Uma moça balança um chocolate Baton Garoto em frente à tela, induzindo, com uma voz quase magnética, o telespectador a comprar o produto. A cena, de um famoso comercial dos anos 90, retrata como a hipnose é tida no imaginário popular: feito mágica. Mas na verdade não há mistério, nem magia, e sim um cérebro trabalhando. É sobre redescobrir memórias, impactar sentimentos.
A hipnose necessita da permissão de quem aceita ser hipnotizado. Isso porque o processo é sobretudo um estado de entrega, onde quem vive o procedimento permite ter o seu pensamento direcionado. O foco e a concentração abrem o caminho para que se passeie, dentre outros lugares, por novas e antigas emoções.
A hipnose em si não é terapêutica, mas pode ser usada como uma ferramenta para esse fim. Um dos procedimentos mais conhecidos por usá-la é a hipnoterapia — também conhecida como hipnose clínica.
Segundo o hipnoterapeuta Carlos de Thalisson, a hipnose é um processo natural do ser humano, ligado a situações cotidianas. Exemplo disso é o momento em que estamos focados durante a leitura de um livro que gostamos, assistindo a uma peça de teatro ou até mesmo vendo um filme no sofá da nossa casa.
"Você tá com sua atenção focada e durante a experiência do filme é como se de alguma forma você entrasse na história. Você se envolve emocionalmente", explica o profissional, citando ainda como exemplo a conexão que temos com parentes e amigos, que ao longo da vida vai influenciando nossos hábitos, costumes e até mesmo pensamentos.
Mas a hipnose também pode ser guiada. Profissionais atuam para direcionar o foco da pessoa e assim gerar uma inibição cortical, deixando áreas cerebrais relacionadas a criatividade mais ativas. Isso pode ser possível por meio da repetição de estímulos, usando um pêndulo, um ponto fixo na parede, os dedos, ou até mesmo o barulho de um relógio, com os ponteiros se arrastando uma, duas, três vezes...
O som do relógio na parede da sala foi se internalizando em Francicleide Costa, 50, e levando-a a um lugar isolado, mesmo que estivesse dentro de uma clínica. A sensação era de estar só, sentindo uma paz que descreve como "muito, muito grande". Ela não conseguia abrir os olhos, mas nem sabe se quer.
Desse lugar interno, ela pode ouvir a voz do hipnoterapeuta ficando cada vez mais distante. É como se o profissional, que está literalmente sentado ao seu lado, ficasse agora a metros de distância — tornando-se só um ponto que a direciona. A sensação de estar sozinha, ainda que não estivesse, a agrada.
Foi assim que a dona de casa se sentiu nas primeira sessões de hipnoterapia, que realizou no ano passado. Ela diz nem ter sentido o momento onde entrou em uma espécie de "transe", mas consegue descrever com detalhes a energia boa que sentiu, como se estivesse descobrindo um "outro universo".
De acordo com Carlos de Thalisson, a hipnose é um processo ativo, dinâmico. Durante o procedimento, o paciente coopera com as intervenções, permanecendo consciente o tempo todo. "A pessoa, ela não se desprende da realidade. Eu diria que é mais um estado ampliado da consciência do que alterado", diz.
Sensação é confirmada por Francicleide. "A gente fica consciente, mas você tá nas nuvens. Você tá consciente mas ao mesmo tempo não consegue abrir o olho. Você não consegue pensar em outra coisa a não ser ouvir o som ou ele falar alguma coisa, umas perguntas muito longe (...) A hipnose, você tem que se entregar. Você tem que tá com uma paz, pra você entrar em um universo, uma luz", frisa.
A dona de casa procurou a hipnose para tratar da ansiedade. Por meio de uma técnica chamada regressão, ela "reviveu", durante as sessões, situações passadas de forma a "abraçar a criança que já foi um dia". Foi como um pedido de perdão a si mesma.
"Me ajudou muito a tirar os momentos dentro de mim, me ajudou a superar, a tentar enxergar com mais clareza tudo que me aconteceu quando eu era criança. Aprendi a me amar, a tomar decisões na minha vida. Não sinto mais as amarguras da minha vida. Melhorou até no relacionamento. A tristeza que eu sentia no fundo do meu coração hoje eu não sinto mais", desabafa.
Já Fátima Lima, 43, procurou pela hipnoterapia em 2021, quando passava por uma crise generalizada de ansiedade. Na época, ela tinha acompanhamento psicológico, mas sentia que precisava de algo que pudesse potencializar o tratamento. Sessões foram como um divisor de águas.
"Eu considero (minha vida) antes e depois das sessões de hipnoterapia. Sou outra pessoa. Percebi com o tratamento que existem algumas questões que não são suas, que existem algumas batalhas que não suas; eu aprendi que a gente tem que ter mais empatia com o outro", frisa a professora.
Diferentemente da dona de casa e da docente, "( POVO opta por publicar um nome fictício para a fonte para evitar que a filha menor de idade seja identificada, podendo ser alvo de estigma por doenças psicológicas" Mariana , 50, não passou pelo método, mas sentiu os benefícios dele de outra forma. A chef de cozinha tem uma filha, de 16 anos, que viveu, há pouco tempo, uma depressão muito forte. Foi a hipnoterapia que melhorou quadro da adolescente.
"Ela não queria falar com ninguém, ficava sempre calada sozinha e depois (das sessões) ela se abriu realmente, começou a falar com a gente sobre o assunto, ver os amigos", conta. A chef de cozinha ainda lembra o que pensou quando viu a filha sorrir ao sair da sessão: "Nossa, eu não acredito, ela tá sorrindo".
Nos três casos, as pacientes já tinham acompanhamento psicológico e buscaram a hipnoterapia para intensificar resultados. Conforme o hipnoterapeuta Carlos de Thalisson, a prática pode ser usada para potencializar o tratamento de diversos transtornos mentais, pois funciona como uma espécie de placebo.
"Ela (paciente) já vem certa de que o tratamento vai mudar algo dentro dela. É como se a hipnose atuasse como um placebo, como uma intervenção que produz resultados em período de tempo mais rápido. À medida em que ela vai se envolvendo com a experiência ela vai ficando mais e mais sugestionável. Quando a pessoa vai se deixando levar pelas sugestões é como se ela ficasse aberta a experiência, e isso tem um forte impacto emocional quando a gente fala sobre traumas", pontua.
A hipnose não é somente utilizada para tratar de transtornos psicológicos. Depois de algumas sessões, é possível que o paciente consiga resolver um medo que aparentemente não tinha motivo, colocar para fora emoções que estavam trancadas ou até como meio para deixar para trás uma fobia social, que o afeta.
"Imagina uma fobia social. A técnica de regressão pode identificar uma situação de constrangimento que ele (paciente) possa ter vivido antes (No trabalho (hipnoterapia) a gente consegue resgatar essa experiência. E a partir dai trabalhar estratégias de ressignificação, que nada mais é do que mudanças de perspectivas do que aconteceu", explica Carlos.
Conforme o hipnoterapeuta Auri Junior, a hipnose é reconhecida por pelo menos quatro conselhos profissionais: psicologia, odontologia, medicina e fisioterapia. Método é usado até mesmo antes de algumas cirurgias realizadas e para as quais o paciente não pode receber anestesia.
Ele também explica que a hipnose não é uma pseudociência — tese defendida por alguns pesquisadores —, mas sim uma ferramenta terapêutica reconhecida como potencializadora de diversos tratamentos. "Hoje facilmente podemos encontrar diversos artigos científicos que comprovam a eficiência da hipnose dentro de tratamentos, principalmente quando ela é um complemento de algum (outro) tratamento", pontua.
Ainda que exista um reconhecimento, no Brasil não há uma regulamentação sobre o uso da técnica. Segundo o hipnoterapeuta Carlos de Thalisson, isso pode dar brecha para o surgimento de profissionais não qualificados e de "charlatões".
"Infelizmente existem muitos profissionais que usam a hipnose de forma antiética, charlatões. O meu papel hoje e sempre vai ser levar essa mensagem, que a hipnose é sim uma técnica a favor da saúde mental (...) Mas que precisamos usar de forma ética", pontua.
Segundo Auri, a hipnose em si já é utilizada há séculos. No Egito Antigo, por exemplo, existiam "templos do sono", onde enfermos eram colocados para conseguir uma cura. Mas o método evoluiu. Antes de se tornar o pai da psicanálise, o austríaco Sigmund Freud (1856–1939), o pai da psicanálise, que a utilizou no início de seus estudos. O analista viria a deixar de usar os métodos, mas a base o ajudou a desenvolver os conceitos da "cura pela fala".
Outros pesquisadores passaram, desde então, a trabalhar para consolidar a hipnoterapia como catalisadora dos processos de psicoterapia, especificando ela como um estado de transe, não de sono.
O fato de Freud ter abandonado o método, no entanto, acabou sugerindo que a hipnose fosse algo que não traz resultado — algo refutado pelo hipnoterapeuta Auri. Para André Luiz Santiago, mestre em psicologia e psicanalista, essa ideia também se dá pela questão do "imediatismo" por trás do método.
Segundo especialista, o que Freud acabou vendo foi que a hipnose provocava uma melhora nos sintomas, mas que eles acabavam retornando e, às vezes, até surgiam outros efeitos. "Era um tratamento terapêutico, mas não era uma análise", defende.
O profissional ainda pontua que a a psicanálise é contra toda abordagem que é vista como mercadológica e frisa que as vezes a hipnose é "vendida" com um ideia de "cura rápida". "Nós estamos em uma sociedade em que é tomada certas sistêmicas exatamente porque elas são mais rápidas", frisa.
Por outro lado,Auri defende que a técnica avançou ao longo dos séculos e hoje é vista mais como uma ferramenta para entender a causa do problema, diferentemente da forma como era entendida quando Freud a testou. Nesse sentido, o especialista pontua que o método segue com potencial para obedecer a um de seus principais propósitos: entender vivências por meio das emoções.
No Egito Antigo, por volta de 1500 A.C., sacerdotes recorriam a procedimentos hipnóticos para a cura de doenças e dores.
Já na Grécia Antiga, o diagnóstico e a cura dos doentes ocorria por meio de técnicas de relaxamento do corpo, parecidas com a hipnose.
A partir do século XVIII, são realizadas as primeiras experimentações científicas e a hipnose deixa de ser algo "místico", sendo estudada até mesmo por Sigmund Freud, o pai da psicanálise
No fim do século XIX, Freud abandona a hipnose, que continua sendo estudada por outros estudiosos.
Fonte: Instituto Kraisch