João Felipe tinha 5 anos quando começou a ter dificuldades para dormir. O garoto, elogiado pelas professoras por ser “bem comportado”, tinha também começado a se isolar dos colegas da turma. “Ele sempre dizia que era 'a pior criança do mundo'. Se achava muito inferior às outras crianças da escola, dizia que era burro, inútil…”, relata a mãe. “No médico, entendemos que até esse bom comportamento era um sinal, ele estava desanimado e também estava se distanciando do bullying"
Cinco anos depois, o menino tem acompanhamento psicoterapêutico e toma medicações diárias. “Quando me falaram o diagnóstico dele, eu fiquei muito nervosa; mas me falaram uma frase que não esqueci mais: diagnóstico não é âncora, é mapa”, conta a mãe, Maria de Fátima. “Explicaram que o diagnóstico iria ajudar os profissionais a entender os melhores caminhos do tratamento. Assim tem sido feito e hoje ele está mais estável. O mais importante é ter em mente que o processo de cura não é linear, tem altos e baixos.” O POVO usa nomes fictícios de pais e crianças para preservar a intimidade das famílias.
Denominada como "o mal do século XXI" pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão é um transtorno psicológico relativamente comum que é caracterizado por tristeza persistente e falta de interesse para realizar atividades que antes eram consideradas divertidas. “Ela pode ser acompanhada de uma série de alterações fisiológicas, principalmente de sono e de apetite, para mais ou para menos”, explica Roberto Santoro, psiquiatra e coordenador do Grupo de Trabalho de Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Fatores ambientais e hereditariedade compõem a rede complexa de fatores que podem levar a um quadro depressivo. Como nos adultos, luto, perdas, dificuldade de adaptação a novas rotinas e ambientes estão entre situações estressoras. Separação dos pais também tem peso extra para crianças. Comportamentos abusivos nos espaços em que o pequeno convive potencializam os riscos.
Os pequenos, é claro, não estão imunes à tristeza, a acordar sem vontade de se relacionar com as pessoas ou ao mau humor, como qualquer pessoa. O que se aconselha é tentar entender o contexto e observar a duração desses sentimentos, a intensidade e de que maneira eles estão afetando a vida.
Se não observado, o transtorno pode ter repercussões na adolescência e na vida adulta. “Pode perturbar os processos de desenvolvimento, como a escolarização e as relações interpessoais. Além disso, a frequência de episódios depressivos pode criar uma predisposição para que a pessoa tenha episódios recorrentes ao longo da vida”, aponta Santoro.
"A qualquer sinal de mudança brusca, é importante buscar ajuda profissional. Muitas vezes, as crianças ainda não têm um repertório suficiente para expressar o que estão sentindo e passando", ressalta a psicóloga clínica Jéssica Rosa. O tratamento envolve psicoterapia, ajustes na rotina e combinação de medicamentos que são adaptados à gravidade dos sintomas e como eles afetam o dia a dia.
A depressão infantil pode ter sinais diferentes daqueles característicos ao transtorno em adultos. Por isso, a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda ficar atento. Confira alguns sinais para ficar alerta:
Esses sintomas devem ser observados por mais de duas semanas e acarretar prejuízo funcional ou social
Diante da suspeita é essencial investigar o comportamento da criança em outros ambientes — na escola, nas atividades extracurriculares e em casas de familiares e amigos — e buscar atendimento profissional de pediatra, psicólogo ou psiquiatra.
Mundialmente, uma em cada quatro crianças e adolescentes possui sintomas clínicos de depressão nos dois anos mais recentes. É o que indica levantamento que agregou 29 estudos em uma amostra de 80 mil crianças em 11 países. O trabalho, liderado por cientistas do Canadá, sugere que a prevalência de transtornos mentais dobrou nesse grupo de jovens em relação ao período anterior ao da pandemia de Covid-19, indo de 13% para 26%.
“Talvez esse número esteja superestimado, precisamos de mais estudos para confirmar isso”, ressalva Roberto Santoro, psiquiatra e coordenador do Grupo de Trabalho de Saúde Mental da SBP. “Mas certamente houve um aumento dos quadros de depressão e ansiedade no período de pandemia. Ainda temos que prestar muitos cuidados para tratar desses agravos.”
No Brasil, o projeto Jovens na Pandemia, realizado por equipe do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), busca ajudar crianças e adolescentes a lidar melhor com algumas emoções difíceis que podem ter ficado mais frequentes nessa época, como estresse, tristeza e ansiedade. Os pesquisadores analisam ainda a incidência de sintomas de depressão nos mais de 6 mil participantes, que têm entre 5 e 17 anos.
Dados preliminares indicam que 33% tiveram sintomas depressivos durante a pandemia. Além disso, a pesquisa mostra que 66% se sentiram sozinhos, 70% usaram eletrônicos para lazer por mais de cinco horas diárias e 28% estavam sem rotina estruturada em casa.
Foi durante a pandemia que Ana Júlia, de 10 anos, começou a apresentar comportamentos que chamaram a atenção da mãe. "Ela ficou mais isolada, deixou de rir e de brincar; também deixou de querer estudar e ficou agressiva, coisa que não é do comportamento habitual", conta Vera. "O divisor de águas para entender o que estava acontecendo foi com o acompanhamento da psicopedagoga. As crianças absorvem tudo e a gente fica sem saber o que fazer", continua. Desde então, terapia, atividade física e alimentação mais saudável passaram a fazer parte da rotina da pré-adolescente.
“Nesse período, recebi vários contatos de familiares buscando atendimento para crianças e adolescentes. Na clínica-escola também observamos os impactos do estresse e da ansiedade da pandemia”, afirma Rebeca Fontgalland, que atende em clínica em Fortaleza e é orientadora de estágio no Centro Universitário 7 de Setembro. “Muitas crianças perderam entes queridos. Perderam também a vida social que tinham antes. Sentiram as dificuldades e o medo em casa”, analisa.