da Igualdade Racial e a da Segurança Pública e Defesa Social, para detalhamento sobre os episódios contra os terreiros. A Seir respondeu que está em contato com a SSPDS e que as informações estavam alinhadas à resposta da pasta da Segurança.
Em nota, a SSPDS afirmou que "não há registro oficial sobre ameaças a terreiros, em Maracanaú - Área Integrada de Segurança 12 (AIS 12). Ainda assim, equipes das Forças de Segurança do Ceará, por meio da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) e Polícia Militar do Ceará (PMCE) foram mobilizadas para acompanhar a situação".
A pasta da Segurança disse que "destaca o compromisso com a proteção à liberdade religiosa" e reforça que "caso alguém sinta sua crença desrespeitada em público, em redes sociais ou for impedida de praticar sua fé, pode formalizar denúncia anônima".
TCP
No Estado, a facção Terceiro Comando Puro tem registro de presença desde meados de 2024
Como denunciar:
Telefone 181 ou site disquedenuncia181.sspds.ce.gov.br
WhatsApp (mensagens, áudios, vídeos e fotos):
(85) 3101 0181
Registro da ocorrência: delegaciaeletronica.ce.gov.br/beo
TCP tem histórico de ataques a religiões de matriz africana
A prática de ataque a religiões de matriz africana é uma das marcas da facção TCP. A organização criminosa, fundada no início dos anos 2000, tem histórico violento contra candomblecistas, umbandistas e de outros ritos afros.
Os membros se autodeclaram evangélicos, mas extrapolam o conceito de fé. A Estrela de Davi é o principal símbolo usado em seus "salves" .
No Ceará, o TCP tem registro de presença desde meados de 2024, com prisões e apreensões pontuais. Porém, no início da segunda quinzena deste setembro, fez seu desembarque mais efetivo no Estado.
Foi anunciada uma aliança do TCP com a facção cearense Guardiões do Estado (GDE). Ambas rivalizam com o Comando Vermelho (CV), também de origem fluminense. Disputam territórios locais para o comércio e tráfico de drogas. Passaram a se exibir em pichações por áreas dominadas pela GDE.
Maracanaú tinha 24 terreiros mapeados até o início de 2025, conforme levantamento recente feito por organizações não governamentais ligadas a movimentos sociais do município. Mas a estimativa é de haja cerca de 50 em funcionamento.