O povo quilombola do município de Jardim, distante 482 quilômetros de Fortaleza, conquistou uma importante vitória na luta fundiária. Nessa quarta-feira, 19, 208 famílias da Comunidade Serra dos Mulatos receberam o título coletivo de propriedade das terras onde moram, e que até então, pertenciam ao Governo do Estado do Ceará.
Todo o processo para a entrega legal das terras começou em 2021, quando a comunidade foi oficialmente reconhecida como quilombola pela Fundação Cultural Palmares. Em documento assinado nessa quarta-feira, no Palácio da Abolição, a propriedade do território foi oficialmente repassado para a Associação de Remanescentes de Quilombo da Serra dos Mulatos, que representa os moradores do local.
"Todo o processo é bem doloroso. Dentro dos territórios não é fácil a gente avançar. A gente busca parcerias dos amigos para poder vencer. Em cinco anos teve muito choro, mas hoje se chorar é de alegria porque a gente avançou grandemente. Para os territórios a titulação é para todo o sempre", conta Josiana Lima, 38, moradora da Serra dos Mulatos e membro da Associação de Remanescentes.
Na prática, o papel assinado por autoridades do Governo do Estado e lideranças quilombolas nesta manhã protege os moradores da Serra dos Mulatos da especulação imobiliária e qualquer outro invasor que queira se apropriar das terras.
Para o superintendente do Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), órgão que tocou o repasse das terras do Estado para a Associação, João Alfredo (Psol), a titulação é a garantia de um futuro mais seguro e quitação de uma dívida centenária com os quilombolas.
"Sabemos que os remanescentes de quilombos são essas áreas onde as pessoas escravizadas tiveram que se refugiar, se reconstituir lá atrás em função de todo o processo de escravização e violência. Reconhecer essa propriedade em nome deles hoje é uma reparação histórica", afirma o superintendente.
Junto aos aplausos e sorrisos pela conquista do título de propriedade nessa manhã esteve também a cobrança por mais políticas públicas dentro da Serra dos Mulatos. Por diversas vezes os moradores cobraram o prefeito de Jardim, Dr. Coutinho (PT) e o governador do Estado, Elmano de Freitas (PT) por melhores condições de saúde e educação.
"Com essa titulação a gente espera se Deus quiser o avanço na educação. É um sonho a gente ter uma escola de ensino médio no território. É muito importante para o reconhecimento da nossa história. E aí vem a saúde em conjunto que também é importante de a gente avançar", pondera Josiana Lima, 38, moradora da Serra dos Mulatos e membro da Associação de Remanescentes.
Questionado sobre a construção de uma escola na localidade, Elmano afirmou ter recebido a demanda também nesta manhã e se comprometeu a analisar a construção de uma escola de tempo integral com recursos estaduais e do Ministério da Educação (MEC).
"No nosso projeto obviamente que povos indígenas e quilombolas têm que estar fazendo parte e assim vamos poder incluir essa possibilidade [de ter a escola]. Também vou buscar conversar com o ministro Camilo pra ver a possibilidade de parceria entre o Governo do Estado e o Governo Federal", pontuou Elmano.
A nível municipal, a resposta às demandas foi feita pelo prefeito, que projetou universalizar o acesso à água encanada até o final do ano e destacou a construção novas Unidades Básicas de Saúde (UBS).
"Até o final do ano vamos levar água encanada para todas as casas. Estamos construindo lá unidades básicas de saúde para que a comunidade tenha acesso de qualidade ao seu posto de saúde", finalizou o gestor.
A Serra dos Mulatos foi apenas a segunda comunidade quilombola a ter seu território reconhecido pelo Estado. Antes dela, apenas a comunidade do Sítio Arruda, do município de Salitre, havia recebido o direito legal à terra.
A defasagem desse reconhecimento ainda é grande no Estado, já que oficialmente, 109 comunidades quilombolas são reconhecidas no Ceará. Entretanto, esse número tende a ser ainda maior, com pelo menos 123 grupos estimados pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
"Esse momento é muito oportuno para que as outras comunidades se animem também nesse processo, para que possa acelerar. São pessoas que estão organizadas, têm associação do quilombo, estão atrás de certificação... quem tem certificação já correndo atrás fazer o processo junto ao Incra. Aguardando todos os processos. E enquanto se aguarda, eles não estão parados", comenta a titular da Secretaria da Igualdade Racial do Ceará (Seir), Zelma Madeira.
Uma das comunidades que ainda esperam pela titulação é o quilombo do Cumbe, no município de Aracati. Lideranças da região contam que o processo é burocrático e já se arrasta por mais de 10 anos, desde o reconhecimento da existência no Incra até as fases atuais.
"A gente está na fase de elaboração o RTID, que é o relatório técnico que vai dizer onde o território começa e onde ele termina. É um processo muito demorado, moroso. Já completou dez anos e a gente ainda vem nessa luta para avançar da comunidade quilombola e pesqueira no litoral do Estado.
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