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Impactos para pacientes e sociedade
Ciência e Saúde

Impactos para pacientes e sociedade

O médico intensivista Paulo César de Souza pontua que tratamentos nas UTIs são necessários, mas trazem consequências
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Tipo Notícia
Diretor de ensino e pesquisa da UnitedHealth Group (UHG) Brasil, Paulo César de Souza (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Diretor de ensino e pesquisa da UnitedHealth Group (UHG) Brasil, Paulo César de Souza

Os cuidados especiais com pacientes que recebem alta hospitalar após contraírem a Covid-19 foi tema da palestra ministrada pelo médico intensivista Paulo César de Souza, diretor de ensino e pesquisa da UnitedHealth Group (UHG) Brasil no Summit Internacional Americas. O evento online foi realizado pelo grupo médico-hospitalar Americas Serviços Médicos no dia 23 de julho. Em entrevista ao O POVO, Souza explica sobre uma síndrome que pode acometer pacientes após internação em terapia intensiva — não só nos casos de Covid-19 — e os possíveis impactos das sequelas tanto para o próprio paciente quanto para a sociedade. (Gabriela Custódio)

O POVO - O que é a Síndrome Pós-Terapia Intensiva?

Paulo César de Souza - O doente, no período que está na terapia intensiva, sofre uma série de intervenções que visam mantê-lo vivo, como sedação, vários tratamentos, intubação, uso de drogas. Eles têm uma série de regulamentação da pressão, do metabolismo da glicose. É o que faz salvar a vida. Elas são necessárias, mas não são inócuas, não são isentas de algumas consequências. A síndrome se caracteriza, de forma objetiva, por três grandes distúrbios: cognitivos, psiquiátricos e clínicos. Os distúrbios cognitivos são alteração de memória, perda de atenção, alterações psicomotoras. As pessoas se tornam impulsivas, perdem um pouco da visão espacial, da ideia de dia e noite. Os psiquiátricos são ansiedade, que pode chegar a situações de pânico, de pavor, ou depressão, isso varia. E o que se está, genericamente, se chamando de episódios de estresse pós-traumático. E, em terceiro lugar, os clínicos: tem distúrbios da função pulmonar, talvez os mais conhecidos nesse episódio da Covid-19, mas também têm outros, como disfunção sexual e redução da tolerância a exercícios. Tem as neuropatias, com fraqueza muscular, a pessoa fica dormente. E uma coisa comum é o cansaço, a fadiga. Parece que a pessoa fez um esforço imenso e está em repouso.

OP - Para além da Covid-19, existem pesquisas que mostram a quantidade de pacientes que desenvolvem essa síndrome?

Paulo César - Tem estudos de vários anos mostrando que alguns pacientes saem da terapia intensiva com esses distúrbios, e alguns são muito mais frequentes, como o delirium, uma alteração psiquiátrica que a incidência varia de 30% a 80%. É muito variável, mas é muito frequente e tem a ver com a gravidade, o tempo que o paciente ficou na UTI e também com a condição pré-existente. Tudo isso é pior quando você tem um paciente mais idoso ou com menos idade, mas com doenças associadas. Outro grande impacto é na esfera neuromuscular, que é a polineuropatia e a neuropatia de doente grave que já incide entre 25% e 45% dos pacientes, dependendo também do tempo que ficam, que remédios tomam.

OP - O senhor também falou na palestra sobre impactos sociais. Quais são eles?

Paulo César - Vemos um impacto muito grande porque as pessoas perdem emprego, não conseguem voltar para o mesmo emprego, têm perda de independência, da autonomia, dependem de cuidadores. E há algumas questões que ainda não estão bem esclarecidas (em relação à Covid-19), que é o número de doentes que voltam para o hospital e precisam de uma nova internação. Acho que vão começar a surgir os estudos agora. Vai gerar um custo para a sociedade muito grande.

OP - Quais os possíveis impactos na realidade brasileira?

Paulo César - Esse cuidado pós-alta é tão ou quase tão importante quanto o que se faz dentro do hospital, porque não adianta dar alta e depois ele não ter condições de fazer o tratamento adequado, uma reabilitação de qualidade, por qualquer que seja o motivo. Então, acho que nos ambientes que têm mais desigualdade — não especificamente só no Brasil, mas em todos os cenários em que o acesso a uma assistência médica mais qualificada é limitada — isso vai ser um problema se não tornarmos essa discussão relevante.

OP - O que são e qual o papel das instituições de transição de cuidados?

Paulo César - São as instituições em que não se precisa ter recursos de tecnologia sofisticados, equipamentos muito caros, mas têm um cuidado muito grande ao paciente, seja clínico ou de reabilitação. O doente sai do hospital, faz um "pit stop" nessas instituições de transição e depois tem uma continuação do acompanhamento em casa. Temos poucas instituições de transição de cuidados qualificadas no Brasil, considerando a população que talvez necessite disso.

OP - Quais são as lacunas que o senhor percebe?

Paulo César - Eu não conheço aqui no Rio (de Janeiro), onde eu vivo, organizações que montaram times ambulatoriais multidisciplinares em que se tem profissionais que não são normalmente aqueles de ambulatório: intensivistas, hospitalistas, pessoas que atuam no hospital e que passam atender fora. (Também) a integração com a Atenção Primária, porque eles cuidam do paciente como um todo e trabalham junto com a comunidade.

 

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