Em 2024 o Ceará registrou 15.947 casos de mortes que foram ocasionadas por doenças do aparelho circulatório. Desses, 5.484 ocorreram entre indivíduos de 30 a 69 anos de idade — o maior número de óbitos considerados prematuros registrado na unidade federativa durante a última década.
Leia também | Tomar melatonina para dormir traz riscos? Especialistas explicam
Dados constam no Boletim Epidemiológico da Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa), divulgado em outubro e que considera índices contabilizados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).
Conforme levantamento, que traz o ranking de mortes por causas básicas de óbito, as patologias do aparelho circulatório (sistema que inclui coração, vasos sanguíneos e sangue) foram as que mais causaram mortes no Estado ao longo do ano passado.
Em seguida aparecem: neoplasias malignas (tumores), causas externas de morbidade e mortalidade, doenças do aparelho respiratório e doenças do aparelho digestivo.
Se analisados os últimos dez anos (2015-2024), foram 154.500 mortes no Ceará ao em razão de doenças do aparelho circulatório, com 50.777 desses óbitos acontecendo de forma prematura. O ano de 2024 foi o período que mais registrou casos desse segundo grupo ao longo da última decáda.
Considerando o período e as faixas etárias que configuram morte prematura, 3,9% foram entre 30 e 39 anos, 9,5% entre 40 e 49 anos, 19,4% entre 50 e 59 anos, e 32,3% entre 60 e 69 anos.
Entre as doenças do aparelho circulatório, o infarto agudo do miocárdio (IAM), ou ataque cardíaco, foi a que mais causou morte prematura em todos os dez anos analisados.
Só em 2024 foram contabilizados 35,8 óbitos desse tipo a cada 100 mil habitantes com idades de 30 a 69 anos no Ceará. Além do IAM, aparecem: Acidente Vascular Cerebral (AVC) (7/100mil); hemorragia intracerebral (7,4/100mil); insuficiência cardíaca (8,7/100mil) e cardiomiopatias (5,5/100mil).
Na análise geral, dos 50.777 óbitos prematuros registrados nos últimos dez anos, a maior proporção de mortes foi registrada no sexo masculino (38,6%), quando comparada ao sexo feminino (26,5%).
Danielli Lino, cardiologista e coordenadora do Serviço de Cardiologia do Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM), explica que mortes por doenças do aparelho circulatório são consideradas prematuras entre pessoas de 30 a 69 anos por fugir daquilo que "se é esperado" em termos sociais.
"Essa (classificação de morte prematura) é um dos indicadores epidemiológicos que a saúde pública utiliza na monitorização de indicadores em Saúde. Naturalmente espera-se esses óbitos em idades avançadas", explica a especialista.
Em relação ao aumento de óbitos por essas doenças no Estado, Lino explica que a presença de eventos cardiovasculares em indivíduos mais jovens "é um movimento epidemiológico observado no mundo", sendo atribuído a fatores de risco tradicionais, tais como dieta inadequada (obesidade), sedentarismo, tabagismo, hipertensão arterial, diabetes, entre outros fatores.
No recorte de gênero, a profissional explica que o maior óbitos de homens, entre outros fatores, tem a influência de que, durante a pré-menopausa, as mulheres têm uma “proteção hormonal natural na ocorrência de eventos cardiovasculares".
No entanto, na fase pós-menopausa, esses "riscos se equiparam aos sofridos pelo sexo masculino". A cardiologista pontua que "historicamente, homens tendem a acumular fatores de risco mais cedo e de forma mais intensa do que as mulheres".
"Porém, devemos lembrar que, no público feminino, muitas vezes, por negligenciar sintomas atípicos nessa população, os desfechos clínicos são piores, devendo ter um melhor olhar na assistência para o público feminino", defende a especialista.
A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) elenca como principais sinais indicativos de doenças cardiovasculares: dor ou desconforto no centro do peito; dor ou desconforto nos braços, ombro esquerdo, cotovelos, mandíbula ou costas; dificuldade em respirar ou falta de ar; sensação de enjoo ou vômito; sensação de desmaio ou tontura; suor frio; e palidez.
Conforme Danielli Lino, a genética pode contribuir para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, no entanto, "o peso maior encontra-se na presença de fatores de risco mais tradicionais", como: pressão arterial elevada (hipertensão arterial), glicemia alta (diabetes), dislipidemia (problemas de colesterol alto), sobrepeso e obesidade, estresse, distúrbios do sono, sedentarismo, entre outros fatores.
"A redução da morbimortalidade depende de políticas preventivas, detecção precoce e tratamento destas comorbidades e doenças associadas", aponta a coordenadora do Serviço de Cardiologia do HM.
Hábitos para evitar doenças do aparelho :
Fonte: Danielli Lino, coordenadora do Serviço de Cardiologia do Hospital de Messejana (HM).
Já em relação ao Infarto Agudo do Miocárdio, que lidera como principal causa de mortes prematuras entre essas doenças, a cardiologista pontua que no comparativo dos últimos anos a doença apresentou a menor taxa da série em 2023 e 2024, registrando em ambos os anos 35,8 óbitos a cada 100mil habitantes dessa faixa etária. Fato que ela atribui a "políticas públicas atuais vigentes no atendimento destes pacientes".
Conforme Lino, o infarto é causado pela obstrução de vasos que levam sangue ao coração (chamadas artérias coronárias). "Elas entopem pois uma placa de gordura que está nesses vasos se rompem e é formado um coágulo que acaba prejudicando a passagem de sangue e faltando oxigênio para o músculo do coração, causando a morte de suas células e podendo levar a arritmias fatais e morte súbita", diz.
Para evitar esse quadro, segundo cardiologista, é necessário seguir o mesmo caminho de precaução a doenças cardiovasculares no geral, combatendo fatores de risco comportamentais.
Procurada pelo O POVO, a Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa) pontuou que as ações primárias de prevenção e promoção da saúde, como vacinação e exames de rotina são realizadas pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS), gerenciadas pelos municípios, cabendo ao Estado planejar e coordenar ações de saúde, prestando "apoio técnico e financeiro" e gerenciam redes de atenção de maior complexidade.
Qualquer unidade da pasta pode atender pacientes com doenças cardiovasculares, mas o Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM) é "a principal referência para atendimento de alta complexidade em doenças cardiovasculares entre as unidades geridas pelo Estado". Além disso, a pasta pontua que há 11 unidades especializadas contratualizadas por meio de edital lançado neste ano.
"A Saúde do Ceará monitora os óbitos relacionados a essas doenças e desenvolve ações de fortalecimento da Atenção Primária nos municípios", destaca, citando entre ações o projeto “Braços Abertos: atenção desde o primeiro cuidado”, que visa "organizar e qualificar a Atenção Primária à Saúde, ampliando a eficiência de toda a rede de atenção".
"A Sesa reforça seu compromisso com o fortalecimento contínuo da rede pública de saúde, atuando de forma integrada com os municípios e o Ministério da Saúde para ampliar o acesso, qualificar a assistência e garantir que a população cearense receba cuidado oportuno e resolutivo em todos os níveis de atenção", diz.