"Todo animal silvestre, assim como as árvores, os rios, etc, são considerados pela Constituição Brasileira como um patrimônio público. Ou seja, são bens de uso de estudo, que pertencem a todo mundo. Então, não é dada a nenhuma pessoa física [a permissão] de se apropriar e o utilizar como se fosse proprietário dele. Esse animal é da União”. A explicação é de Alberto Klefasz, analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
A explicação foi dada após o influenciador digital e estudante de Engenharia Agrônoma, Agenor Tupinambá, ser autuado em R$ 17 mil por abuso, maus-tratos e exploração contra animais. Além da multa, ele ainda teria de entregar a capivara, batizada por ele como "Filó", ao Instituto e deletar todas as imagens do animal das redes sociais.
Em nota, o Ibama informou os motivos da autuação do fazendeiro: uso de espécimes da fauna silvestre sem a devida permissão, maus-tratos e morte de uma preguiça-real, além de exploração da imagem de um animal silvestre em situação de abuso e irregularmente mantido em cativeiro. A instituição também esclareceu que o valor da multa é referente à morte de uma preguiça-real que ficou sob posse do influenciador, que nega as acusações.
O Ibama explicou que a reação de defesa do jovem entre os usuários da internet é resultado do "senso comum", considerando que os animais estariam sendo bem tratados. No entanto, O Instituto ressalta que a introdução de hábitos típicos de ambiente doméstico em espécies silvestres inviabiliza [a] capacidade de sobrevivência na natureza”.
“Ele [Agenor] estava expondo um animal que era para estar em um ambiente livre, de forma completamente descaracterizada: abraçando, colocando acessórios que não têm nada a ver com o comportamento natural da espécie”, explica Alberto Klefasz, analista ambiental do Ibama. Ele explica que essa atitude naturaliza a domesticação de animais silvestres, principalmente por estar sendo mostrada nas redes sociais. "Ao fazer essa exposição de forma equivocada, ele induz os seguidores a seguirem esse mesmo comportamento. Acaba criando um efeito dominó”, complementa.
Os animais silvestres, segundo Alberto, possuem comportamentos e necessidades diferentes dos animais domésticos. Eles podem, por exemplo, exigir dietas específicas, espaço adequado para exercícios, etc. Se mantidos em cativeiros, eles podem desenvolver problemas físicos e comportamentais, o que dificultaria a reintrodução à natureza.
“Tirar o animal do meio natural, causa um desequilíbrio ecológico [porque] destrói toda a cadeia [alimentar] que ele está relacionado”, explica Thais Tamara, veterinária e assessora técnica da Coordenadoria de Proteção e Defesa Animal (Coani).
Ela adiciona que o contato de humanos com os animais silvestres também gera um risco para a saúde pública. “Não se sabe quais doenças esse animal [poderia ter] no meio silvestre. Então, você pode estar trazendo essas doenças para o meio urbano”, diz. “Quanto mais os humanos invadem o meio silvestre, maiores são as chances de desenvolvermos [novas] doenças.”
“O animal silvestre é aquele que faz parte do meio natural e não possui nenhum tipo de contato ou interação com o ser humano”, explica Thais Tamara, assessora técnica da Coordenadoria de Proteção e Defesa Animal (Coani).
Segundo ela, é aquele animal que não depende do ser humano para encontrar comida ou água. "É um animal que vive em equilíbrio com o meio ambiente.”
Os silvestres, de acordo com ela, ainda se dividem em pelo menos dois grupos: nativos ou exóticos. Os nativos são aqueles que fazem parte da fauna local, enquanto que os exóticos vivem em locais diferentes dos originais, como se fossem estrangeiros.
Os animais domésticos são aqueles que se tornaram dependentes para encontrar comida, água, abrigo etc. "No final das contas, (esses animais) foram domesticados para suprir alguma necessidade humana. Seja ela afetiva, como acontece hoje em dia, ou por demanda de trabalho.”
O estudo Wild Animals “pets” on social media, da Social Media Animal Cruelty Coalition (Smacc), analisou, entre setembro de 2021 até outubro de 2022, 840 vídeos do Facebook, Youtube, TikTok e Twitter em que animais silvestres eram tratados como pets. Entre aranhas, macacos e pássaros, o estudo identificou 97 espécies diferentes nas publicações que, juntas, somavam mais de 11 milhões de visualizações.
Muitos dos vídeos analisados, que são facilmente encontrados pelas redes, mostram os animais sendo alimentados ou usando vestimentas de bebês. Eles são retratados como se fossem humanos. Parte do público, segundo os pesquisadores, enxerga esses vídeos como “fofos” ou “engraçados” e, muitas vezes, compartilham o conteúdo.
Conforme os resultados da pesquisa publicada em novembro de 2022, 13% das postagens mostram os animais sendo psicologicamente torturados, 12% sendo usados para fins de entretenimento e 8,9% sendo fisicamente abusados.
“A partir do momento que você começa a incentivar um comportamento desse, de cada um querer ter um animal silvestre como se fosse um pet, você está vulnerabilizando a espécie [como um todo]”, diz Alberto. “Se uma pessoa, que é famosa ou reconhecida, passa a visão de que isso é permitido, todos vão querer imitar.”
Segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), 38 milhões de animais silvestres brasileiros são retirados da natureza por ano. Além disso, nove a cada dez animais traficados morrem antes de chegar ao consumidor final.
No Ceará, muitas espécies costumam ser traficadas. As mais comuns, segundo o analista, são papagaios, periquitas e macacos. “Qualquer pessoa mais antiga que vivia em uma área rural vai mencionar os bandos de canários, de maracanãs, papagaios que existiam e hoje não existem mais. Eles foram tão traficados que foram extintos no Ceará. A jandaia, que é uma espécie símbolo do Ceará, foi praticamente extinta no Estado por conta do tráfico.”
“Eu quero que soltem ela”, gritou a deputada estadual Joana Darc (União Brasil), parlamentar mais votada do Amazonas e autoproclamada protetora dos animais, com servidores federais do Ibama. “Não toca em mim, quem encostar em mim vai levar um murro na cara.” O diálogo aconteceu no domingo, 30 de abril, enquanto a parlamentar tentava invadir o Centro de Triagem de Animais Silvestre (Cetas) para “resgatar” Filó.
Joana afirmou que o órgão não estava cumprindo uma decisão judicial emitida um dia antes que concedia a guarda provisória da capivara de volta ao influenciador e, por isso, teve essa reação.
A parlamentar também reclamava sobre Filó estar em uma gaiolas com pouco espaço, em comparação com a fazenda de Agenor. “Olha essa gaiola, imunda. Chama a Polícia Federal para me prender aqui. Tudo sujo. Nem limparam."
Os Cetas são responsáveis pelo processo de reabilitação dos animais para que eles possam voltar à natureza. Desde janeiro deste ano, as unidades já devolveram 5,6 mil animais no País à natureza, segundo o Ibama.
De acordo com Alberto, os animais são colocados em gaiolas para facilitar o acompanhamento dos profissionais responsáveis. ”As pessoas pensam: ‘ah, o animal está ali (preso), era para estar solto'. A verdade é que ele está passando por um processo para que, mais tarde, seja levado a um local mais espaçoso, onde vai ter contato com outros da espécie dele.”
Ele afirma que o ambiente onde Agenor mantém o animal não é natural. “As outras capivaras vivem afastadas. [A Filó] é privada do convívio com os pares dela, ela não pode interagir com eles, não pode formar um [vínculo] familiar e não pode reproduzir. Então, pela legislação, esse animal é considerado em cativeiro, embora não esteja amarrado ou dentro de grades.”
Ibama Linha-Verde: 0800 061 8080 (de segunda à sexta, das 7 às 19 horas)
Cetas Ceará
Endereço: Rua Wilson Pereira, 351 — Guajeru — 60843-150 — Fortaleza/CE
Telefone: (85) 3474 0001
Disque-Denúncia: 181
Emergência: 190