Uma intervenção próxima à Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) Professor Abreu Matos, em terreno na avenida Oliveira Paiva, causou um impasse entre a comunidade, após registro de vídeo na sexta-feira da semana passada, no dia 26 de setembro.
Na ocasião, uma máquina escavadeira foi vista derrubando uma área com remanescente de mata de Cerrado, no acesso pela rua Dr. José Furtado (próximo à rotatória do Lago Jacarey).
Segundo o presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Lago Jacarey (Unilago), Paulo Colares, o espaço pertenceria à empresa Idibra. A população teria sido informada que o local possuía uma parte com área de banhado.
A empresa responsável teria iniciado a ação em terreno contíguo à área de interesse ecológico, descreve Colares, sem comunicação prévia ou consulta à comunidade. Entre as críticas, o morador apontou a falta de placa de licença ambiental para o desmatamento.
O POVO visitou o espaço, na rua Dr. José Furtado, no domingo passado, 28. Na ocasião, após as críticas, uma placa já estava posicionada. No espaço de terra, foi possível observar marcas de uma escavadeira no chão.
Em nota, a Secretaria Municipal do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) informou que a empresa Idibra "possui licença ambiental vigente para a supressão/transplantio vegetal de 18 árvores em terreno localizado no bairro Cambeba".
O documento estabelece as espécies autorizadas para remoção, além da delimitação da área de vegetação herbácea/arbustiva que pode ser retirada.
"Como medida compensatória, a licença determina que a empresa realize o plantio de 865 mudas semi-adultas de espécies nativas, na Zona Especial Ambiental (ZEA) situada nas proximidades do empreendimento. O plantio deverá ser executado em até 90 dias após o início da supressão", completa.
A ação realizada para abertura de arruamento ocorreu em área pertencente à empresa.
A Arie Professor Abreu Matos foi criada a partir da Lei Ordinária nº 10.537, de 9 de setembro de 2016, com área total indicada de 188.371,5 metros quadrados. No espaço, "ficam proibidos usos, ocupações e atividades que impliquem a destruição de suas características naturais".
A proibição inclui a construção de vias, edifícios, equipamentos urbanos e outras estruturas que possam "pôr em risco a permeabilidade do solo ou a rede de drenagem superficial, a conservação do ecossistema e do geossistema, a proteção especial da biota, localmente rara, e a harmonia da paisagem natural".
Para o biólogo Thieres Pinto, um dos efeitos da devastação nas imediações da Área de Relevante Interesse Ecológico se relaciona com a possibilidade de alagamentos: "A área já é um ecossistema raro em Fortaleza, e essa biodiversidade pode acabar se perdendo, porque vão ter efeitos ali. Na questão hídrica, a ocupação lá pode causar também o próprio encharcamento maior daquela área e modificar bastante as condições", explica.
O espaço também é conhecido, ressalta o biólogo, pela presença de uma planta ameaçada de extinção: a Bacopa cochlearia. "É uma rasteirinha pequena, com a florzinha roxa, que só existe no mundo todo aqui em Fortaleza e nos Lençóis Maranhenses. É uma espécie raríssima", diz.
Plantios
Segundo a Seuma, a empresa - proprietária do terreno - possui licença ambiental e como medida compensatória vai realizar o plantio de 865 mudas semi-adultas de espécies nativas
Moradores não têm opinião unânime
Em visita do O POVO ao local, um dos moradores, Bruno Monteiro, 23, relatou que, após a movimentação, cobras e cassacos (gambá-de-orelha-branca) já foram vistos saindo da mata em direção à rua.
Outros moradores, ao serem questionados sobre a intervenção, declararam não ter notado a presença de animais nos arredores. Por outro lado, comentaram que a construção poderia beneficiar a região.
Na tarde da sexta-feira passada, 26, a Seuma informou que, ao lado de equipe da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), realizou vistoria no local e constatou que a construtora Idibra "estava em conformidade com as determinações previstas na licença ambiental".
Diante de novas denúncias sobre possíveis irregularidades, a secretaria informou que uma equipe esteve no local, na segunda-feira, 29, a fim de realizar uma vistoria e não constatou nenhuma irregularidade.
O POVO entrou em contato com a empresa Idibra, mas não recebeu retorno da área de comunicação até o fechamento desta matéria.
A Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) também foi questionada, mas não houve resposta.