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Morada Nova: faccionados teriam feito empréstimos para políticos
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Morada Nova: faccionados teriam feito empréstimos para políticos

|Crime |Mensagens mostram que um atentado chegou a ser cogitado contra um vereador que não teria quitado uma dívida de R$ 300 mil que teria contraído com um dos suspeitos
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VISTA de Morada Nova (Foto: Divulgação/MPCE)
Foto: Divulgação/MPCE VISTA de Morada Nova

Suspeitos de integrar facções criminosas teriam emprestado dinheiro para políticos que concorreram às eleições de 2024 em Morada Nova, município do Vale do Jaguaribe. Documentos aos quais O POVO teve acesso indicam que, pelo menos, três candidatos a vereador e um candidato a prefeito teriam recebido valores que variaram entre R$ 100 e 375 mil. Os políticos negaram ter recebido valores indevidos para as suas campanhas, afirmando que sequer conhecem os suspeitos mencionados.

As suspeitas vieram à tona durante investigações da Polícia Civil do Ceará (PC-CE) contra integrantes da facção criminosa Guardiões do Estado (GDE). Em 18 de fevereiro deste ano, Saul Sales Farias, de 29 anos, foi preso suspeito de ser responsável por lavar o dinheiro obtido pela GDE com o tráfico de drogas. Na ação policial, Saul teve celulares apreendidos. A extração dos dados dos aparelhos mostrou que uma das formas utilizadas por ele para lavar o dinheiro era através de empréstimos mediante pagamento de juros ("agiotagem").

Em uma das conversas, Saul afirma que não é "batizado" na facção e que não comercializava drogas, mas que emprestava dinheiro para membros da GDE, incluindo Bruno Gomes Castro Lima, o "Príncipe" — um dos líderes da facção em Morada Nova e que foi preso em Santa Catarina em 2023. "Tinha amizade com tudinho porque estavam tudo do mesmo lado, emprestei dinheiro a 'J', emprestei dinheiro a 'Príncipe', tirei um bocado de gente do prego, todo dia era depositando dinheiro para esses homens aí, para o 'Príncipe', R$ 8.000, 9.000, Felipe chegava lá, eu corria para o banco, LAVANDO DINHEIRO para esses caras", afirmou Saul em dezembro de 2024, conforme relatório técnico produzido pela Delegacia Regional de Russas, município vizinho a Morada Nova.

O mesmo relatório também mostra Saul conversando, em 2024, com Regis Rumão (PP), que assumiu o cargo de vereador de Morada Nova após ficar na suplência nas eleições do ano passado. Saul teria emprestado R$ 300 mil para a campanha do então candidato, mas não teria sido pago e, por isso, chegou a cogitar um atentado contra Regis. "Macho eu quero receber mais nada do 'Regis Romão' aí não, vamos sapecar logo ele aí que é para os outros pegar exemplos, ele tem que ser o primeiro, macho, não vai quebra tu não R$ 300.000,00, quebrar esse vagabundo aí" (sic), afirmou Saul a um interlocutor, conforme a transcrição policial. O POVO não conseguiu contato com Régis.

Outro vereador eleito citado por Saul é Weder Basílio (PP). Saul afirmou que Weder estaria "pegando dinheiro de um chefe do PCC (Primeiro Comando da Capital)". Ele ainda diz que o vereador teria como justificar o valor recebido por ser "proprietário de máquinas". Saul também cita Marco Antônio de Araújo Bica Júnior, o "Marquinho da Ana" (PT), que concorreu ao cargo de prefeito de Morada Nova e ficou na segunda posição, com 48,33% dos votos válidos. Nas conversas, Saul disse ter emprestado R$ 375 mil a Marquinho da Ana, que, hoje, é superintendente de Obras Hidráulicas no Governo do Estado. Na extração de dados, ainda foi encontrado um comprovante de transferência no valor de R$ 100 mil que Lucia Gleidevânia Rabelo — a Gleide Rabelo (PT), que se elegeu vereadora de Morada Nova — teria feito a Saul em 27 de dezembro de 2024.

Saul não consta como doador de nenhuma campanha política em 2024, conforme o portal de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O POVO entrou em contato nessa segunda-feira, 22, com o Ministério Público Estadual (MPCE) para saber se algum procedimento eleitoral havia sido instaurado para apurar o caso, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.

 

O que dizem os políticos citados

Em nota, Marco Bica afirmou não ter nenhuma relação com Saul. Ele ressaltou que todos os recursos utilizados em sua campanha à Prefeitura foram devidamente declarados à Justiça Eleitoral e também reforçou que não responde a nenhum processo criminal. "Cabem às autoridades competentes a séria investigação e afirmo que estou totalmente à disposição para prestar qualquer esclarecimento necessário e comprovar que não existe envolvimento da minha parte", continuou o gestor na nota. "Reforço que a imputação é vazia e sem fundamento".

Gleide Rabelo, por sua vez, afirmou que todas as suas contas foram aprovadas pela Justiça Eleitoral e que desconhece qualquer "denúncia ou investigação" citando o seu nome. Ela afirmou que sequer foi chamada a prestar esclarecimentos por qualquer autoridade. "Coloco-me inteiramente à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos que se façam necessários, confiando nas instituições e no devido processo legal", manifestou-se a vereadora. "Reitero meu compromisso com a verdade e com o respeito às leis, repudiando a divulgação de informações distorcidas ou sem fundamento".

Já o vereador Weder Basilio foi cassado no último dia 6 de outubro em decisão da 47ª Zona Eleitoral de Morada Nova. A condenação de primeiro grau, porém, diz respeito a uma acusação de compra de votos. No dia da eleição, dois apoiadores dele foram presos em flagrante com R$ 3.066 em espécie e materiais de campanha. Quebra do sigilo dos dados telemáticos dos celulares dos suspeitos mostra que eles estavam comprando votos de eleitores. "Macho, lá no (Distrito) Roldão tem um menino que votou no Weder na outra (eleição), votou no 13 (PT)", afirmou um deles em áudios obtidos pela Polícia Federal.

Weder negou ter comprado votos na eleição, afirmando que os crimes imputados aos apoiadores não poderiam ser atribuídos automaticamente a ele. O Ministério Público Eleitoral (MPE), porém, também citava a quebra do sigilo bancário dos suspeitos, que contas associadas a Weder movimentaram mais de R$ 17 milhões em cerca de 16 meses, valores que foram transferidos, inclusive, aos apoiadores presos em flagrante. Weder se defende afirmando que o dinheiro movimentado refere-se a atividades lícitas, como a compra de equipamentos agrícolas por parte de sua empresa e a antecipação de cheques pré-datados. O político, que, com 3.114 votos, foi o mais eleito de Morada Nova, recorre da cassação do mandato.

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