As pessoas interessadas em adotar e os guardiões de crianças e adolescentes em situação de orfandade receberam atendimento da Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) nesta quarta-feira, 22, para regularização da guarda durante o mutirão Abraçar, em Fortaleza.
LEIA MAIS | Suspeito de desviar recursos de programa federal de escola no Crato é preso no Rio
Os atendimentos da ação iniciaram na terça-feira, 21, e seguem até quinta-feira, 23, na carreta da DPCE, estacionada em frente à sede do Núcleo de Atendimento da Infância e da Juventude (Nadij), no bairro Cidade dos Funcionários, em Fortaleza.
A irregularidade ocorre quando uma criança está sendo cuidada por uma família (que pode ser um parente, um vizinho, um amigo, ou uma madrinha) por um longo período, mas não há representação legal judicialmente regulamentada.
Durante a iniciativa, serão atendidas 57 pessoas previamente inscritas. Dentre as famílias inscritas nesta edição, há casos de crianças e adolescentes que foram informalmente adotados por outras famílias e nunca regularizaram a situação, ou foram criados por parentes e desejam sair da informalidade.
As situações de orfandade envolvem crianças e adolescentes que perderam os pais ou principais cuidadores para a violência urbana; feminicídio ou em decorrência de doenças graves.
Uma das guardiãs que aguardavam atendimento, Maria da Conceição Silva, 48, está dando entrada no processo de adoção de uma criança que acolheu desde os 21 dias de nascida, após a mãe biológica ter sido assassinada.
“A mãe dele foi retirada da nossa comunidade. Ela foi expulsa, não foi retirada. Levaram ela e ela foi encontrada morta três dias depois”, relata Maria, proprietária de uma quitanda de frutas, sem saber a motivação da violência.
A guardiã detalha a situação de abandono da criança, que ficou "jogada" e passou por muitas mãos até que Maria, que trabalha há 20 anos com projetos comunitários, decidiu acolhê-la.
“Quando eu conheci a história dele, eu tentei me aproximar da história, porque nem a própria família dela, que convivia na comunidade, quiseram a criança. Eles foram embora e a criança ficou jogada na comunidade”, recorda.
A situação do menino é particularmente vulnerável, pois ele não foi registrado pela falecida mãe. Maria conta que sua principal motivação para buscar o processo legal de adoção é a necessidade de regularizar a situação dele — que ainda não possui registro civil.
Ela usa apenas a certificação de "nascido vivo" — para matricular na escola e garantir acesso pleno a tratamentos médicos e outros benefícios.
Maria da Conceição buscou ajuda legal após cinco anos de convivência para garantir o registro e a guarda definitiva. Ela explica que foi orientada a ter um período de adaptação de cinco anos antes de dar entrada na papelada e agora sente que é o momento certo para registrar legalmente a criança.
A regra para a adoção legal no Brasil é se inscrever no Sistema Nacional de Adoção (SNA) e adotar uma criança ou adolescente que esteja disponível para adoção, geralmente aqueles que estão em acolhimento (abrigos) ou em famílias acolhedoras.
De acordo com a defensora pública Noêmia Landim, supervisora do Nadij, a Defensoria Pública atua estritamente dentro da lei.
Se um caso de adoção for considerado ilegal — por exemplo, se a intenção for burlar a lei ou se alguém registrar uma criança recém-nascida como seu filho sabendo que não é, o que constitui crime — a Defensoria não atuará.
O mutirão integra a 3ª edição da campanha Abraçar A Defensoria Pública realiza a campanha Abraçar após ter sido “provocada” pela Articulação em Apoio à Orfandade de Crianças e Adolescentes (Aoca), para chamar a atenção para o serviço feito cotidianamente pelo órgão, que visa garantir a segurança jurídica dessas famílias e dos jovens , realizada pela DPCE em parceria com a Articulação em Apoio à Orfandade de Crianças e Adolescentes por Covid-19 (AOCA), que conta com a atuação de defensoras e defensores públicos, além da equipe psicossocial da instituição e da AOCA.
Na local, também há uma equipe que esclarece dúvidas de pessoas que vivem com crianças e adolescentes em orfandade.
O trabalho da Aoca junto com a Defensoria busca localizar e prestar suporte (financeiro, psicológico e legal) a essas crianças que lidam com a orfandade de cuidadores principais (mãe, pai ou avó) e a necessidade de regularização de guarda.
Mais de 90 famílias foram beneficiadas com atendimentos psicossociais, ações de formalização da guarda e o encaminhamento de demandas por meio do Mutirão Abraçar, em edições anteriores, conforme as informações da Defensoria.
A corretora de planos de saúde, Flávia Almeida, 43, busca a adoção legal para garantir os direitos e o bem-estar de uma adolescente, que já a reconhece como mãe e deseja usar seu sobrenome.
A decisão de dar entrada no processo de regularização da guarda ocorreu após um longo período de convivência irregular e foi motivada pela urgência de garantir os direitos da adolescente, que já completou 15 anos.
A situação irregular criava barreiras em diversas áreas da vida da adolescente. Flávia comenta que não podia responder por ela em situações complexas.
“Eu não posso fazer uma viagem com ela. Tudo que eu vou fazer assim de mais complexo, eu não tenho como responder por ela. E ela já tá uma mocinha. (...) E ela diz muito: ‘Mãe, quando é que eu vou poder assinar o seu nome?’”, diz Flávia.
Nesse sentido, a defensora pública Noêmia explica que a atuação da Defensoria é necessária para garantir a segurança e estabilidade às famílias cuidadoras.
“Como se trata de menores de 18 anos, a regularização precisa ser feita judicialmente. Iniciamos esse processo durante o mutirão e asseguramos que essas crianças e adolescentes sejam incluídos em políticas públicas voltadas ao seu desenvolvimento”, comunica.
Instituições como escolas, hospitais, Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) exigem o registro ou a comprovação de quem é o responsável legal de crianças e adolescentes.
Para realizar a regularização, é preciso passar por atendimento com defensores que irão compreender a situação, analisar os documentos e reunir todas as informações necessárias para dar entrada na ação judicial. A estratégia jurídica tomada é definida após a análise de cada caso.
O mutirão analisa cada situação para determinar o que é mais adequado para o bem-estar da criança e do adolescente: guarda, tutela ou adoção.
Ao entrar com a ação de guarda, a Defensoria solicita a guarda provisória como uma medida urgente para dar um respaldo imediato às famílias.
Com a guarda provisória, já é possível resolver todas as pendências da criança, o que pode ser obtido em cerca de um ou dois meses, dependendo da vara judicial.
Como são ações que envolvem menores de 18 anos, todos os casos são obrigatoriamente levados à Justiça e precisam de uma decisão de um(a) juiz(a) para serem concluídos.
“As pessoas não procuram (a Defensoria), porque a maioria da população pensa que uma ação como essa vai tomar as crianças. Nossa intenção é o contrário, é regularizar para que essa pessoa tenha segurança jurídica, que essa pessoa possa cuidar da criança ou do adolescente sem medo”, esclarece a defensora.
Para a professora Ângela Pinheiro, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), integrante do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisa sobre a Criança e representante da Aoca, que atua desde 2021, o mutirão tem se mostrado um importante instrumento de mobilização social.
“É fundamental chamar atenção para as consequências da orfandade na vida de uma criança. Essa iniciativa é decisiva na busca pela garantia de direitos e pela proteção integral”, destaca.