Autoestima, autoimagem, projetos de vida, atividades laborativas, sexualidade. Tudo muda diante do diagnóstico de câncer de mama. “O impacto emocional começa, muitas vezes, na investigação diagnóstica e se amplia na confirmação do diagnóstico. São comuns e esperados sentimentos de medo, ansiedade e tristeza, que podem gerar reflexos no sono e no apetite, por exemplo”, explica a psicóloga hospitalar Anamaria Barbosa.
A profissional que atua no Centro Regional Integrado de Oncologia (CRIO) compara o fluxo de emoções a uma montanha russa. “Dessa forma, olhar para a saúde mental da paciente é cuidar de uma faceta essencial de seu tratamento. A paciente que cuida das próprias emoções ao longo do tratamento tem mais chances de encontrar melhores estratégias para lidar com as mudanças que ocorrem”, nota.
O impacto de um bom equilíbrio emocional é sentido na melhor adesão às terapêuticas propostas e na mudança de hábitos de vida, que serão importantes inclusive após a alta. “A ideia é tentar manter uma rotina, mesmo que diferente da rotina anterior, para conseguir se organizar também emocionalmente”, acrescenta Anamaria.
“O apoio emocional da família é extremamente importante. A gente observa que as mulheres conseguem passar por todo o tratamento de uma maneira mais positiva e têm uma recuperação, muitas vezes, até mais rápida”, completa Aline Carvalho, presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia no Ceará. Ela explica que um equilíbrio emocional tem implicações positivas inclusive para a imunidade.
Mylena Ximenes, psicanalista e psicóloga especialista em Cancerologia, acrescenta que o acompanhamento psicológico abre a possibilidade de uma pausa na urgência de viver e correr contra o tempo e a doença. Segundo ela, a psicoterapia é importante aliada para conseguir encontrar saídas e se ver neste novo lugar de mudanças, urgências e interrupções.
“Cada uma recebe de forma diferente, mas a maioria tende a receber o diagnóstico como uma sentença, pois na nossa cultura ainda existe uma conexão entre o câncer e a morte”, afirma a profissional do Hospital Haroldo Juaçaba no grupo ICC.
“Há também as repercussões sobre o corpo. O corpo é como nos apresentamos e nos relacionamos com o mundo, tanto nos aspectos funcionais quanto na identidade. E o tratamento tem um impacto não só na imagem corporal como também no funcionamento do corpo.”
A psicanalista recomenda que familiares e pessoas do convívio próprio respeitem a autonomia da paciente, entendendo que é um momento de pausa e não de completa impossibilidade de agir. Incluir a paciente em atividades, ouvi-la e mostrar que ela não está sozinha são outras formas de acolhimento aconselhadas.
Na rede pública, o atendimento primário começa nas unidades básicas de saúde e nas unidades dos municípios. Para o acompanhamento especializado, as cearenses podem contar com o Instituto de Prevenção do Câncer (IPC), o Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e o Hospital Geral César Cals (HGCC), que atuam via Central de Regulação. Nas unidades, o tratamento é realizado por equipes multidisciplinares, com apoio de psicólogos, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e assistentes sociais.
Em Fortaleza, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) recomenda que pacientes que necessitarem de apoio psicológico busquem os Centros de Atenção Psicossocial (Caps). “É feita uma avaliação inicial e, de acordo com a necessidade do usuário, há o encaminhamento aos serviços de cada unidade, dentre eles o atendimento psicológico”, explica a pasta.
A mastologista Aline Carvalho ressalta que é necessário estimular, cada vez mais, a prevenção ao câncer de mama. "A gente fala muito de mamografia e descoberta precoce, o que aumenta sim as chances de cura. Porém, o que a gente poderia fazer é evitar que esse câncer aparecesse", diz.
"A maneira mais eficaz e comprovada de prevenir é a mudança do estilo de vida. O câncer de mama é multifatorial e hábitos não saudáveis interverem muito no risco", expõe, alertando sobre alimentação inadequada, consumo de bebidas alcoólicas e obesidade.
Aos 32 anos Ardiely Vasconcelos notou um nódulo estranho na mama enquanto tomava banho. Era 2016 e o primeiro mastologista consultado não pediu exames detalhados e descartou a possibilidade da doença porque a técnica em Segurança do Trabalho era jovem.
“Três meses depois notei que o nódulo tinha triplicado de tamanho e procurei outra mastologista. Ela pediu biopsia imediatamente e me tranquilizou quando chegou o resultado.” O diagnóstico para câncer de mama havia sido confirmado, e Ardiely não só foi informada sobre as possibilidades de tratamento como também foi encaminhada para acompanhamento psicológico.
A primeira cirurgia veio em outubro de 2017. A segunda, em abril de 2018. “Minha família e amigos foram fundamentais para o processo. Acompanhando no hospital, exames, cirurgia, alimentação, banho”, cita lembrando de pequenos gestos, como quando seguraram sua mão durante os enjoos. “Ter apoio da família, amigos e equipe médica humanizada foi o que me fez lutar e vencer essa batalha”, conta.
O apoio veio também da Associação Toque de Vida, em Fortaleza, onde Ardiely encontrou outras mulheres passando pela doença. “Durante o processo da mastectomia, me senti menos feminina, menos mulher. A autoestima realmente cai bastante. Foi aí que a Associação entrou na minha vida”, lembra. No local ela tomou empréstimo de peruca, recebeu alguns lenços de doação, aprendeu a se maquiar.
“Infelizmente não é a realidade de todas, mas se todas pudessem ter essa corrente de acolhida, por mais que o câncer seja uma doença dolorosa, seria mais fácil enfrentar”, completa. “É mais fácil quando sabemos que tem alguém cuidando de nós.”
A cada ano, cerca de duas mil cearenses descobrem um nódulo na mama. O momento dá início a uma trajetória de desafios e também de compartilhamento. São os grupos de apoio entre mulheres que estão em tratamento ou já passaram por ele.
Maria Oberlânia Nascimento, 45 anos, é coordenadora do grupo de mulheres Amigas do Peito em Iguatu. Ela conta que o convite para fazer parte do coletivo veio já na fase final de seu processo de cura e é fundamental em seu cotidiano, mesmo após a alta recebida em agosto. “Esse convite me fortaleceu porque as mulheres viam em mim esperança e alegria. Comecei a ver que preciso viver, essas mulheres acreditam em mim, na minha vida, na minha alegria. A alegria delas me alegra também”, afirma.
Emocionada, a professora da rede municipal lembra de um momento em família em 2015 que vai guardar sempre na memória. “Meu filho mais velho tinha 20 anos. Ele me abraçou e disse: ‘Mamãe, a senhora sempre cuidou de mim, a partir de agora quem vai cuidar da senhora sou eu. Não se preocupe, a senhora vai ficar boa’”, recorda.
Colegas do trabalho e atividades manuais também foram grandes companheiras de Oberlânia. O crochê e a pintura em tecido ajudaram a ocupar os dias durante os oito meses de licença médica. “Tinha colegas de trabalho que diziam: ‘Vou ligar para tu todo dia, nem que seja só para te contar uma piada, para tu achar graça e rir muito da vida’.”
A fé foi outro pilar fortalecido em meio à mastectomia total e à rotina de viagens para Fortaleza a cada 20 dias para tomar as doses de quimioterapia. “Minha família é católica e por onde eles passavam, pediam orações. Até quem não me conhecia estava rezando por mim”, diz. “Quando recebi visitas de amigos que passaram por isso e de amigos que oravam por mim, eu me fortaleci.”
O processo de tratamento da professora universitária Rilvia Santiago também foi marcado pela força da coletividade. Em 2014, aos 33 anos, ela encontrou um nódulo durante a consulta de rotina na ginecologista. “Não conhecia alguém que tivesse câncer de mama com a minha idade. Entrei em contato com outros grupos, mas não me identificava. Eram majoritariamente mulheres mais velhas, aposentadas, já tinham filhos… Eram outras questões.”
Foi então que surgiu o Grupo Pérolas Rosas, que atua como uma rede de compartilhamento de experiências e informações por WhatsApp. “Fui conhecendo outras pessoas nas clínicas e acabei formando um grupo com outras quatro mulheres jovens. Outras pessoas foram sabendo e pedindo para entrar”, detalha, acrescentando que hoje são cerca de 120 mulheres, com perfis mais variados.
“Quando você vê alguém que já está muito longe do diagnóstico dá aquela esperança muito positiva”, comenta Rilvia sobre a importância do grupo. “São trocas importantes na tomada de decisões, nos conselhos para amenizar os efeitos colaterais… Mesmo tendo apoio de outras pessoas, é diferente conversar com quem está na mesma situação.”
Especialistas ouvidas pelo O POVO indicam de que forma familiares, amigos e pessoas próximas pode contribuir para o bem-estar de pacientes:
Respeite os sentimentos | O adoecimento e o tratamento desencadeiam inúmeras emoções difíceis. É comum, por exemplo, que a paciente sinta vontade de chorar ou se irrite com maior facilidade, pois é uma forma de expressar uma emoção ou uma necessidade. Acolha e respeite esses momentos, sem forçar que tenham sempre pensamentos ou atitudes positivas.
Esteja presente | Seja para uma conversa, seja para um suporte objetivo relacionado ao tratamento (como carona para as consultas, acompanhante durante o tratamento, auxílio financeiro), seja no cotidiano promovendo momentos de lazer e bem-estar. É importante se colocar em um lugar de: "independente do que aconteça, nós estaremos com você".
Permita e estimule a autonomia | A doença e o tratamento podem dificultar algumas tarefas do dia-a-dia. Ao mesmo tempo, é natural querer preservar ao máximo a pessoa que está fragilizada. Entretanto, o importante é entender e estimular que as capacidades, as habilidades e os desejos da paciente existem e podem ser realizados, ainda que um ritmo diferente.
Não omita informações | O paciente precisa entender alguns aspectos do tratamento e da doença para tomar suas decisões de vida. Por isso, é essencial que a família comunique-se bem e não esconda ou minimize informações sobre o tratamento.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), o autoexame é indicado para o autoconhecimento em relação ao próprio corpo, mas não deve substituir os exames indicados para todas as mulheres a partir dos 40 anos. A mamografia é essencial porque pode detectar tumores menores que um centímetro. Com o autoexame, geralmente a mulher só encontra tumores com mais de 2 cm.
Todos os seres humanos possuem tecido mamário e, portanto, podem desenvolver câncer de mama. Estimativas indicam que 1% afeta o sexo masculino. Os principais fatores de risco são idade (quanto maior a idade, maior o risco) e hereditariedade. Os sinais incluem protuberância ou inchaço, pele ondulada ou enrugada, vermelhidão ou descamação da pele e inchaço nos linfonodos axilares.