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Câncer de mama em homens: desconhecimento prejudica diagnóstico
Ciência e Saúde

Câncer de mama em homens: desconhecimento prejudica diagnóstico

Cerca de 1% dos casos de câncer de mama são diagnosticados em pacientes do sexo masculino. Diagnóstico desse tipo de tumor maligno alerta para possível mutação genética hereditária
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BRASIL, CEARÁ, FORTALEZA, 26.10.2022: Paulo Prado, 58 anos, médico, ele é endoscopista e diretor técnico do Hospital Geral Dr. César Cals. Ciência & Saúde sobre câncer de mama em homens. Foi diagnosticado e fez tratamento em 2021. Passou por mastectomia e radioterapia. (Foto: Aurelio Alves/ O POVO) (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES BRASIL, CEARÁ, FORTALEZA, 26.10.2022: Paulo Prado, 58 anos, médico, ele é endoscopista e diretor técnico do Hospital Geral Dr. César Cals. Ciência & Saúde sobre câncer de mama em homens. Foi diagnosticado e fez tratamento em 2021. Passou por mastectomia e radioterapia. (Foto: Aurelio Alves/ O POVO)

Embora os casos de câncer de mama ocorram majoritariamente em mulheres, homens cisgênero também podem ser acometidos pela doença. Pacientes do sexo masculino correspondem a 1% dos diagnósticos desse tipo de câncer. O tratamento e a sobrevida se assemelham ao câncer de mama em mulheres, com chances de cura altas quando a intervenção é iniciada nos estágios iniciais. Contudo, o desconhecimento sobre o assunto pode retardar o diagnóstico.

A principal diferença do câncer de mama — tumor maligno que ataca o tecido mamário — entre homens e mulheres é justamente a incidência. Por ser considerado extremamente raro, não há indicação para que homens realizem testes de rastreamento, como a mamografia, que detecta tumores ainda impalpáveis. 

Por isso, no caso dos pacientes do sexo masculino, a principal indicação é o aparecimento de nódulo em uma mama. "Como os homens não fazem esse rastreio, ele vai detectar um endurecimento unilateral, saída de secreção sanguinolenta pela mama ou nódulo na região exilar", explica Antônio de Pádua, mastologista do Hospital Haroldo Juaçaba (Grupo ICC) e diretor médico do Hospital Geral Dr. Cesar Cals.

O que chama mais a atenção, segundo ele, é a desinformação. "As taxas de cura são as mesmas levando em conta o estágio do câncer. Como não é comum, muitos homens retardam a procura pelo atendimento médico. O desconhecimento de que ele pode ter a doença é um dos principais fatores que retardam o diagnóstico, diminuindo um pouco as chances de cura", relaciona o mastologista, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia - Regional Ceará. 

O câncer de mama é multifatorial. Alguns fatores relacionados à doença são envelhecimento, histórico familiar de câncer de mama, consumo de álcool, excesso de peso, sedentarismo e exposição à radiação ionizante.

Andréa Gadêlha Guimarães, oncologista clínica do Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica (IUCR), frisa que o histórico pessoal e familiar é importante. "Se tem outros casos de câncer de mama na família, se o homem já fez tratamento com exposição à radiação, uso de hormônios", cita.

Segundo a médica, a cirurgia está indicada para praticamente todos os casos de câncer de mama masculino. Ela afirma que o tratamento depende da extensão do tumor e da existência ou não de metástase. 

"A cirurgia pode ser parcial ou total. Vai depender da extensão, da distância, se há metástase nos linfonodos. Pode precisar complementar o tratamento com quimioterapia e com bloqueio hormonal", especifica a oncologista clínica.

Marcelo Bello, oncologista e diretor do Hospital do Câncer III, especializado em câncer de mama, do Instituto Nacional de Câncer (Inca), explica que o tratamento é muito semelhante ao tratamento da mulher. "Aliás, ele é todo baseado no conhecimento que a gente tem de casos em mulheres porque os casos em homens são muito raros", diz.

O mastologista Antônio de Pádua acrescenta que homens são mais submetidos à mastectomia do que à cirurgia conservadora — procedimento que consiste na retirada do tumor deixando tecido mamária para obter melhor resultado estético. Isso acontece devido ao pequeno volume mamário.

Na presença de comprometimento axilar, realiza-se também a retirada de linfonodos axilares. "Se o linfonodo estiver negativo, você pode não esvaziar a axila, você pode fazer quimioterapia adjuvante para reduzir o tumor e tratar a axila antes da cirurgia para não precisar fazer o esvaziamento da axila", acrescenta o oncologista Marcelo Bello.

Pádua ressalta também que a principal alteração física nesse tipo de tumor em homens, que é o nódulo, também pode ser sinal de outras doenças, como a ginecomastia, que é o desenvolvimento da glândula mamária."É uma patologia benigna e comum. Acontece principalmente na fase de adolescência e após os 50 anos. Não é fator de risco e não é uma patologia em si", detalha o mastologista.

O nódulo também pode ser diagnosticado como fibroadenoma, cisto simples ou mastite, que são um processo inflamatório.

Câncer de mama em mulheres

O câncer de mama é o tipo que mais acomete mulheres em todo o mundo. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), cerca de 2,3 milhões de novos casos de câncer de mama foram estimados para o ano de 2020 em todo o mundo, o que representa cerca de 24,5% de todos os tipos de neoplasias diagnosticadas nas mulheres. Para o Brasil, foram estimados 66.280 casos novos de câncer de mama em 2021, com um risco estimado de 61,61 casos a cada 100 mil mulheres.

Números do câncer de mama em homens

Como a incidência em homens é baixa, o Inca não dispõe da estimativa de casos por ano. O instituto não dispõe de números de casos de câncer diagnosticados. Considerando que o câncer não é doença de notificação obrigatória e os pacientes são tratados tanto no SUS quanto na saúde suplementar, o Inca tem apenas as estimativas de novos casos dos tipos mais incidentes na população brasileira. A pesquisa atual é para o triênio 2020-2022, e os números se repetem para cada ano. Ainda em 2022, o instituto deve divulgar as estimativas para o próximo triênio.

Câncer de mama em homens alerta para possível mutação genética na família

O diagnóstico de câncer de mama em um homem aumenta potencialmente o risco de câncer de mama em todas as mulheres da família do paciente, pois é um fator de risco para alteração genética hereditária. Todo paciente do sexo masculino com a doença deve ser encaminhado para aconselhamento genético.

Cerca de um em cada cinco homens com câncer de mama têm pais, irmãos ou filhos com a doença, alerta Andréa Gadêlha Guimarães, oncologista clínica do Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica (IUCR).

"Tem um peso maior no caso dos pacientes homens. Mesmo que o homem não tenha história familiar, ele precisa ser encaminhado para um serviço de genética para saber se existe alguma mutação e qual é. Para ver se tem algo que possa ser feito para ele e para as gerações subsequentes", frisa a médica. 

Paula Saab, membro titular da Sociedade Brasileira de Mastologia, diz que existem vários painéis genéticos a serem testados nesses casos. "O que está mais relacionado ao câncer de mama é o BRCA 2. Se o do paciente diagnosticado com a doença der positivo para a mutação, todos os parentes de primeiro grau, filhos, irmãos, pai, mãe têm indicação de realizar para identificar se também têm", pormenoriza.

Ela explica que o gene BRCA 2 é um gene de supressão tumoral. Isto é, é um gene "responsável pela estabilidade da célula". Ele evita que a célula normal se transforme em uma célula maligna. Segundo Paula Saab, quando ele apresenta deficiência, mutação, isso favorece a proliferação exacerbada dessa célula.

Além disso, homens com essa mutação têm risco de outras doenças associadas, como câncer de próstata e de pâncreas. Também aumenta muito o risco de outros tipos de câncer nas mulheres.

Do outro lado do atendimento de saúde 

Atravessar o processo de diagnóstico e tratamento contra um câncer é uma experiência difícil e transformadora. Para Paulo Prado, 58, esse capítulo da vida teve uma camada a mais. Médico endoscopista, ele se viu no outro lado do atendimento de saúde. Desta vez, como paciente. 

Em junho de 2021, Paulo, que é diretor técnico do Hospital Geral Dr. Cesar Cals, percebeu um nódulo do lado esquerdo de uma das mamas "pouco maior que uma ervilha" enquanto estava se exercitando.  "A gente imagina as hipóteses, como médico. Mas sempre pensa que não vai ser", conta.

Logo no dia seguinte, pediu para o colega Antônio de Pádua, mastologista do Hospital Haroldo Juaçaba (Grupo ICC) e diretor médico do Hospital Geral Dr. Cesar Cals, avaliar o nódulo. Por meio da biópsia, veio a confirmação de câncer de mama. O paciente realizou mastectomia com esvaziamento axilar e sessões de radioterapia. Foram três meses de tratamento, finalizado em outubro do ano passado.

"Eu já tinha tido uma irmã e uma prima com câncer de mama. Mesmo sendo raro em homem, deveria ter seguido maior cuidado. Não era mais um risco usual. Infelizmente, a gente negligencia por achar que não está vulnerável. Os médicos são mais descuidados consigo, em geral", reconhece.

Apesar de ter noção do prognóstico positivo pela experiência médica, Paulo conta que o diagnóstico chegou com interrogações. "A gente é muito ativo. Você tem que se afastar das atividades, parar dava medo", compartilha.

Como é indicado em todos os casos de câncer de mama em homens, Paulo Prado realizou testes genéticos para identificar possível mutação. O resultado negativo foi um alívio pela família. Mesmo assim, o caso dele é um alerta aos parentes. 

"Tenho uma filha de 22 anos e já está recomendada a profilaxia de câncer de mama. Pela idade, é o exame clínico e a ressonância magnética. Por ser jovem, não é indicada a mamografia porque teria que expor a muita radiação ao longo da vida", explica. 

A experiência intensificou ainda mais nele a noção da responsabilidade da missão como médico. "Quando o médico passa um tempo sendo paciente percebe mais a ótica dele, percebe o quanto é importante cada detalhe no cuidado", reflete. 

Ponto de vista: O conhecimento como herança

A genética me sorteou com daltonismo, calvície e alguns traços de personalidade intragável. Mas, apesar da ascendência judaica ashkenazi, ela me poupou de genes que aumentam a incidência de câncer de mama.

O único motivo que sei disso foi a doença que matou meu tio mais próximo há cerca de seis meses. Após o diagnóstico, gozando dos benefícios de uma vida privilegiada, tio Daniel deixou de legado para a família um teste genético confirmando ter mutações no gene BRCA 2, que aumentam exponencialmente a incidência desse tipo de câncer.

Com o laudo de uma médica geneticista, bastou solicitar para que meu plano de saúde (acionando a minha parte de privilégio) autorizasse um teste genético enviado aos Estados Unidos.

Negativei. Meu pai não. Meu irmão do meio — livre do daltonismo e da calvície —, também não. Eles sabem algo que meu tio não soube a tempo. Cito minha ascendência porque era outra informação que não tínhamos. Uma trainee do O POVO comentou sobre o assunto, o Google confirmou. E é fascinante o quanto não sabemos.

Meu tio deixou um vazio que nunca será suprido. De herança, deixou o privilégio do conhecimento. Ele era um homem e morreu em decorrência de um câncer de mama. A gente ouve que isso é raro. É menos raro para quem tem uma ou outra mutação genética.

Queria não ter tido de aprender sobre isso.

André Bloc

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