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Pedra da Roseta e túmulo de Tutancâmon: uma viagem ao Egito Antigo
Ciência e Saúde

Pedra da Roseta e túmulo de Tutancâmon: uma viagem ao Egito Antigo

Há 200 anos, Champollion abriu caminhos para a civilização milenar ao decifrar seus hieróglifos. No século seguinte, os pertences intactos de um faraó maravilharam o mundo. O Egito Antigo segue fascinando e sendo fruto de diversas pesquisas
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cs capa (Foto: lfcorullon (freepik))
Foto: lfcorullon (freepik) cs capa

  

 

Há 200 anos um pedaço de uma estela "Estela é uma placa, geralmente feita em pedra, destinada a conter inscrições e imagens. A estela de onde saiu a Pedra de Roseta continha um decreto promulgado em nome do faraó Ptolomeu V."  com três tipos de escrita foi a chave para que o Ocidente Moderno ampliasse suas interpretações sobre uma civilização com milênios de história. O francês Jean-François Champollion decifrou a Pedra de Roseta e abriu caminhos para a leitura dos hieróglifos do Egito Antigo. Um século depois, mais pedras escavadas e outra descoberta: o arqueólogo britânico Howard Carter encontrou a tumba do faraó Tutancâmon, que se tornaria a múmia mais famosa do mundo.

“O fato de podermos ler os textos egípcios gerou uma revolução nos meios acadêmicos”, destaca Marcia Severina Vasques, historiadora e arqueóloga na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). “Até então, a visão sobre o Egito Antigo era dominada pela leitura da Bíblia e dos autores clássicos, que são fontes externas ao próprio Egito. Saber o que os egípcios pensavam foi essencial para a compreensão de sua sociedade.”

Carter examina o terceiro e mais interno caixão de Tuntâncamon, feito de ouro (Foto: Griffith Institute/ University of Oxford (colourised by Dynamichrome))
Foto: Griffith Institute/ University of Oxford (colourised by Dynamichrome) Carter examina o terceiro e mais interno caixão de Tuntâncamon, feito de ouro

A professora acrescenta que a descoberta da tumba de Tutancâmon foi um marco para o Egito e sua história. “Foi a primeira tumba (e a única até hoje) de faraó encontrada intacta. Portanto, possui um acervo de suma importância para o conhecimento do Egito Antigo, com informações amplas, desde a visão da morte e do Além até conhecimento da vida cotidiana”, explica.

A tumba segue sendo fonte de admiração e mitos sobre o período faraônico. “Todo o material intacto encontrado gerou um fascínio tão grande na época que começaram a surgir histórias sobre uma maldição da tumba”, lembra Pedro Luiz Von Seehausen, membro do Laboratório de Egiptologia do Museu Nacional (Seshat) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Por coincidência e pelas questões de saúde da época, Lord Carnarvon, patrocinador da descoberta, morreu poucos meses depois, o que aumentou os boatos. Tudo isso impulsionou a egiptofilia e a egiptomania "Segundo definições da egiptóloga brasileira Margaret Bakos, a egiptofilia é o gosto pelo exotismo e pela posse de objetos relativos ao Egito Antigo. Já a egiptomania consiste na reinterpretação e nos novos usos de aspectos da cultura do Egito Antigo, atribuindo novos significados." .”

Von Seehausen expõe que o estudo sobre o Egito Antigo teve durante muito tempo “uma cara muito europeia e muito clássica, que não condiz totalmente com o que o Egito é”. “Acredito que o Brasil, por ser um país que foi colonizado e é multicultural, multiétnico e multirreligioso, consegue gerar uma perspectiva muito rica”, opina.

“Estudar o passado é, de certa forma, estudar a nós mesmos e nossa presença no planeta. Isso faz com que tenhamos ciência da finitude das coisas e do que queremos deixar para as gerações futuras”, analisa Vasques. “É importante termos uma visão de mundo amplificada ao ter consciência que existiram diversas culturas humanas, que tiveram formas de relacionamento próprio com a natureza, o universo e a forma de compreensão do mundo.”


 

Realidade virtual e tecnologias 3D: novas interações e descobertas

O avanço tecnológico e da multidisciplinaridade na egiptologia tem contribuído para ampliar as compreensões sobre o Egito Antigo, tanto nas campanhas arqueológicas quanto nos museus. No Museu Nacional, a coleção egípcia vem sendo digitalizada desde o início dos anos 2000. O uso de tomografias para enxergar o interior de sarcófagos e múmias, realizando análises não invasivas, é outro recurso utilizado há algumas décadas.

“Após o incêndio em 2018, conseguimos utilizar essas informações para imprimir algumas das peças em 3D e utilizá-las como próteses das peças que foram fragmentadas”, detalha Von Seehausen. Um das iniciativas foi a recriação da múmia de Kherima, que havia sido adquirida por D. Pedro I. Após seis meses de trabalho, o projeto V-Horus a reconstruiu virtualmente e tornou sua visitação disponível em visualização 3D.

Em 1876, quando de sua segunda visita ao Egito, Dom Pedro II foi presenteado pelo Quediva Ismail com o belo esquife pintado da "Cantora de Amon", Sha- Amun-en-su, que veio a manter em seu gabinete até a Proclamação da República, em 1889 quando o esquife passou a ser incluído na coleção do Museu Nacional
Foto: Museu Nacional
Em 1876, quando de sua segunda visita ao Egito, Dom Pedro II foi presenteado pelo Quediva Ismail com o belo esquife pintado da "Cantora de Amon", Sha- Amun-en-su, que veio a manter em seu gabinete até a Proclamação da República, em 1889 quando o esquife passou a ser incluído na coleção do Museu Nacional

“Outro exemplo do uso da tecnologia é o uso de infravermelho e softwares que decompõem a banda RGB das cores de fotos para a gente poder enxergar sinais e hieroglifos que estão apagados nas tumbas”, acrescenta o pesquisador.

As ferramentas são utilizadas no Projeto de Pesquisa e Conservação da Tumba de Neferhotep (TT49), no Vale dos Reis, do qual também participa a egiptóloga Gisela Chapot. “Descobertas no Egito são realizadas toda semana, sobretudo enterramentos. Às vezes, cidades aparecem através das escavações, e isso tem sido altamente favorecido e facilitado com técnicas de localização”, afirma a historiadora.

Hieroglifos do Egito Antigo
Foto: Pexels/ Alejandro Quintanar
Hieroglifos do Egito Antigo

Chapot conta ainda que exames de DNA são um mais um recurso importante em seus trabalhos. Por meio de seus resultados, vão se organizando as árvores genealógicas. "Vale também mencionar todos os recursos de conversação e restauração, o que nos permite encontrar itens com maior facilidade e fazer datações mais precisas."

"O Egito ainda tem muito a nos fornecer sobre seu passado. São cerca de cinco mil anos de história que ainda se escreve. Aconteceu de tudo no Egito, intrigas palacianas, golpes de Estado, mudanças de governos, mudanças climáticas, epidemias de grande escala…Há muita coisa ainda para se achar", diz Marcos Davi Duarte, doutorando em Arqueologia Clássica no Museu Nacional. 


 

Arqueoastronomia: a ciência da relação entre as civilizações antigas e o céu

Equinócios, solstícios, cometas e eclipses fazem parte da história das civilizações antigas, que os combinavam com períodos sazonais de colheitas e cerimônias religiosas ou festivas. É dessas relações que se ocupa a Arqueoastronomia. “É entender como o homem media o tempo e usufruia dessa ferramenta como instrumento de domínio de grupo, tanto político como religioso”, explica Marcos Davi Duarte, doutorando em Arqueologia Clássica no Museu Nacional.

No Egito, a Arqueoastronomia tem avanços de pesquisas em várias áreas e sítios como os templos de Karnak e Abu Simbel. “É um grande engano acharmos que na Antiguidade a humanidade não tinha avanços significativos de suas tecnologias e ferramentas de observação de tempo”, afirma Duarte.

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Pesquisando no complexo funerário da necrópole tebana em Luxor, ele investiga os indícios de uma arquitetura funerária preocupada com alinhamentos celestes. “Neste caso, estamos percebendo um alinhamento entre o equinócio e a estrutura arquitetônica da tumba de Neferhotep (TT49)”, detalha. “Isso é interessante, pois nos indica que a Astronomia, como instrumento de poder, não estava retida apenas aos palácios, mas a uma elite egípcia que usufruía desse saber astronômico também para suas representações funerárias.”

Os achados atuais avançam com tecnologias como GPS, softwares de Astronomia e sistemas de imagens de satélites. “Podemos adquirir informações com maior precisão sobre os eventos celestes em datas bastante regressivas e suas relações com as estruturas de arquitetura dedicada a tais alinhamentos”, explica o arqueoastrônomo. Ele voltará a Luxor em fevereiro de 2023.


 

Grande Museu do Cairo

Projetado pelo escritório de arquitetura irlandês Heneghan Peng, o Grande Museu Egípcio está a 2 km das três famosas pirâmides de Gizé e a 40 minutos de carro da capital, Cairo. O local teve seu projeto escolhido em um concurso de arquitetura em 2003 e deve ser aberto ainda em 2022. Será o maior museu do mundo dedicado a uma única civilização. São 24 mil metros quadrados (m²) de espaço de exposição permanente.

 

 

O Egito pelo mundo


 

Curiosidades, mentiras e verdades sobre o Egito Antigo

 

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