"Ele acolheu a morte como uma velha amiga e a acompanhou de bom grado. E, como iguais, partiram desta vida". A passagem do "Conto dos Três Irmãos", parte da saga literária "Harry Potter", reflete um dos principais princípios do paliativismo: reafirmar a vida e a morte como processos naturais.
Há, claro, casos em que a doença não tem chance de cura e o que resta é proporcionar conforto e qualidade de vida ao paciente, bem como prestar apoio e orientação aos familiares.
A psicóloga e psicanalista com formação em situações de crise, sofrimentos extremos e mediação de conflitos, Silvana Castelo Branco, explica que os cuidados paliativos se estendem até depois do fim da vida do paciente.
"Muitas vezes, os familiares ficam completamente exaustos, sem nenhuma estrutura psíquica para compreender a morte. Além disso, o acompanhamento psicológico é fundamental para a quebra de mitos, especialmente, em relação a situações como o "não há nada a fazer", que ocorre — geralmente — quando o paciente está no hospital há algum tempo e o sentimento da família é de que ela 'fracassou' por não conseguir curá-lo", destaca.
O médico psiquiatra e professor da UFC, Fábio Gomes de Matos, salienta que uma das questões fundamentais ao tratar da morte de pacientes paliativos é enfatizar qual é o papel da equipe multidisciplinar, tanto no momento de vulnerabilidade que antecede a morte, quanto na ocasião da perda.
"A gente tem como obrigação lutar pela vida do paciente. Mas costumo dizer que nós, psicólogos, somos cavaleiros da esperança, não do apocalipse. Também não somos deuses para garantir a vida de ninguém, mas somos seres humanos comprometidos em fazer com que essa pessoa possa ter um final de vida sem dor, acompanhada de seus entes queridos, sem ficar isolada e sozinha em uma UTI", elucida Fábio.
A psicóloga Silvana, entretanto, esclarece que não necessariamente ir para casa é a opção mais adequada para a garantia do conforto. "Muitas pessoas dizem que o melhor lugar para um paciente quando ele tem um diagnóstico e está próximo ao fim da vida é ficar em casa. Mas não necessariamente. O melhor lugar é aquele em que ele está confortável", conta.
Segundo ela, quando o paciente já está no hospital, próximo a seus últimos dias de vida, e a equipe multidisciplinar é chamada para atuar nos cuidados paliativos, a família passa a ser acompanhada por psicólogos. E quando ele morre, esse acompanhamento familiar continua.
"Eles (profissionais da equipe multidisciplinar) vão observar e orientar a família, para saber se já existe um plano funerário, se existe um jazigo, um local para velar o corpo… São cuidados aparentemente simples, mas de uma grande complexidade, porque muitas vezes as pessoas não querem compreender e aceitar a morte, e se veem em uma situação muito delicada, quando um ente querido está em um grau avançado de doença e não há mais cura", relata a psicóloga.
Ela afirma ainda que o processo de elaboração do luto da família é fundamental nessa etapa da ocasião pós-morte. "Compreendemos que o choro, a liberação das emoções, é necessário para a elaboração do luto. Não devemos calar o choro de pessoas que estão enlutadas. Elas precisam chorar. Elas precisam se expressar. Então, entra a Psicologia nesse espaço pós-morte para promover a escuta qualificada por meio de um profissional da área, para que essa fala (dos familiares) tenha respaldo e acolhimento", conclui.